O Brasil está maduro para o socialismo

Por Edmilson Costa, via Resistir.info

Ao contrário da Rússia no período da revolução bolchevique ou da revolução chinesa de 1949, cujas transformações foram realizadas em nações atrasadas do ponto de vista econômico, o Brasil possui uma economia moderna, com elevado nível de desenvolvimento das forças produtivas, destacando-se uma industrialização integrada e dinâmica, avançado processo capitalista no campo, portanto maduro para o socialismo, muito mais maduro do que aquelas sociedades que fizeram suas revoluções na primeira metade do século XX. Quando os bolcheviques tomaram o poder em 1917 encontraram um país com uma economia basicamente agrária e uma classe operária restrita apenas a algumas franjas industriais nas grandes cidades. Os revolucionários chineses, quando conquistaram o poder em 1949, encontraram também um país agrário, com a absoluta maioria dos trabalhadores no campo.


Portanto, tratava-se de países com baixo nível de desenvolvimento econômico, nos quais não estavam ainda maduras as condições materiais para a construção do socialismo desenvolvido. Por isso, essas nações tiveram que construir o processo industrial e modernização a agropecuária a partir de bases muito precárias. Levaram muitos anos para consolidar o desenvolvimento econômico com forças produtivas modernas. Isso marcou profundamente a formação sócio-econômica dessas revoluções, seus problemas, percalços e singularidades.

Como os fundadores do marxismo costumavam afirmar, a construção do socialismo é mais factível num país de base industrial, com uma classe operária numerosa, concentrada nos locais de trabalho, do que num país agrário, de maioria camponesa, com relações de produção atrasadas. Ressalte-se ainda que o desenvolvimento do capitalismo, na prática, destrói as bases da velha sociedade camponesa e, sob seus escombros, constrói a sociedade burguesa moderna e, assim, assenta as bases materiais para a sociedade socialista, que é a produção desenvolvida na cidade e no campo, capaz de suprir as necessidades de bens e serviços de toda a população.

Grande parte dos problemas vividos pelos países daquilo que ficou conhecido como socialismo real originou-se das condições objetivas atrasadas daquelas sociedades. Sem a industrialização madura e a agropecuária moderna e desenvolvida, a construção socialista foi realizada apalpando pedras, com heroísmo e debilidades, mas acima de tudo sem as condições materiais objetivas para a construção socialista. Portanto, a tarefa de construção da nova sociedade foi muito mais difícil do que seria se a revolução tivesse sido feita, por exemplo, na Alemanha industrializada, como os marxistas imaginavam.

As revoluções em nações economicamente atrasadas cobram um alto preço ao processo revolucionário. A herança camponesa da população, seus valores sociais ligados à religiosidade, ao atraso cultural, às relações de produção baseada na economia camponesa, a ausência de uma classe operária organizada em grandes conglomerados econômicos, além do cerco permanente do inimigo de classe, todos esses fatores contribuíram para que as tarefas da revolução fossem retardadas. Mesmo com todo o desenvolvimento científico e tecnológico da URSS, essa herança cobrava um alto preço à revolução.

A revolução socialista num país de base industrial, com a maioria da população vivendo nas grandes cidades, com uma classe operária concentrada nas grandes fábricas, com relações de produção capitalistas na cidade e no campo, reúne condições bem mais propícias para a construção do socialismo. A construção da nova sociedade já se inicia a partir de bases econômicas, sociais, políticas e culturais desenvolvidas, o que permite avançar mais aceleradamente para a construção da nova sociedade. Não será necessário nenhuma NEP (Nova Política Econômica) [1] , nenhum comunismo de guerra, nenhum passo atrás. Uma vez derrotada a velha classe dominante e consolidado o poder dos trabalhadores, a tarefa de construção da nova sociedade já encontra as bases objetivas para o socialismo desenvolvido.

O Brasil hoje reúne todas as condições para a construção de uma sociedade socialista desenvolvida tanto do ponto de vista material quanto cultural. Possui uma base material sólida, avançada e diversificada. Trata-se da sexta economia mundial, com um capitalismo maduro na cidade e no campo, monopolista e hegemônico em todas as regiões, com uma classe operária numerosa, concentrada nas grandes empresas fabris, com um nível de integração nacional extraordinário, o assalariamento generalizado no campo, sem disputas territoriais separatistas, uma só língua, um povo miscigenado, uma cultura nacional diversificada e rica. Portanto, com todas as condições objetivas para a construção da sociedade socialista.

1. Traços essenciais da formação sócio-econômica brasileira

Para compreendermos os fundamentos constitutivos da sociedade brasileira e as perspectivas do socialismo no Brasil, é necessário estudarmos as características fundamentais da nossa história e os traços específicos da formação sócio-econômica do País. Essa reflexão nos permite entender o momento histórico, a economia e a dinâmica atual em que se movem as classes sociais, seus interesses econômicos e políticos, as tradições, as marcas e os vícios do passado, bem como as vertentes complexas do presente. Somente com este diagnóstico baseado na análise concreta da realidade concreta, poderemos traçar as possibilidades de transformação futura de uma sociedade dinâmica e mutante como a brasileira.

O Brasil pode ser considerado um caso singular no desenvolvimento do capitalismo mundial, uma vez que, até o início dos anos 30 do século passado, era um País agrário-exportador, com uma economia que se estruturava a partir da exportação de uma mercadoria especial, o café. Iniciou sua revolução burguesa cerca de 300 anos após a revolução na Inglaterra, cerca de dois séculos depois a revolução industrial e um século após a formação do capitalismo monopolista nos países centrais. Em outras palavras, até a terceira década do século passado o Brasil era uma nação economicamente agrária, com mais de quatro séculos de atraso econômico, político e social.

Outra particularidade do desenvolvimento sócio-econômico brasileiro é o fato de que, após 1930 e, especialmente, nos anos 50, 60 e 70, o País realizou um processo de construção industrial em marcha forçada e em tempo recorde, processo que transformou o Brasil numa nação industrial, com um parque produtivo diversificado e integrado, elevado índice de urbanização, concentração operária em grandes unidades fabris, além do fato de que o capitalismo hegemonizou as relações no campo e subordinou as pequenas economias rurais às relações capitalistas de produção, muito embora esse desenvolvimento tenha sido realizado com dramática concentração da renda [NR] e desigualdade social.

O longo atraso sócio-econômico formou uma classe dominante autoritária, arrogante e viciada na impunidade, fruto de cerca de três séculos de escravidão, o que pode ser expresso no fato de que esses setores sempre procuraram afastar as classes populares das decisões econômicas e políticas do País. As classes dominantes também se formaram num processo de dependência aos circuitos do capitalismo internacional. Primeiro, ao colonialismo de Portugal, depois ao imperialismo inglês e atualmente ao norte-americano, o que marcou de maneira profunda a subordinação desses setores aos centros capitalistas mundiais, quer como associados, quer operando em torno de seus interesses.

1.1 A formação econômica e política

Como todos os países da América Latina, o Brasil teve um passado colonial que deixou marcas profundas na sociedade brasileira. Mesmo que produção estivesse integrada ao circuito internacional do capital mercantil, a economia brasileira nos três séculos de colonização funcionou como espaço de apropriação de recursos naturais e financeiros para a Metrópole portuguesa e, desta, para a Inglaterra. A produção interna era vigiada e controlada pela Coroa, os portugueses monopolizavam o comércio, o País ainda estava proibido de construir manufatura em qualquer região e o trabalho era baseado na mão-de-obra escrava. Como colônia de exploração , não interessava a Portugal a construção de uma economia interna, pois isso poderia representar no futuro a contestação à dominação colonial. [2]

Após a independência, em 1822, até a proclamação da República, em 1889, o País foi governado por uma monarquia absolutista e escravocrata, que manteve o País no atraso e na dependência. Os proprietários rurais eram a base de sustentação do regime, tanto que o Brasil foi o último País a institucionalizar a libertação dos escravos. A emergência da República, apesar de significar um avanço político em relação à velha monarquia, representou um novo pacto das elites agrárias do Rio de Janeiro e de São Paulo com o capital inglês, o que deu continuidade a uma economia agrário-exportadora, agora dependente das exportações de café, fato que contribui para bloquear por mais quase meio século as possibilidades de industrialização do Brasil. [3]

Quando o movimento abolicionista já estava às portas da vitória e os escravos fugiam das fazendas sem que os latifundiários tivessem condições de reprimi-los, a princesa Isabel, filha do imperador, resolveu decretar a libertação dos escravos (Lei Áurea, de 1888), bloqueando assim um movimento popular que poderia não só derrubar a ordem escravocrata mas, principalmente, contestar a estrutura fundiária do País. A proclamação da República pelo comandante do Exército, Marechal Deodoro da Fonseca, até anteriormente um velho monarquista, também representou uma antecipação ao movimento popular republicano e abriu espaço para que as classes dominantes mantivessem o País no atraso econômico e social.

A possibilidade de uma mudança estratégica nos rumos da sociedade brasileira só veio a ocorrer com a crise de 1929 e, posteriormente, com a revolução de 1930, a partir da qual os setores agro-exportadores foram subordinados e iniciou-se efetivamente uma política de Estado no sentido da construção da indústria nacional. Mesmo assim, a revolução de 1930 não realizou a fundo as tarefas clássicas da revolução burguesa, uma vez que conciliou com a velha ordem ao deixar intocadas as terras dos latifundiários. Essa debilidade fez com que, até hoje, a sociedade brasileira continue pagando um enorme tributo, em termos de desigualdade social e miséria nas grandes cidades e no campo, em função da ausência da reforma agrária.

Além disso, outro fator que viria marcar a formação econômica brasileira é o fato de que a construção industrial foi realizada quando o capitalismo mundial já estava na fase monopolista, o que dificultou a formação de uma burguesia com interesse em um projeto nacional, quer em função da conjuntura internacional, quer pelo fato de que o processo de acumulação interno estava muito aquém das possibilidades financeiras de construção de monopólios nacionais para rivalizar com os grandes conglomerados das economias centrais.

Quando foi realizada a industrialização efetiva, com o Plano de Metas, na segunda metade da década de 50, os monopólios dos países centrais já iniciavam o processo de internacional da produção e das finanças. Sendo assim, dado o papel de liderança das transnacionais na industrialização brasileira, grande parte da burguesia nacional já emergiu subordinada aos centros internacionais do capital e passou a orbitar em torno da lógica do grande capital internacional. [4]

Entretanto, os três primeiros anos da década de 60, marcados por grande politização dos setores populares e intensificação da luta política e social nas cidades e no campo, abriram possibilidades para a construção de um projeto econômico e social onde os setores populares pudessem influir de maneira efetiva. Nesse período, estavam em disputa dois projetos que buscavam reorientar os rumos da economia e da sociedade brasileira – as Reformas de Base e o projeto dos setores ligados ao capital internacional. [5] O projeto das reformas de base visava um desenvolvimento econômico com elevado grau de autonomia e reformas sociais, enquanto o outro projeto estava ligado aos circuitos do capital internacional e a disciplina dos movimentos sociais.

Como as Reformas de Base eram apoiadas pelos setores populares, partidos políticos ligados à pequena burguesia, ao trabalhismo e a alguns setores da burguesia nacional, além do fato de que o governo João Goulart apoiava essas reformas, muitos setores políticos, especialmente o Partido Comunista Brasileiro (PCB), principal organização política de esquerda na época, acreditavam que era possível uma frente única (proletariado, setores médios, camponeses e burguesia nacional), onde a burguesia nacional teria um papel protagonista, em função de suas contradições com o imperialismo, como se afirmava na época. Só numa etapa posterior, quando estivessem removidas as causas que mantinham o País no atraso, é que se abririam os caminhos para a revolução socialista, como assinalava a Declaração de Março de 1958, do PCB: [6]

“A sociedade brasileira está submetida, na etapa atual de sua história, a duas contradições fundamentais. A primeira é a contradição entre nação e o imperialismo norte-americano e seus agentes internos. A segunda é a contradição entre as forças produtivas em desenvolvimento e as relações de produção semi-feudais na agricultura. A sociedade brasileira encerra também uma contradição entre proletariado e a burguesia … mas esta contradição não exige uma solução radical na etapa atual. Nas condições presentes de nosso País, o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo. A revolução no Brasil, por conseguinte, não é ainda socialista, mas anti-imperialista, anti-feudal, nacional e democrática” [7]

Esta etapa da revolução prepararia o terreno para as mudanças mais profundas, quando então o proletariado, mais fortalecido e organizado, passaria a hegemonizar o processo revolucionário e iniciaria a de transição para o socialismo: “A solução completa dos problemas que ela apresenta (a revolução, EC) deve levar à inteira libertação econômica e política da dependência para com o imperialismo norte-americano; à transformação radical da estrutura agrária, com a liquidação do monopólio da terra e das relações pré-capitalistas de trabalho; ao desenvolvimento independente e progressista da economia nacional e à democratização radical da vida política. Estas transformações removerão as causas profundas do atraso de nosso povo e criarão, com o poder das forças anti-imperialistas e anti-feudais, sob a direção do proletariado, as condições para a transição ao socialismo, objetivo não imediato, mas final, da classe operária brasileira”. [8]

O desfecho desse processo foi o golpe militar de 1964, que veio sepultar as últimas ilusões sobre o papel progressista da burguesia nacional, uma vez que a maioria absoluta dessa classe apoiou o golpe. Ao longo dos 21 anos de ditadura (1964-1985), o governo militar construiu um modelo econômico antinacional e antipopular, com a ampliação do domínio do capital estrangeiro nos setores dinâmicos da economia; implantou um arrocho salarial permanente que transformou o País numa economia de baixos salários. Em contrapartida, consolidou um setor estatal que cumpriu o papel de linha auxiliar do processo de acumulação dos grandes grupos econômicos. Ao final da ditadura, em função das dificuldades econômicas e políticas, o governo militar ainda deixou como herança os acordos com o Fundo Monetário Internacional, processo que levou à desorganização da economia brasileira e ao ciclo de duas décadas perdidas.

O fim do governo militar e o processo de transição democrática não foram capazes de desmontar a estrutura construída pela ditadura. Pelo contrário, com a vitória de Fernando Collor, em 1989, o Brasil ingressaria nos anos 90 inteiramente alinhado ao projeto neoliberal. No período de dois anos que durou seu breve mandato, realizou-se severos cortes nos gastos públicos, demissão de funcionários públicos, redução dos salários, privatizações de várias empresas estatais, desregulamentação, abertura da economia para o exterior e ofensiva contra direitos e garantias dos trabalhadores.

No entanto, a corrupção generalizada levou ao impeachment de Collor e, em seguida, à implantação do Plano Real e, posteriormente, eleição de Fernando Henrique Cardoso à presidência da Republica, em 1994. Esse governo aprofundou de maneira radical a política neoliberal no Brasil: privatizou a absoluta maioria dos setores sob controle do Estado, como energia elétrica, a siderurgia, as telecomunicações, o setor ferroviário, a mineração, os bancos estaduais, entre outros. Reformou a Constituição para favorecer o capital internacional, realizou a reforma da previdência, ampliou o arrocho salarial e a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores. [9]

O governo FHC significou não apenas a privatização generalizada da economia brasileira, por grandes grupos nacionais e internacionais, como também uma mudança de qualidade no processo de acumulação no País, marcada pelo estreitamento das relações entre o capital financeiro internacional e a burguesia associada brasileira. O governo FHC articulou um projeto que colocou os interesses do capital financeiro como norteador de sua política econômica, unificou a burguesia associada, disciplinou eventuais setores industriais prejudicados com a nova ordem, sucateou a infraestrutura e os equipamentos sociais e fragilizou o poder regulador do Estado. “Para os formuladores dessa nova política não era mais necessário o velho Estado Nacional para organizar seus interesses: isso seria feito a partir do mercado e da economia globalizada”. [10]

Essa política econômica viria sepultar as possibilidades de um papel protagonista da chamada burguesia nacional em qualquer processo de transformação social e política no Brasil, tanto porque a grande maioria do setor estatal da economia foi entregue ao grande capital internacional e à burguesia associada, quanto porque o neoliberalismo reduziu severamente a participação do capital nacional na economia. Em função da abertura econômica e da valorização por longo período do Real , vários setores do capital nacional desapareceram ou ficaram muito fragilizados, como o setor de autopeças, brinquedos, eletroeletrônico, têxtil, entre outros, ou ainda se transformaram em rentistas ou comerciantes de produtos internacionais, quando venderam suas empresas ao capital estrangeiro.

1.2 A formação social

Do ponto de vista social, é importante também analisarmos os aspectos históricos que marcaram nossa formação para compreendermos a atual sociedade brasileira, as marcas permanentes que vinculam as classes dominantes à impunidade, ao racismo, ao desrespeito aos trabalhadores, à falta de democracia nas relações capital-trabalho e aos baixos salários que se pagam no Brasil, bem como às causas das debilidades organizativas e ideológicas dos trabalhadores. Temos no Brasil uma classe dominante obtusa, autoritária, viciada na baixa remuneração do trabalho e ao desrespeito aos direitos e garantias dos trabalhadores. Ao mesmo tempo deve-se registrar um baixo nível de sindicalização e organização dos trabalhadores e uma massa enorme de subempregados que ao longo de nossa história têm a sobrevivência como único horizonte de suas preocupações.

Durante todo o período colonial, tanto no ciclo da economia açucareira quanto no ciclo do ouro, todo o trabalho foi realizado com mão-de-obra escrava, capturada na África e trazida ao Brasil nos porões infectos dos navios negreiros, sendo que boa parte morria nesse percurso e tinham seus corpos lançados no Atlântico [11] . Os sobreviventes, ao chegarem ao Brasil, eram vendidos como animais de carga aos donos dos engenhos, das minas e das fazendas. Vivendo nas senzalas, trabalhando de sol a sol no plantio, colheita e moagem da cana-de-açúcar, nas minas de ouro ou nas fazendas de café, tratados brutalmente, surrados e seviciados pelas conveniências dos senhores escravagistas, seu tempo médio de vida útil era de cerca de 10 anos. Os senhores dispunham não apenas da força de trabalho, mas da própria vida dos escravos e não eram raras as mortes e assassinatos daqueles que se rebelavam nas fazendas.

Mesmo com a independência e a libertação dos escravos, as classes dominantes sempre encontraram uma maneira de disciplinar os trabalhadores e reprimir suas manifestações, tanto que até a década de 30 do século XX a questão social era tratada como caso de polícia. [12] No período da economia cafeeira, os proprietários rurais ainda conseguiram prolongar por cerca de meio século o trabalho escravo nas fazendas de café. As pequenas economias rurais, o artesanato e a mão-de-obra livre não puderam assim se desenvolver porque tanto a Metrópole no período colonial quanto os imperadores herdeiros da Coroa portuguesa não tinham interesse no desenvolvimento de uma economia industrial.

No período de transição da mão-de-obra escrava para o trabalho assalariado, as classes dominantes encontraram uma fórmula para obstruir a constituição de um mercado de trabalho livre, quando influenciaram o governo a subvencionar a imigração de europeus ao Brasil numa quantidade muito maior do que a necessário para as lavouras do café. [13] Com isso, formou-se um expressivo exército de reserva, o que possibilitou às classes dominantes da época pagar baixos salários aos trabalhadores livres. Não raro esses trabalhadores entravam em conflito com os barões do café que os queriam tratar com a truculência do período escravagista.

A revolução de 1930, apesar das conquistas sociais como o salário mínimo, as férias e descanso semanal remunerado, além de outros direitos, criou um sindicalismo vinculado ao Estado, no qual os sindicatos só poderiam funcionar se fossem aprovados pelo Ministério do Trabalho. Essa medida contribuiu para a formação dos sindicatos amarelos (no Brasil chamado de pelegos), atrelado ao governo e aos patrões e pouco dispostos à luta de classes. Esse tipo de sindicalismo criou raízes tão profundas que até hoje a maior parte do sindicalismo brasileiro pode ser considerado pelego.

A ditadura militar decretou um conjunto de medidas não apenas restritivas ao sindicalismo e aos direitos dos trabalhadores, mas principalmente o confisco permanente dos salários. Ainda nos anos de chumbo, o governo militar prendeu, torturou, perseguiu e assassinou dirigentes sindicais, realizou intervenções nos sindicatos e, na prática, proibiu o direito de greve, uma vez que a legislação era tão restritiva que inviabilizava qualquer movimento grevista. Isso sem levar em conta o fato de que organizar os trabalhadores, tanto nas empresas quanto nos sindicatos, significava um enorme risco de morte para os sindicalistas. Foi nesse ambiente que prosperou o sindicalismo amarelo, assistencialista, desligado das bases, o que contribuiu de maneira definitiva para que a ditadura militar instituísse reajustes salariais abaixo da inflação, cujo resultado foi a consolidação de uma economia de baixos salários e a brutal concentração de renda [NR]   [14] no País.

Outro aspecto peculiar das classes dominantes brasileiras, que marca seu profundo autoritarismo, é o fato de que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi obrigado a atuar na ilegalidade por cerca de 62 anos, tanto nos período de ditadura quanto nos governos civis. Fundado em 1922, logo depois passaria a atuar na clandestinidade e somente nos anos de 1946 e parte de 1947 pode atuar legalmente. Em 1947 foi colocado novamente na ilegalidade, seus parlamentares perderam o mandato em todo o País, e só veio a conquistar existência legal novamente em 1986, com a redemocratização. Como os comunistas são os principais interessados na organização e educação dos trabalhadores, a existência ilegal do PCB dificultou a formação da consciência de classe dos trabalhadores no Brasil, contribuindo assim para o atraso ideológico e organizativo ainda hoje existentes.

Essa conjuntura se tornou mais complexa com a implementação do neoliberalismo e da reestruturação produtiva nos anos 90 no Brasil. Como ocorreu no mundo inteiro, o neoliberalismo, do ponto de vista social, significou uma vingança de classe da burguesia contra os trabalhadores. Sem a âncora soviética, o capital se sentiu à vontade para avançar sobre direitos e garantias dos trabalhadores, reduzir salários e pensões e praticar uma ofensiva contra as liberdades sindicais.

Os empresários passaram a reduzir os salários, desestimular abertamente a organização dos trabalhadores nos sindicatos e praticar generalizadamente a cooptação de dirigentes sindicais. Os meios de comunicação completaram esse processo semeando a confusão ideológica, incentivando abertamente o individualismo e a possibilidade quimérica dos trabalhadores terem no capitalismo a oportunidade de montar o seu próprio negócio e, para disfarçar o assalariamento e as contradições de classes, os trabalhadores passaram a ser tratados como “colaboradores” e não mais empregados, tudo isso como o objetivo de camuflar o assalariamento, a exploração e as contradições de classe.

Outra característica das classes dominantes brasileiras é seu apego ao patrimonialismo. Mesmo com o desenvolvimento do capitalismo e a constituição de monopólios em praticamente todos os setores da economia, parcela expressiva dos grupos econômicos brasileiros ainda possui controle familiar. O Votorantim, por exemplo, maior grupo privado brasileiro, pertence apenas a uma família, os Ermírios de Moraes. Mas isso não é exceção. Se observarmos os principais grupos privados, poderemos constatar o quanto os grupos familiares ainda controlam o grande capital no País. [15]

Em outras palavras, esse conjunto de fatores econômicos e sociais, que se acumulam desde o período colonial, deixou marcas profundas nas classes dominantes brasileiras. Trata-se de um bloco social que se formou viciado na impunidade e na prática de afastar o povo das decisões econômicas e políticas. Essas classes também ganharam enorme experiência em realizar acordos por cima (pacto das elites) como forma de se antecipar às rupturas sociais e econômicas. Foi assim na época da independência, quando o imperador que aqui ficara em substituição ao monarca-pai que voltara a Portugal, proclamou a independência, antecipando-se ao movimento nativista. Assim também ocorreu com a libertação dos escravos, a proclamação da República, revolução de 1930 e com o processo de redemocratização na segunda metade da década de 80 do século passado.

Em função dessas características, as classes dominantes brasileiras, que já orbitavam sob a lógica do grande capital internacional, quer associadas, quer ligadas aos fluxos de comércio e das finanças internacionais, perderam completamente a possibilidade realizar sequer as reformas que já foram realizadas por seus congêneres em outras partes do mundo. Copiam como papagaios os valores dos países centrais e parcela significativa se envergonha até de sua condição de brasileiro; preferiam ter nascido nos Estados Unidos ou Europa. Apavoradas com qualquer possibilidade de mudanças no Brasil, guardam parcela expressiva de seus recursos financeiros nos paraísos fiscais espalhados pelo mundo a fora. Portanto, não têm condições de cumprir nenhum papel nem contra o imperialismo e muito menos nas futuras transformações econômicas e políticas que o País necessita.

2. As décadas de 80 e 90 e as mudanças estruturais

Ao longo dos anos 30 até o início de 1980 o Brasil teve um longo ciclo de crescimento econômico, com taxas superiores ao desempenho da maioria dos países capitalistas. Para se ter uma ideia do dinamismo da economia brasileira, nesse período de meio século as taxas de crescimento anuais médias do PIB registraram índice de cerca de 6%. [16] Se levarmos em conta que em 1929 registrava-se o início do processo da grande depressão mundial e, no Brasil, em 1930 iniciava-se a revolução burguesa tenentista e, posteriormente, a Segunda Guerra Mundial, portanto um período de grande turbulência econômica, a economia brasileira foi marcada por um longo período de crescimento econômico continuado. Essa dinâmica pode ser melhor observada a partir de meados dos anos 40. Por exemplo, entre 1947, quando foram efetivamente iniciadas as aferições estatísticas no País, pela Fundação Getúlio Vargas, e 1980, quando se encerrou o longo ciclo sócio-econômico iniciado em 1930, poderemos constatar que a economia brasileira teve um crescimento médio acima de 7% ao ano.

Tratou-se, portanto, de um Kondratiev inteiro de crescimento econômico, mas essa performance seria truncada bruscamente nos anos 80 e 90, quando a economia marcou uma trajetória completamente diferente, com a regressão de todos os indicadores econômicos e sociais. Observou-se nos anos 80 e 90 uma queda impressionante no Produto Interno Bruto (que registrou um crescimento anual médio nestas duas décadas de apenas 2,5%), aumento do desemprego, redução nos rendimentos dos trabalhadores e flexibilização de seus direitos, elevada concentração de renda [NR] e uma queda visível no padrão de vida da população, além da privatização de maior parte do patrimônio público. O processo de estagnação econômica destas duas décadas perdidas foi um período atípico na economia brasileira moderna e só pode ter ocorrido em função de circunstâncias muito especiais, grande parte delas ligadas às relações de subordinação da economia brasileira às economias centrais, além dos percalços da própria dinâmica do modelo econômico brasileiro.

2.1 Os anos 80, recessão e desorganização da economia

O final dos 70 e início dos anos 80 foi marcado por grave crise econômica, em função da dívida externa. Com o aumento brusco da taxa de juros nos Estados Unidos e a redução dos refinanciamentos por parte dos credores internacionais, a economia brasileira entrou em colapso, tendo em vista a incapacidade do País de pagar ao serviço da dívida nas novas condições da conjuntura internacional. [17] A situação se tornou tão grave que foi necessário um empréstimo ponte do governo dos Estados Unidos para o Brasil não quebrar. Diante dessa situação, ainda sob o jugo da ditadura militar, o governo realizou um programa de ajustes predatórios, sob orientação do Fundo Monetário Internacional, que desorganizou a estrutura econômica do País, iniciando assim a mais grave crise continuada da história contemporânea do País.

Entre as principais medidas implantadas pela ortodoxia monetarista constavam a desvalorização da moeda e fortes estímulos à exportação, o corte nos gastos e investimentos públicos, o aumento das taxas de juros e a contração do crédito e um violento arrocho salarial. Essas medidas visavam redirecionar a economia para o mercado externo, de forma a gerar superávits comerciais, com os quais o País deveria pagar os serviços da dívida externa. O resultado dessa política foi a maior recessão da história econômica brasileira, a retração do mercado interno e a regressão de todos os indicadores econômicos e sociais.

A violenta recessão pode ser visualizada no crescimento médio anual negativo do PIB de –2,1% entre 1981 e 1983 (-4,3, em 1981; 0,8% em 1982; e -2,9%, em 1983) um aumento acentuado do desemprego, queda nos rendimentos dos salários e ampliação da barbárie social. Nos outros anos da década de 80 os resultados não foram melhores. Mesmo levando em conta que na segunda metade dos anos 80 (1986 e 1987) foi implantado um plano de estabilização (Cruzado) que retomou por dois anos as taxas de crescimento históricas do País, o crescimento médio anual do PIB da década foi de apenas 1,7%, cerca de quatro vezes menor que a média do pós-guerra, um desempenho medíocre que inverteu uma longa trajetória histórica de crescimento desde a década de 30. (tabela 1).

Tabela 1- PIB a preços de mercado e PIB per capita, 1981 – 1990

Ano A preços de 2011
(R$ milhões)
Variação real
(%)
Deflator implícito
(%)
A preços correntes
(US$ milhões)
População
(milhões)
PIB per capita
A preços de 2011
(R$)
Variação real
(%)
A preços correntes
(US$)
1981 1.802.452 -4,3 100,5 258.553 121.213 14.870 -6,3 2.133
1982 1.817.412 0,8 101,0 271.252 123.885 14.670 -1,3 2.190
1983 1.764.162 -2,9 131,5 189.459 126.573 13.938 -5,0 1.497
1984 1.859.427 5,4 201,7 189.744 129.273 14.384 3,2 1.468
1985 2.005.373 7,8 248,5 211.092 131.978 15.195 5,6 1.599
1986 2.155.576 7,5 149,2 257.812 134.653 16.008 5,4 1.915
1987 2.231.668 3,5 206,2 282.357 137.268 16.258 1,6 2.057
1988 2.230.329 -0,1 628,0 305.707 139.819 15.952 -1,9 2.186
1989 2.300.807 3,2 1.304,4 415.916 142.307 16.168 1,4 2.923
1990 2.200.722 -4,3 2.737,0 469.318 146.593 15.013 -7,1 3.202

Fonte: Banco Central, Relatório Anual, 2011.

Enquanto a economia permanecia estagnada, as exportações cresciam de maneira extraordinária, chegando a fechar a década com superávits comerciais superiores a US$ 10 mil milhões na média anual entre 1983 e 1990 (Tabela 2). Esse fenômeno se explica pelo fato de que os cortes nos gastos e investimentos públicos, o aumento das taxas de juros e a redução do poder de compra dos salários reduziram o mercado interno, o que forçou as empresas a compensarem a queda no consumo nacional mediante as vendas externas, fato que foi estimulado pelas políticas governamentais de incentivo às exportações, como a desvalorização da moeda e os créditos-prêmio aos exportadores. Com os superávits comerciais, o governo passou a ter condições de pagar os compromissos da dívida externa. Ou seja, o ajuste predatório da economia brasileira na década de 80 foi feito única e exclusivamente para satisfazer os interesses dos banqueiros internacionais, credores do Brasil.

Tabela 2- Exportações brasileiras, 1980 – 1990

Ano Exportações (FOB) Importações (FOB) Saldo Comercial
1980 20.132,4 22.955,2 -2.822,8
1981 23.293,0 22.090,6 1.202,4
1982 20.175,1 19.395,0 780,1
1983 21.899,3 15.428,9 6.470,4
1984 27.005,3 13.915,8 13.089,5
1985 25.639,0 13.153,5 12.485,5
1986 22.348,6 14.044,3 8.304,3
1987 26.223,9 15.051,9 11.172,0
1988 33.789,4 14.605,3 19.184,1
1989 34.383,0 18.263,0 16.120,0
1990 31.413,8 20.661,0 10.752,8

Fonte: IBGE

2.2 Os anos 90 e o neoliberalismo

Se a crise dos anos 80 foi grave, os anos 90 vêm marcar não só a continuidade da estagnação econômica, mas especialmente uma mudança de qualidade no processo de acumulação do Brasil. Nos anos 90 construiu-se uma nova forma de relacionamento entre o grande capital internacional, a grande burguesia associada, especialmente as frações ligadas à órbita financeira e vinculadas ao bloco no governo, e o próprio Estado brasileiro. Influenciados pelo Consenso de Washington e buscando recuperar o tempo perdido em função da impossibilidade de implantar plenamente os ajustes neoliberais na década de 80, [18] os dois governos da década de 90 (Collor e FHC) realizaram a fórceps, em tempo recorde e de maneira radical, a agenda neoliberal no Brasil.

As modificações profundas ocorridas na economia brasileira nos anos 90 estavam em sintonia com as mudanças que também aconteciam no plano internacional, uma vez que, a partir dos governos Reagan e Tatcher, consolidou-se nos países centrais o poder dos setores do grande capital mais ligadas ao capital especulativo. De forma semelhante, também houve no Brasil uma recomposição entre as classes dominantes, cujas frações ligadas ao capital financeiro e articuladas com a nova política do Estado, não apenas amealharam as principais empresas públicas, como subordinaram os outros blocos de capitais à política neoliberal.

As medidas neoliberais começaram a ser implementadas a partir de 1990, com o governo Collor, que iniciou a abertura da economia brasileira ao exterior, fez a reforma administrativa, extinguiu vários órgãos públicos e demitiu funcionários, privatizou várias empresas estatais e avançou contra direitos e garantias dos trabalhadores. [19] No entanto, a corrupção generalizada daquele governo fez com que a opinião pública se mobilizasse e, numa campanha de massas histórica, conseguisse o impeachment do presidente, um fato sem precedentes na história do País. Collor foi substituído por Itamar Franco, que deu continuidade de maneira meio envergonhada, em função de seu passado nacionalista, à política neoliberal.

Mas os ajustes neoliberais propriamente ditos foram realizados de maneira plena a partir da implantação do Plano Real e da eleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 1994. O Plano Real conseguiu deter a inflação, estabilizar a economia e fortalecer a moeda nacional numa paridade igual ao dólar, o que possibilitou ao governo enorme popularidade. Com o respaldo popular e apoio maciço da mídia nacional e internacional, o governo FHC reuniu as condições suficientes para realizar as reformas neoliberais e articular um projeto que unificou a burguesia associada, disciplinou eventuais setores prejudicados com a nova ordem e derrotou a resistência dos trabalhadores [20] e de vários setores da sociedade contrários a essa agenda.

Os dois mandatos de FHC representaram uma mudança radical na economia do País: o governo reformou a Constituição para ajustá-la à nova ordem neoliberal e favorecer ao capital estrangeiro; aprofundou a abertura da economia ao exterior; impôs a Lei de responsabilidade Fiscal, pela qual os governo só poderiam gastar até 60% do orçamento com pagamento de pessoal; o regime de metas de inflação e superavit primário, câmbio flutuante, aumento das taxas de juros e independência do Banco Central, com o objetivo de privilegiar o capital financeiro; retirou os entraves à mobilidade de capitais oriundos do exterior; realizou a reforma administrativa, que cortou direitos e garantias dos trabalhadores; a reforma da previdência, que ampliou o tempo de trabalho para a aposentadoria e reduziu os benefícios; flexibilizou as leis trabalhistas e realizou uma cruzada contra os salários dos trabalhadores.

Um destaque especial deve ser dedicado à política de privatizações: o governo FHC privatizou todo o setor siderúrgico, o setor petroquímco, as telecomunicações, o setor elétrico, setor de fertilizantes, a marinha mercante, o setor ferroviário, os bancos estaduais, quebrou o monopólio estatal do petróleo, envolvendo as principais empresas públicas brasileiras, dentre elas as empresas-símbolos do processo de industrialização brasileiro. [21] O processo de privatização foi uma espécie de operação selvagem: realizado em meio a comprovadas denúncias de corrupção entre compradores e vendedores, os preços das empresas foram subavaliados por consultorias internacionais, o BNDEs (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, um banco estatal) financiou parcela expressiva das privatizações e os compradores ainda puderam pagar parte da dívida com moedas podres (títulos depreciados no mercado, mas que entravam no pagamento com valor de face).

O resultado dos oito anos de governo neoliberal foi a continuidade da estagnação econômica do País, com o Produto Interno Bruto registrando um crescimento médio anual de apenas 2,5% (Tabela 3), um aumento do desemprego a patamares próximos a 20% da população nas regiões metropolitanas, concentração da renda e profunda queda no padrão de vida da população. Como herança ainda do Plano real, em função da abertura econômica, vários setores industriais desapareceram ou ficaram bastante fragilizados, como autopeças, brinquedos, calçados, têxtil, eletro-eletrônico, entre outros. A endividamento público do Estado aumentou de R$ 62,5 mil milhões em 1994 para R$ 881 mil milhões em 2002, último do governo FHC.

Tabela 3- PIB a preços de mercado e PIB per capita, 1991 – 2002

Ano A preços de 2011
(R$ milhões)
Variação real
(%)
Deflator implícito
(%)
A preços correntes
(US$ milhões)
População
(milhões)
PIB per capita
A preços de 2011
(R$)
Variação real
(%)
A preços correntes
(US$)
1991 2.223.389 1,0 416,7 405.679 149.094 14.913 -0,7 2.721
1992 2.211.303 -0,5 969,0 387.295 151.547 14.592 -2,2 2.556
1993 2.320.205 4,9 1.996,1 429.685 153.986 15.068 3,3 2.790
1994 2.456.003 5,9 2.240,2 543.087 156.431 15.700 4,2 3.472
1995 2.559.740 4,2 93,9 770.350 158.875 16.112 2,6 4.849
1996 2.614.787 2,2 17,1 840.268 161.323 16.208 0,6 5.209
1997 2.703.044 3,4 7,6 871.274 163.780 16.504 1,8 5.320
1998 2.703.999 0,0 4,2 843.985 166.252 16.264 -1,5 5.077
1999 2.710.870 0,3 8,5 586.777 168.754 16.064 -1,2 3.477
2000 2.827.605 4,3 6,2 644.984 171.280 16.509 2,8 3.766
2001 2.864.735 1,3 9,0 553.771 173.808 16.482 -0,2 3.186
2002 2.940.882 2,7 10,6 504.359 176.304 16.681 1,2 2.861

Fonte: Banco Central. Relatório anual, 2011

Em resumo, as duas décadas de estagnação representaram enorme regressão econômica e social e bloqueram uma trajetória histórica de crescimento econômico que vinha se realizando desde os anos 30, isso no momento em que a economia mundial implantava novos ramos industriais que viriam a comandar a dinâmica da indústria internacional, como a microeletrônica, a engenharia genética e biotecnologia, as tecnologias da informação, a robótica, a utilização de novos materiais, a nanotecnologia. Foram severas perdas estratégicas para uma nação que iniciara tardiamente seu processo de industrialização. Estudo que realizamos sobre o período demonstra que, caso o Brasil tivesse continuado a crescer a taxas médias anuais de 7% ao ano, como ocorreu do pós-guerra até 1980, o Produto Interno Bruto do País e a renda [NR] per capita teriam registrado crescimento de cerca de três vezes mais que o PIB de 2002 (Tabela 4).

2.3 Lula e a consolidação dos grandes grupos econômicos

O início do século XXI colocaria novamente para a sociedade brasileira uma disjuntiva sócio-econômica: continuar a ortodoxia das duas últimas décadas ou buscar alternativas para o modelo econômico. Estas duas opções se expressaram nas candidaturas de Luis Inácio Lula da Silva, pelo Partido dos Trabalhadores e José Serra, pelo PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira). Majoritariamente, a sociedade brasileira optou por um novo rumo no modelo econômico, com a eleição de Lula. Pela primeira vez na história brasileira um operário iria assumir a presidência da República.

No entanto, quem esperava as mudanças há muito reivindicadas pela sociedade e pelos trabalhadores deve ter ficado bastante frustrado, pois o antigo operário, nos dois mandatos em que exerceu a presidência, manteve na essência o modelo neoliberal na economia e fortaleceu e consolidou os grandes grupos econômicos, mediante um processo de fusões e aquisições articuladas e financiadas pelo Estado. Como contraponto residual à governança para o grande capital, Lula desenvolveu políticas de retomada do crescimento econômico, o que incorporou ao emprego formal expressivo contingente de trabalhores, aumentou o salário mínimo e realizou um conjunto de políticas compensatórias, focadas na pobreza extrema.

A mudança estratégica no programa do Partido dos Trabalhadores (PT) fora se gestando lentamente à medida que o PT ia galgando postos na institucionalidade e se consolidou às vésperas das eleições de 2002, quando Lula divulgou a Carta ao Povo Brasileiro, na qual se comprometia a respeitar os contratos e manter a estabilidade econômica, “hoje um patrimônio de todos os brasileiros”; as contas públicas sob controle; e “preservar o superávit primário o quanto for necessário”. [22] Ao mesmo tempo em que procurava acalmar o mercado (o grande capital), o texto já prenunciava a nova política que deveria ser implementada no governo, muito diferente das bandeiras históricas do Partido dos Trabalhadores.

Ao longo do primeiro mandato, Lula não só manteve a política neoliberal, como as metas de inflação, câmbio flutuante, elevadas taxas de juros, autonomia operacional do Banco Central, como ampliou ainda mais o superávit primário de 3,83% do PIB para 4,84%, [23] para surpresa até mesmo do mercado financeiro, como renovou por mais dois anos os acordos com o Fundo Monetário Internacional. [24] Realizou ainda a reforma da previdência, que aumentou ou o tempo de trabalho para que os trabalhadores pudessem se aposentar, instituiu o fator previdenciário, [25] reduziu os benefícios dos aposentados e aprovou a Lei das Falências, que inverte as prioridade de pagamentos das massas falidas – agora a prioridade é o pagamento das dívidas ao sistema bancário, em detrimento do pagamento aos trabalhadores, ao contrário do que ocorria antes.

Mesmo mantendo o núcleo duro das medidas neoliberais, Lula iniciou também um movimento visando reorientar a economia no sentido do crescimento econômico, de forma a incorporar as frações a burguesia industrial que foram alijadas das decisões econômicas e políticas no governo anterior. Mesmo que ainda tenha existido alguns resquícios secundários de privatições, como um banco estadual que sobrara do governo FHC, concessões de rodovias, além das parcerias público-privadas, as privatizações selvagens do governo anterior foram contidas. Além disso, o governo desenvolveu uma política externa mais autônoma que possibilitou a prospecção de novos espaços para atuação de grandes grupos econômicos brasileiros no exterior, especialmente nas franjas da periferia, como América Latina, Oriente Médio e África, muito embora tenha enviado tropas ao Haiti na vã esperança de ganhar a simpatia dos EUA e uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Além disso, contribuiu para o processo de integração da América Latina, com a formação da Unasul (União das Nações Sulamericnas), fortalecimento do Mercosul, com a entrada da Venezuela, além da consolidação do G-20, como contraposição ao antigo G-7.

Ainda no primeiro mandato começou-se a verificar uma silenciosa mas importante mudança na correlação de forças no interior do bloco hegemônico, o que se consolidou no segundo mandato: o setor produtivo da economia passou a exercer maior influência na construção da política industrial do País. Essa mudança foi marcada por uma nova política de Estado no sentido de estabelecer uma parceria conflitiva entre os várias frações das classes dominantes, com um aumento expressivo da participação dos grandes grupos do setor produtivo industrial e do agro-negócio nas decisões econômicas do governo, muito embora o setor financeiro tivesse continuado a obter ainda lucros extraordinários e com largas parcelas de poder na formulação das políticas econômicas, especialmente no Banco Central.

Mediante uma política de financiamentos e aporte de capitais através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da utilização dos fundos de pensão paraestatais e das empresas públicas, o governo desenvolveu uma agressiva ação no sentido de coordenar, financiar, articular e reunir condições para o fortalecimento dos grupos privados e estatais nacionais, de forma a constituir grandes players globais com capacidade de inserção na economia globalizada. Essa política envolveu um processo de concentração e centralização de capitais, mediante fusões e aquisições entre as empresas de capital majoritariamente nacional, visando criar as chamadas “campeãs nacionais” (Tbela 5), o que foi conseguido em vários segmentos da economia, bem como a decisão das empresas estatais de comprar preferencialmente componentes e equipamentos de empresas nacionais.

Tabela 4- PIB real, PIB potencial, renda per capita e população, 1980-2002

Ano PIB a Preços de 2002 Variação real Crescimento acumulado 1980=100 Crescimento acumulado com 7% ao ano
1980=100
PIB Potencial com 7% anual PIB per capita a preços de 2002 Variação real População em milhões PIB per capita potencial
1980 845 387 100 100 845387 7 130 7 118,6 7128
1981 809 458 -4,3 95,7 107 904564 6 678 -6,3 121,2 7463
1982 816 176 0,8 96,47 114,49 967884 6 588 -1,3 123,9 7812
1983 792 262 -2,9 93,67 122,5 1035635 6 259 -5 126,6 8180
1984 835 045 5,4 98,73 131,08 1108130 6 460 3,2 129,3 8570
1985 900 587 7,8 106,43 140,26 1185699 6 824 5,6 132 8983
1986 968 041 7,5 114,41 150,07 1268698 7 189 5,4 134,7 9419
1987 1 002 213 3,5 118,41 160,58 1357507 7 301 1,6 137,3 9887
1988 1 001 612 -0,1 118,29 171,82 1452532 7 164 -1,9 139,8 10390
1989 1 033 263 3,2 122,08 183,85 1554210 7 261 1,4 142,3 10922
1990 988 316 -4,3 116,83 196,72 1663004 6 696 -7,8 147,6 11267
1991 998 495 1 118 210,49 1779414 6 660 -0,5 149,9 11871
1992 993 068 -0,5 117,41 225,22 1903973 6 524 -2 152,2 12510
1993 1 041 974 4,9 123,16 240,98 2037252 6 744 3,4 154,5 13186
1994 1 102 960 5,9 130,43 257,85 2179859 7 035 4,3 156,8 13902
1995 1 149 546 4,2 135,91 275,9 2332449 7 229 2,8 159 14669
1996 1 180 108 2,7 139,58 295,22 2495721 7 319 1,2 161,2 15482
1997 1 218 714 3,3 144,18 315,88 2670421 7 455 1,9 163,5 16333
1998 1 220 322 0,1 144,33 337,99 2857351 7 365 -1,2 165,7 17244
1999 1 229 907 0,8 145,48 361,65 3057365 7 325 -0,5 167,9 18209
2000 1 283 539 4,4 151,88 386,97 3271381 7 544 3 170,1 19232
2001 1 301 705 1,4 154,01 414,06 3500378 7 551 0,1 172,4 20304
2002 1 321 490 1,5 156,32 443,04 3745404 7 567 0,2 174,6 21451

Fonte: Banco Central. Projeções do autor

Tabela 5- Fusões e Aquisições no governo Lula, 2002-2010

2002 395
2003 337
2004 415
2005 389
2006 573
2007 721
2008 645
2009 643
2010 787

Fonte: PWC, Relatório Fusões e Aquisições. Dez. 2010

Também no segundo mandato o governo estimulou de maneira acentuada o processo de internacionalização de grandes grupos econômicos privados e estatais, com o objetivo de ocupar espaços nas áreas da periferia em que o Brasil mantém influência econômica e política. Esse conjunto de ações viria a se completar com uma política externa com certo grau de autonomia relativa nas relações internacionais, na qual o Itamaraty não só se distanciava dos aspectos mais duros da política norte-americana, mas principalmente buscava abrir espaço para negócios dos grupos brasileiros na América Latina, Oriente Médio e África. A política de concentração e centralização de capitais também se estendeu para o campo, onde o agronegócio ligado ao processamento industrial das matérias-primas e à produção de commodities passou a hegemonizar as relações econômicas no campo.

Essa política foi praticada em função da pressão dos grupos brasileiros diante da necessidade de sobrevivência num mundo globalizado e altamente competitivo. No entanto, produziu uma reestruturação quantitativa e qualitativa no capitalismo brasileiro em praticamente todos os ramos da economia, cujo resultado foi a formação de grandes conglomerados empresariais com atuação monopolista não apenas no mercado interno, mas também com presença forte em algumas áreas internacionais, formando assim as chamadas multinacionais verde-amarelas. [26] Ressalte-se ainda a elevada concentração e centralização de capitais no País: para se ter uma ideia do grau de concentração da economia brasileira basta dizer que o volume bruto de vendas dos 100 maiores grupos em 2010 foi de 56% do PIB, um percentual semelhante ao verificado nos países centrais.

Em outras palavras, o governo Lula, conscientemente, contribuiu para a mudança de qualidade do capitalismo brasileiro, com o fortalecimento dos grandes grupos econômicos industriais, financeiros e do agronegócio (o que vem sendo seguido pelo governo Dilma); procurou estabelecer um novo posicionamento do Brasil no cenário internacional para atuar nas novas áreas de influência e de representação internacional que possibilitasse ao Brasil ter voz nos principais centros de decisões dos organismos internacionais, como o G-20, Unasul, Mercosul. Para realizar esses objetivos, o governo desenvolveu uma estratégia forte no sentido de capacitar instituições, empresas e bancos do Estado para tornar realidade um novo papel do Brasil no cenário internacional.

3. O capitalismo monopolista atual

Em outros termos, as modificações profundas que ocorreram na sociedade brasileira nas últimas sete décadas mudaram profundamente o perfil sócio-econômico do País. O Brasil transitou em tempo recorde de uma nação agrário-exportadora para o capitalismo monopolista, onde os grandes conglomerados empresariais dominam praticamente todos os ramos da economia. Ocorreu nesse período uma migração extraordinária do campo para a cidade: em 1940 a maioria da população brasileira vivia no campo, enquanto atualmente 80% da população residem nas cidades. A classe operária e o proletariado em geral, que eram pouco expressivos nesse período, cresceram também de maneira extraordinária, concentrando-se nas grandes empresas da região Sudeste.

O Brasil possui hoje um parque industrial desenvolvido, e uma agricultura com elevado grau de inserção tecnológica. Possui ainda um setor de serviços moderno, tanto na área do comércio quanto das finanças; tem ainda uma vasta rede logística que corresponde às necessidades do processo do acumulação e uma estrutura de comunicação social (TV, rádio, internet, jornais, etc.) que cobre todo o território nacional. Mesmo manipulados diariamente pelas classes dominantes e a serviço de seus interesses, podem ser importantes ferramentas para a difusão da informação e do conhecimento voltado para os interesses populares, bem como para a propaganda revolucionária quando o País estiver sob o controle dos trabalhadores.

Com essas condições, a transição do sistema capitalista para o socialismo encontrará um País em plenas condições para construir a sociedade socialista desenvolvida a partir de bases que nenhuma outra nação que fez a revolução anteriormente possuía. Além de possuir meios de produção em condições de abastecer a sociedade de bens e serviços, o Brasil tem terra em abundância ainda inexplorada; sol o ano inteiro, que permite a produção de duas ou três safras anuais; água também em abundância; todas as matérias-primas necessária ao processo de produção, inclusive os metais raros utilizados nas tecnologias da informação e outros ramos produtivos sofisticados, e uma mão-de-obra jovem e disposta ao trabalho. É bem verdade que em todos os processos revolucionários há um período de transição entre a desagregação da velha ordem e construção da nova sociedade, onde ocorre certa desorganização da produção, reduzindo-se as possibilidades de utilização de todo o potencial do País. Mas tão logo os trabalhadores consolidem o poder, já encontram as bases materiais para a construção da nova sociedade socialista.

3.1 A base material ou as condições objetivas

Em termos práticos, é importante detalharmos mais precisamente as condições objetivas do capitalismo brasileiro para compreendermos o grau de desenvolvimento sócio-econômico que possibilitará a construção do socialismo desenvolvido. O Brasil alcançou um Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de US$ 2,4 milhões de milhões em 2010, desempenho que transformou o País na sexta maior economia do mundo. Há elevada integração entre a indústria de máquinas e equipamentos, a indústria intermediária e a indústria de bens de consumo. As relações capitalistas modernas consolidaram-se no campo, modernizando as grandes propriedades, que se especializaram na produção de commodities principalmente para o mercado externo. Hoje o Brasil produz 130 milhões de toneladas de grãos, tornando-se um dos maiores exportadores na área da agropecuária e possui ainda o maior rebanho bovino do mundo. Mesmo tendo sido realizada em marcha forçada, com a expulsão de milhares de camponeses de suas terras e destruição de grande parte da pequena propriedade isolada, hoje a agricultura brasileira está plenamente incorporada ao processo de desenvolvimento capitalista.

A maior parte da população brasileira (cerca de 80%) vive nas cidades, especialmente nas metrópoles e grandes aglomerações com mais de 100 mil habitantes, portanto com um grau de urbanização típico das sociedades industriais, muito embora os níveis de pobreza sejam bastante acentuados em função da perversa distribuição de renda. Para se ter uma ideia do grau de metropolização da sociedade brasileira basta dizer que as 20 maiores cidades brasileiras possuem uma população de cerca de 40 milhões de habitantes, cerca de um quinto da população nacional.

A classe operária brasileira é numerosa e concentrada, especialmente na região Sudeste e Sul, que reúne mais de 70% dos operários da indústria de transformação. Mas com o desenvolvimento do capitalismo nas duas últimas décadas hoje há vastos contingentes de operários fabris nas regiões Norte e Nordeste, em função do deslocamento de centenas de fábricas do Sudeste para essas regiões. Para uma população economicamente ativa de 92 milhões de pessoas, os trabalhadores ligados diretamente à produção (indústria e construção) somam 20,5 milhões. A esses trabalhadores podem ser adicionados aqueles que trabalham em atividades auxiliares à produção (transporte, armazenagem, comunicação), que são 4,4 milhões. Portanto, um proletariado do setor produtivo de cerca de 26 milhões de trabalhadores. (Tabela 6).

Do ponto de vista econômico, o capitalismo brasileiro atingiu elevado grau de monopolização. Para termos uma idéia da concentração do capital no País, basta analisar o perfil dos 100 maiores grupos que atuam internamente. Em 2010 esses grandes conglomerados obtiveram um faturamento bruto correspondente a cerca de 56% do PIB, ou seja, os 100 maiores grupos econômicos faturaram no ano analisado mais da metade de toda a economia brasileira. Se desagregarmos um pouco mais esta análise, veremos que os 20 maiores grupos tiveram um faturamento correspondente a 35% do PIB, enquanto os 10 maiores apresentaram um desempenho correspondente a cerca de um quarto do PIB, cerca de 25% no mesmo período. [27]

Tabela 6- Trabalhadores com 10 anos ou mais, por setor de atividade principal e grandes regiões, ocupados na semana de referência – 2009

Trabalho Principal Brasil (%) Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Agrícola 15 175 17 1 390 7 200 3 469 2 591 1 064
Indústria 13 598 14,7 792 2 277 6 941 2 759 829
Indústria de transformação 12 815 13,8 733 2 096 6 561 2 654 771
Construção 6 895 7,4 555 1 671 3 083 1 010 575
Transporte Armazenagem e Comunicação 4 438 4,8 293 894 2 256 687 306
Comércio e Reparação 16 484 17,8 1 318 4 151 7 077 2 647 1 292
Alojamento e Alimentação 3 623 3,9 289 889 1 700 472 274
Administração Pública 4 754 5,1 508 1 266 1 812 652 516
Educação, Saúde e Serviços Sociais 8 681 9,4 631 2 078 4 052 1 279 642
Serviços Domésticos 7 223 7,8 495 1 755 3 332 999 643
Outros Serviços Coletivos, Sociais e Pessoais 3 928 4,2 252 876 1 927 576 298
Outras Atividades 7 150 7,7 322 1 221 3 893 1 114 599
Atividades Mal Definidas 202 0,2 44 89 52 16 2
Total 92 689 100 6 889 24 367 39 592 14 802 7 040

Fonte: PNAD, 2011

Em outros termos, a performance dos grandes grupos econômicos demonstra o avançado estágio de concentração e centralização do capital a que chegou o capitalismo brasileiro, semelhante às economias dos países centrais. Além de concentrado, o capitalismo brasileiro é integrado nacionalmente, como a verticalização das cadeias produtivas (tanto na indústria quanto na agropecuária), com a vantagem ainda de o país possuir em seu subsolo a grande maioria das matérias primas necessárias ao processo de produção, especialmente aquelas oriundas das terras raras.

Outro dado importante a ser compreendido para aferir a maturidade do capitalismo brasileiro, é o fato de que a dinâmica da economia é puxada pelo setor industrial monopolizado. As vendas brutas dos grupos industriais que atuam no País representaram em 2010 cerca de 50% de faturamento bruto dos 100 maiores grupos. Mesmo que nos últimos anos a política neoliberal de favorecimento ao sistema financeiro tenha sido hegemônica e prejudicado o desenvolvimento industrial, o parque industrial brasileiro têm plenas condições de suprir as necessidades de toda população se construirmos um outro sistema social.

Tabela 7- PIB brasileiro e faturamento dos 100 maiores grupos em 2010

PIB em R$ milhões
(Preços de 2010)
(%)
Produto Interno Bruto (1) 3.674.964 100,00
Faturamento dos 100 maiores Grupos 2.056.126 55,95
   Indústria 1.024.876 27,89
   Finanças 483.578,90 13,16
   Serviços 398.100 10,83
   Comércio 149.570 4,07

Fonte: Grandes Grupos: Valor Econômico. Banco Central. Reltório anual, 2011. (1) Elaboração do autor

A agropecuária brasileira possui as distorções típicas de um capitalismo retardatário, mas hoje está plenamente integrada aos circuitos do capitalismo internacional. O Brasil é o maior produtor mundial de café, açúcar, suco de laranja, biodiesel, além de carne bovina e de frango, o que coloca o País entre os cinco maiores exportadores de alimentos do planeta. O agronegócio, organizado em grandes propriedades, responde pela grande maioria dessa produção, mas a agricultura familiar ainda é responsável pelo abastecimento de parcela expressiva dos produtos básicos, como arroz, feijão, mandioca e leite. As relações de produção no campo, apesar de ainda existirem traços arcaicos, como meieiros, arrendatários, parceiros, e trabalho semelhante ao de escravo em regiões isoladas, são hoje hegemonizadas pelo assalariamento agrícola, ressaltando-se que as pequenas propriedades, a agricultura familiar, os assentados e outras formas residuais de organização da produção estão subordinados à lógica das relações capitalistas e não têm condições de sobrevivência fora do circuito do mercado capitalista.

Do ponto de vista dos serviços, o País também reúne as condições de uma economia desenvolvida. Possui um sistema financeiro monopolista, onde os 10 principais grupos dominam os negócios financeiros, além do fato de que esse sistema possui capilaridade nacional. Trata-se de um sistema moderno, sofisticado, com elevado nível de automação bancária. No entanto, esse sistema, apesar de controlar as transações financeiras, não cumpre plenamente as funções de intermediação do financiamento para o setor industrial, uma vez que a grande maioria dos empréstimos é realizada no curto prazo, com elevadas taxas de juros, o que termina inviabilizando o investimento industrial. Quem cumpre o papel de financiador do investimento industrial e da infraestrutura é um banco estatal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que realiza financiamento de longo prazo para a indústria, a taxas bem menores que as taxas dos bancos comerciais. No entanto, esse imenso conglomerado financeiro, ao passar para o controle dos trabalhadores, já reúne todas as condições para desempenhar as funções de ligação entre o sistema financeiro, a indústria, o Estado e a população.

No setor de distribuição dos bens e serviços, há também elevado processo de monopolização. Ficou para trás o tempo em que os bens eram vendidos nas pequenas unidades distribuidoras (mercearias, quitandas ou nas padarias). Hoje, as principais cadeias de supermercados e lojas de departamento cobrem todo o território nacional e são responsáveis pela distribuição da grande maioria das mercadorias vendidas para a população. Do ponto de vista da superestrutura, o País conta com uma rede e telecomunicações moderna, que possibilitou a construção de meios de comunicações estruturados em cadeias nacionais, com a televisão do rádio e da internet alcançando todo o território nacional. O País possui autonomia energética no que se refere ao petróleo e energia hidroelétrica, é o maior produtor de biodiesel e um dos maiores produtores de álcool.

No que se refere às universidades e centros de pesquisa, há no País um conjunto de universidades de excelência internacional, que vem formando uma massa crítica de pesquisadores com imenso potencial para o desenvolvimento científico e tecnológico do País. Mesmo levando em conta que os recursos destinados à educação são insuficientes, pois não chegam a 10% do PIB, o Brasil possui um imenso potencial científico. No setor de pós-graduação conta com 2,7 mil cursos, 1,5 mil dos quais são programas de mestrado e doutorado das universidades públicas. Nos últimos dez anos, o País dobrou o número de mestres e doutores formados nas universidades. Em 2001 formavam-se anualmente 26 mil mestres e doutores, em 2010, esse número aumentou para 53 mil mestres e doutores, o que significa uma massa crítica em condições de desenvolver a pesquisa científica no País. [28]

Além disso, existem ainda centros de pesquisa de qualidade internacional não só nas universidades como em institutos de pesquisa autônomos, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), responsável por grande parte do desenvolvimento da agropecuária brasileira, e o INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), que já detém a tecnologia para a construção e lançamento de satélites. Esse contingente de cientistas e pesquisadores, numa outra perspectiva de ordem social, poderá alavancar de maneira impressionante a pesquisa no interesse dos trabalhadores.

A este conjunto de fatores, recentemente veio aliar-se as descobertas de petróleo nas bacias do pré-sal, o que transformará o Brasil num grande exportador de petróleo, semelhante aos países árabes, uma vez que o País já possui a autossuficiência nesse setor. A renda do petróleo do pré sal, administrada por um governo socialista, acelerará de maneira extraordinária a construção do socialismo desenvolvido no País.

4.1 Um país rico com um povo pobre

A construção industrial do Brasil nos últimos 70 anos, realizada em marcha forçada, com uma classe dominante refratária à incorporação das massas ao mercado de bens e serviços e ao exercício de seus direitos políticos, com dois longos períodos de ditadura aberta do capital, criou no País uma sociedade profundamente desigual, com dramática concentração da renda, uma economia de baixos salários e imensos bolsões de miséria e pobreza nas várias regiões do País, configurando um modelo sócio-econômico bárbaro, cuja expressão são as legiões de miseráveis que vivem das migalhas oferecidas pelo governo, como o Bolsa Família, ou dos trabalhadores pobres, desempregados ou com trabalho precário nas grandes metrópoles.

O nível de concentração de renda do Brasil é semelhante ao dos países mais pobres do mundo, apesar do País ser a sexta economia do planeta em termos de Produto Interno Bruto. Para se ter uma ideia, os 10% mais ricos da população obtiveram, em 2009, 42,5% da renda nacional, enquanto os 5% mais ricos da população brasileira amealharam um percentual de renda acima de 30% e os 1% mais ricos do País possuíam 10 vezes mais renda que 50% mais pobres (Tabela 8). São esses dados que explicam a estreiteza do mercado interno, a violência urbana, a marginalidade social e a imensa desigualdade da sociedade brasileira.

Tabela 8- Distribuição pessoal da renda [NR] , 1999-2009

Grupo 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
10% mais pobres 1,0 1,0 1.0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,1 1,2 1,2
20% mais pobres 3,3 3,3 3,4 3,4 3,5 3,6 3,6 3,9 4,0 4,0
50% mais pobres 14,5 14,8 14,9 15,5 16,0 16,3 16,5 17,2 17,6 17,8
10% mais ricos 45,7 46,1 46,1 45,3 44,6 44,7 44,5 43,3 42,7 42,5
5% mais ricos 33,1 33,4 33,0 32,7 31,7 32,0 31,7 30,7 30,4 30,3
1% mais ricos 13,2 12,5 13,3 12,9 12,7 13,0 12,8 12,4 12,3 12,4

Fonte:PNAD/Dieese

Para se ter uma ideia do grau de miséria de vastos contingentes da população brasileira, basta constatar que no Brasil existem cerca de 53 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, 23 milhões dos quais em miséria extrema. Além da pobreza, existe um grande contingente, especialmente nas grandes aglomerações urbanas, que moram em habitações muito precárias. Há no País 16,5 milhões de residências em favelas e habitações precárias, nas quais residem 52,3 milhões de pessoas, sem infraestrutura e com má qualidade de vida.

Só mesmo um modelo econômico bárbaro pode ter produzido um quadro social tão dramático. Não é concebível um país com terra em abundância, água em abundância, sol o ano inteiro, detentor de praticamente todas as matérias primas para o processo de produção, sem terremotos, tufões, maremotos ou grandes catástrofes naturais, não tenha condições de proporcionar uma vida digna para toda a população. Um dos principais desafios da nova ordem socialista a ser construída no Brasil é exatamente reverter em tempo rápido esse quadro social, extinguindo a miséria, construindo uma sociedade próspera, desenvolvida e com elevado padrão de vida para todos. As bases materiais para essa nova sociedade já existem, o que está faltando é o controle político dos trabalhadores sobre a riqueza da nação.

4. A necessidade de criação das condições subjetivas

Antes que alguém atire a primeira pedra, é importante ressaltar que a existência das condições objetivas, da base material avançada, não significa que estamos às vésperas da revolução socialista. As condições materiais significam muito, porque representam o lastro sob o qual vai se desenvolver a luta de classes no País, as bases materiais nas quais a classe operária e o proletariado vão construir a nova sociedade, mas isso é apenas uma parte da questão, porque sem que as condições subjetivas estejam maduras não haverá revolução.

As condições objetivas são dadas pelo desenvolvimento das forças produtivas e da sociedade, portanto independem da vontade das pessoas, das organizações políticas e sociais, mas as condições subjetivas fazem parte de um estatuto mais complexo, requerem um conjunto de condições que são construídas no terreno da luta de classes, no grau de conscientização dos trabalhadores e na ação da vanguarda revolucionária, bem como na crise do capital. Ao longo do processo de calmaria, a luta de classes fica restrita às reivindicações específicas, os trabalhadores vão se exercitando na luta por seus interesses objetivos, na atuação sindical, em greves localizadas. Trata-se de um aprendizado importante, mas se ficar apenas no terreno das conquistas parciais, há a possibilidade real de se cair no reformismo, se contentar com as migalhas oferecidas pelo capital, uma vez que a classe operária não adquire a consciência espontaneamente.

Como dizia Lenin, a consciência do proletariado não é produto mecânico de sua condição de classe, pois na sociedade burguesa os trabalhadores são influenciados pela cultura dominante que, com seus meios de comunicação e seu aparato ideológico diariamente procura manipular as informações, o ensino e a cultura no sentido de manutenção da ordem burguesa. Nesse conjuntura, o proletariado é influenciado pelos valores da sociedade capitalista. Lenin explica que a supremacia da sociedade burguesa no capitalismo se consolida porque a ideologia burguesa é muito mais antiga que a ideologia proletária, e, principalmente, porque possui meios de difusão incomparáveis maior e mais numeroso que a do proletariado.

Nas condições espontâneas d luta de classe, a consciência proletária não vai além da luta pelos interesses imediatos, que se expressam na luta sindical e nas lutas específicas por maiores salários e melhores condições de vida. Portanto, a consciência revolucionária só pode ser adquirida de fora, mediante o trabalho ideológico do partido revolucionário no sentido de educar e orientar o proletariado para a revolução socialista.”A consciência política de classe não pode ser levada ao operário senão do exterior, isto é, de fora da luta econômica, de fora das relações entre operários e patrões. A única esfera de onde se poderá extrair esses conhecimentos é o das relações de todas as classes e camadas com o Estado e o governo, na esfera das relações de todas as classes entre si … A história de todos os países comprova que a classe operária, valendo-se exclusivamente de suas forças, só é capaz de elaborar uma consciência trade-unionista, ou seja uma convicção de que é preciso reunir-se em sindicatos, lutar contra os patrões, cobrar do governo a promulgação de umas e outras leis necessárias aos operários.” [29]

Por isso, é fundamental e imprescindível a ação da vanguarda revolucionária para organizar os trabalhadores, elevar seu grau de consciência política, educá-los no sentido classista, organizá-los para a superação do capitalismo. A organização revolucionária possui um papel estratégico na construção das condições subjetivas da revolução, pois o partido condensa todo o aprendizado da luta de classes realizada ao longo de vários anos. Por sua experiência, tem mais capacidade de transformar as lutas econômicas em lutas políticas, elaborar uma estratégia e tática para a revolução e formar no proletariado a consciência da necessidade de tomada do poder político, como condição imprescindível para a emancipação do conjunto dos trabalhadores.

Em outras palavras, o papel do Partido como vanguarda estratégica do proletariado, como operador político coletivo dos trabalhadores, como síntese dos objetivos da classe operária continua com uma atualidade extraordinária, apesar dos modismos teóricos e fetiches ideológicos dos escribas pós-modernistas. Isso porque as entidades sociais, por mais combativas que sejam, têm limites políticos, sociais e de representatividade, não possuem a densidade totalizante dos partidos políticos.

“Um sindicato, por mais combativo que seja, deve representar os interesses dos trabalhadores que representa. Da mesma forma que uma entidade estudantil, uma organização de moradores, de mulheres ou de homossexuais tem como objetivo defender os interesses específicos de seus representados, atuam nos limites institucionais da ordem burguesa. Somente o partido político revolucionário, que se propõe a derrotar a ordem capitalista e que junta em suas fileiras todos esses segmentos sociais, possui condições para entender a totalidade da luta política e lançar propostas globais para a transformação da sociedade.” [30]

As condições subjetivas amadurecem no aprendizado da luta de classes, mas podem emergir surpreendentemente nas crises prolongadas do capital, quando vêem à tona todas as contradições do capitalismo e quando torna-se mais claro o papel do Estado como organizador coletivo das classes dominantes. Nesse processo, o aprendizado no teatro de operações da luta de classes é rápido: os trabalhadores ganham consciência mais rapidamente nos períodos de crise que em longos anos de calmaria. A consciência e a disposição para a luta desenvolvem-se aceleradamente. Nesse período, a vanguarda revolucionária joga um papel determinante, com sua experiência e orientação junto aos trabalhadores no sentido da tomada do poder.

Por isso, a tarefa dos revolucionários no Brasil é construir cotidianamente as condições subjetivas para a revolução socialista brasileira, fazer a denúncia do capitalismo, a propaganda do socialismo junto às massas, preparar-se para assumir a direção política da sociedade. O socialismo no Brasil poderá nascer a partir de bases econômicas desenvolvidas, mas especialmente porque nosso socialismo terá uma série de particularidades e singularidades políticas, econômicas e sociais que poucos possuem. Será um socialismo com sotaque carioca, paulista, mineiro, nordestino, gaúcho, pantaneiro, com carnaval, samba, MPB, uma vasta cultura popular e uma sociedade construída a partir da fusão de todas as raças.

Essa é a tarefa de todos os revolucionários brasileiros!


Bibliografia

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Sites consultados

www.brasil.gov.br

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www.ipeadata.gov.br

Notas

1. Política econômica lançada por Vladimir Lenin no início da revolução bolchevique na URSS, com o objetivo aumentar a produção do País.

2. Para melhor compreensão do período colonial, consultar as obras clássicas sobre a formação econômico do Brasil. PRADO JR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo Brasiliense, 1976; FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. SODRE, Nelson Werneck. Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.

3. Um dos aspectos desse pacto de elites era a chamada política do café com leite, pela qual São Paulo tinha direito de eleger um presidente da República por um mandato, sendo que o mandato seguinte deveria ser exercido por um presidente oriundo de Minas Gerais.

4. Um exemplo típico desse processo foi a criação das empresas brasileiras de autopeças (na época, a grande maioria de capital nacional), que nasceram umbilicalmente ligadas ao processo de fornecimento de peças e componentes para as multinacionais da indústria automobilística, o setor mais dinâmico da economia no período, portanto inteiramente subordinadas à lógica do capital multinacional.

5. Para maior informação sobre as lutas sociais e políticas desse período, consultar: MONIZ BANDEIRA. O Governo João Goulart – As lutas Sociais no Brasil, 1961-1964. Sobre os dois projetos, consultar: COSTA, Edmilson. A Política Salarial no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 1997.

6. Declaração sobre a Política do PCB, março de 1958, pg. 5. Essa Declaração rompia com o Manifesto de Agosto de 1950, considerado pela então direção do PCB como sectário e esquerdista, pois propunha o sindicalismo paralelo e a resistência armada quando necessário, dependendo da região do País.

7. Idem, pg. 5

8. Idem, pg. 5

9. O processo de privatizações do governo FHC foi eivado pela corrupção generalizada, desde a subavaliação de preços das empresas, negociatas entre dirigentes governamentais e compradores das empresas públicas, além do fato de que o governo, através do BNDEs, financiou grande parte das aquisições dessas empresas pelo capital privado. Ressalte-se ainda que parte do pagamento dessas empresas foi realizado com as chamadas moedas podres (títulos depreciados no mercado, mas recebidos pelo valor de face no pagamento ao governo). Para conhecimento do processo de privatizações, consultar: Biondi, Aloysio. O Brasil Privatizado, Vol. I e II. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. E A privataria tucana. São Paulo: Geração Editorial, 2011.

10. Costa, Edmilson. A conjuntura e a luta política no Brasil contemporâneo. www.economes.info

11. Nesses três séculos de escravidão vieram ao Brasil cerca sete milhões de africanos e cerca de um ou dois milhões morreram na viagem em consequência das más condições de vida nos porões dos navios.

12. Tornou-se famosa a frase do ex-presidente Washington Luis (1926-1930), que resumia bem seu entendimento sobre os conflitos sociais no Brasil. Referindo-se aos movimentos rebeldes na segunda metade da década de 20, ele afirmaria: “A questão social é um caso de polícia”.

13. Os trabalhadores eram recrutados numa Europa com promessas de que aqui no Brasil teriam emprego garantido e a possibilidade de se transformarem em proprietários rurais.

14. Rui Mauro Marini levanta uma hipótese teórica que pode ser aplicada como uma luva a esse período da ditadura militar. Ele afirma que a dependência faz com as classes dominantes da periferia sejam obrigadas a transferir parte de seus lucros para o capital estrangeiro, mediante uma série de canais de dependência do País com o exterior, como remessas de lucro, royalties, etc. Para compensar esse processo, a burguesia paga salários internamente abaixo do valor da força de trabalho.

15. Dos 100 principais grupos econômicos do País, parcela expressiva é formada por grupos de controle familiar.

16. A taxa anual média de crescimento, entre 1930 e 1980, foi de 6% ( www.ipeadata.gov.br ). Acesso em 30 de setembro de 2012.

17. Na primeira metade da década de 70 os empréstimos brasileiros foram contratados a taxas de juros muito baixas e em alguns anos negativas. Mas como as cláusulas previam o pagamento dos serviços da dívida a taxa de juros flutuantes, vinculados à prime norte-americana, o aumento brusco dos juros nos Estados Unidos significou a inviabilidade do pagamento do serviço da dívida brasileira. (Costa. Edmilson. Um projeto para o Brasil. São Paulo: Tecnocientífica, 2008).

18. Os ajustes monetaristas-neoliberais que estavam sendo implantados nos países capitalistas desde o final da década de 70, com Reagan e Tatcher, não puderam ser implantados no Brasil em função de circunstâncias muito especiais. Na primeira metade dos anos 80 a ditadura estava nos estertores e não tinha condições políticas de implantar a política neoliberal. A segunda metade da década foi marcada pela redemocratização e pela eleição da Assembléia Nacional Constituinte, período no qual era impossível também prosperar os postulados neoliberais.

19. Fernando Collor de Melo foi eleito presidente da República em 1989, ao derrotar Luis Inácio Lula da Silva, o candidato do Partido dos Trabalhadores. Apesar de ser um político desconhecido, a burguesia brasileira, sem opções viáveis contra Lula, cerrou fileiras em torno de Collor para evitar o mal maior, a eleição de Lula, na época um combativo líder metalúrgico que disputava a presidência com um amplo programa de reformas.

20. Um marco na derrota dos trabalhadores foi a greve dos petroleiros de 1995. A exemplo de Tatcher e a repressão contra os mineiros ingleses e Reagan e o endurecimento contra os controladores de voo nos EUA, Fernando Henrique Cardoso colocou todo o aparato repressivo contra os petroleiros, uma das categorias mais organizadas do País e que atuava num setor estratégico da economia, o petróleo. Apesar de todas as ameaças e pressões, a greve continuava forte. Então FCH convocou o Exército e invadiu as refinarias, prendeu os dirigentes grevistas e realizou intervenção nos sindicatos, de forma a quebrar a resistência dos trabalhadores e servir como exemplo para outras categorias. Com a derrota da greve no setor mais organizados dos trabalhadores, foi aberto caminho para a disciplina do movimento sindical.

21. Em função das características históricas do Brasil, onde o Estado foi o comandante-em-chefe do processo de industrialização, as empresas públicas representavam cerca de 40% da formação do Produto Interno Bruto do País.

22. www2.fpa.org.br . Carta ao Povo Brasileiro, junho de 2002. Acesso em 23 de outubro de 2012.

23. O superávit primário é percentual do orçamento (em relação ao PIB) que o governo se compromete a economizar para pagar os juros do endividamento interno. Quanto maior o superávit primário, maiores garantias terão os os detentores dos títulos de que receberão seus pagamentos.

24. Souza, Nilson Araújo. Economia Brasileira Contemporâneo. Pgs. 299 e 300, São Paulo: Atlas, 2008

25. A reforma previdenciária de Lula completa a primeira Reforma da Previdência realizada por FHC. Entre outros pontos, estabeleceu um teto máximo para as aposentadorias (na época R$ 2.400,00), eliminou a integralidade dos benefícios aos funcionários públicos, introduziu a taxação aos inativos e criou o fator previdenciário, instrumento que define uma idade mínima para o trabalhador se aposentar. Mesmo que a pessoa já tenha completado os 35 anos de tempo de trabalho, se não tiver completado 65 anos terá seus rendimentos reduzidos mediante complexo cálculo baseado esperança de vida do País.

26. De acordo com levantamento de publicações especializadas (as Multinacionais Brasileiras (Valor Econômico) e Ranking das transnacionais brasileiras 2010: repensando as estratégias globais (Fundação Dom Cabral) as multinacionais brasileiras atuam em todos os continentes e as cinco maiores delas têm a seguinte posição: Vale está presente em 33 países; Petrobrás, em 25; WEG, em 22; Camargo Corrêa, em 17; e Odebrecht, 16.

27. Grandes Grupos – Valor Econômico. Ano 10, No. 10. Dez. 2011.

28. Dados divulgados pela Agência Brasil, a partir de Relatório da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

29. Lenin, Wladimir. Que fazer. Problemas candentes do nosso movimento. Pgs. 89 e 145. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

30. Costa, Edmilson. Os movimentos sociais e os processos revolucionários na América Latina – Uma crítica ao pós-modernismo. Esse ensaio foi publicados em vários sites internacionais em português e espanhol.

[NR] No Brasil chamam de renda a qualquer espécie de rendimento, inclusive o salarial.


Edmilson Costa é doutor em Economia pela Unicamp, com pós-doutorado na mesma instituição. É autor, entre outros, de A globalização e o capitalismo contemporâneo (Expressão Popular, 2009), Um projeto para o Brasil (Tecno-Científica, 2008), A política salarial no Brasil (Boitempo, 2007) e A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil (Edições ICP). Professor universitário, é diretor de pesquisa do Instituto Caio Prado Junior e um dos editores da revista Novos Temas. É também membro da Comissão Política do Comitê Central do PCB. Este ensaio faz parte do seu último livro. 

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