A resistência tecnológica a Trump

Por Kristen Sheets, Matt Schaefer e Ben Tarnoff, via Jacobin Magazine, traduzido por Marcel Miranda e Raphael Coelho, militantes Infoproletários

Funcionários de empresas de tecnologia, que se vêm a cada dia mais como trabalhadores, serão um importante setor de resistência ao programa de Trump.

A Tech Workers Coalition (Coalizão de Trabalhadores da Tecnologia) é um importante ponto de encontro para a organização de trabalhadores da tecnologia na Área da Baía em San Francisco. Em Janeiro de 2017, seus membros ajudaram a organizar protestos às portas da sede da Palantir – empresa de análise de dados fundada pelo conselheiro de Trump, Peter Thiel, que ajudou várias agências federais a rastrear e deportar imigrantes. E esta organização continuou a coordenar ações e campanhas na Área da Baía.

Math Schaefer e Kristen Sheets são membros da Tech Workers Coalition. Schaefer é atualmente um designer de experiência de usuário e engenheiro na Loconomics Cooperative. Sheets é uma trabalhadora da tecnologia e ativista socialista na Organização Socialista Internacional. Nesta entrevista, eles falaram com Ben Tarnoff, um editor fundador da Logic, sobre as dificuldades e oportunidades para a organização dos trabalhadoras da tecnologia sob Trump.

Essa entrevista aparece em Tecnologia Contra Trump, um livro que será lançado em breve e descreve a crescente onda de resistência via tecnologia ao governo Trump. Tecnologia Contra Trump está sendo organizado pelos editores da Logic.


Ben Tarnoff: O que é a Tech Workers Coalition? Quando foi fundada e o que ela faz?

Matt Schaefer: A Tech Workers Coalition é uma casa para progressistas da tecnologia na Área da Baía. Nós somos uma comunidade de voluntários. Nossos participantes ativos incluem trabalhadores da indústria de TI, membros dos sindicatos locais, líderes comunitários e amigos.

Enquanto nossa direção evoluía, nós começamos como um pequeno grupo, mais ou menos dois anos atrás, com o propósito de ser um ponto de encontro entre progressistas na comunidade de tecnologia que estavam chegando à Área da Baia e membros das comunidades e organizações.

O envolvimento dos trabalhadores de tecnologia com a comunidade local acontece tipicamente através das empresas, seus times de responsabilidade social e executivos. Nós queremos cultivar uma voz e um papel para os trabalhadores. Nós acreditamos que trabalhadores terão diferentes perspectivas e irão querer se engajar com suas próprias comunidades de maneiras que as empresas não irão.

Nosso maior foco até este outono foi aumentar a conscientização sobre a chamada força de trabalho invisível do Vale do Silício – os milhares de trabalhadores de serviços terceirizados (zeladores, cozinheiros, seguranças e outros) que trabalham em grandes instalações de tecnologia no Vale do Silício mas que não possuem salários suficientes, reconhecimento ou uma voz no trabalho.

Recentemente, nós realizamos parcerias com a SEIU Trabalhadores de Serviços Unidos do Oeste para ajudar na sindicalização de agentes de segurança e conclamar nossos colegas da área de tecnologia a demandar da Palantir mais transparência, responsabilidade e uma rejeição da agenda de Trump, entre outros esforços.

BT: O estereótipo é o de que os trabalhadores de tecnologia tendem a ser ou apolíticos ou libertários. Isso corresponde a sua experiência? Ou existe um eleitorado para políticas de esquerda na área de tecnologia?

Kristen Sheets: Eu não quero descartar as dificuldades ideológicas envolvidas na organização dos trabalhadores de tecnologia em torno das causas de esquerda. Mas definitivamente tenho notado um novo espírito de consciência social entre os trabalhadores de tecnologia, antes mesmo das eleições. E eu acho que isso tem muito a ver com os aspectos menos agradáveis do nosso trabalho.

Todo mundo ouve falar de mesas de ping-pong, almoço grátis e ótimos benefícios.  O que não ouvem falar é das horas cansativas, do fato de que muitos que trabalham nessas empresas não são funcionários de fato — são contratados como prestadores de serviços. Esses contratados não incluem apenas os trabalhadores de serviços terceirizados nos escritórios (campuses) — zeladores, copeiros e motoristas de ônibus — mas também uma camada grande de trabalhadores de colarinho branco que fazem o mesmo trabalho que seus companheiros de tempo integral, mas recebem muito menos, não têm benefícios e não têm segurança de emprego. Com frequência eles serão requisitados a deixarem seus empregos com apenas alguns dias de antecedência.

Até mesmo os trabalhadores de tecnologia assalariados enfrentam certos obstáculos. Se você um programador em São Francisco recebendo um salário de $100,000 por ano e você quer morar dentro de alguns poucos quilômetros do subúrbio, a média de aluguel para um apartamento com um dormitório é por volta de $3,000 por mês, o que provavelmente é mais do que sua média salarial mensal. Isso é obviamente muito, muito pior para a vasta maioria das pessoas que não tem esse tipo de renda. Mas eu acho que é uma experiência que abre os olhos para muitos trabalhadores de tecnologia.

Eles recebem um excelente salário, mas ainda não conseguem guardar dinheiro e viver na mesma cidade em que trabalham. Eles trabalham duro e ganham um bom dinheiro, mas isso não vai muito longe, porque há mais bilionários em São Francisco do que nunca. Isto é um fator de radicalização. Acho que é por isso que Bernie Sanders teve tanta ressonância entre os trabalhadores de tecnologia.

BT: E agora há o Trump, que presumidamente está radicalizando muito mais os trabalhadores de tecnologia, particularmente quando vêm que os líderes do seu setor não estão impondo barreiras a ele. O que você acha que as pessoas que trabalham com tecnologia mais temem de Trump?

MS: Como sempre, as populações marginalizadas estão provavelmente nas mais terríveis situações quando falamos da nova administração governamental.

Trabalhadores nas empresas de tecnologia no Vale do Silício incluem trabalhadores de serviços contratados, a maioria dos quais são pessoas de cor [nos EUA, o termo é utilizado por parte dos movimentos sociais como uma expressão de unidade entre as populações não-brancas, vítimas de racismo]. Trabalhadores de serviços não sindicalizados no Vale do Silício geralmente não têm acesso a assistência médica. Trump jurou revogar a Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente [Affordable Care Act ou Obamacare], o que tornará a situação muito pior. E agora os sindicatos estão preocupados com a possibilidade de uma lei do tipo “right-to-work” de abrangência nacional que efetivamente cortará seu financiamento. Trabalhadores de tecnologia precisam se unir aos de serviço nessas lutas.

O Vale do Silício falhou na criação de uma cultura de trabalho inclusiva e em desenvolver uma força de trabalho de colarinho branco diversificada. Mulheres, pessoas de cor e trabalhadores LGBT da tecnologia já estão trabalhando nesse contexto difícil, mas agora devem também se afirmar contra o modelo de Trump e a instigação aberta à misoginia, ao racismo e à xenofobia.

Além disso, muito trabalhadores estão nos Estados Unidos com vistos, alguns dos quais de países alvo das políticas de imigração de Trump. Eles agora vão ter que lidar com incerteza e instabilidade crescentes.

Face a isso, os trabalhadores de tecnologia precisam manter uma vigilância extra. Eles precisam colher a coragem de se posicionar e resistir se seu trabalho estiver sendo usado por essa administração. Trump não consegue criar um registro de muçulmanos sem tecnologia. Ele não pode criar ferramentas de tecnologia sem algum suporte de TI. Ele não pode mirar numa população inteira de imigrantes não-documentados sem tecnologia.

BT: Mas se recusar a construir todas essas ferramentas pode trazer consequências aos trabalhadores de tecnologia. Quando se fala em organizar contra Trump, quanto os trabalhadores de tecnologia se preocupam com uma retaliação potencial de seus empregadores?

MS: Eu ouvi de trabalhadores que eles estavam preocupados com retaliação caso eles se posicionassem ou se falassem com membros a imprensa. Talvez eles não estejam necessariamente preocupados em serem demitidos. Mas eles temem não serem promovidos ou não receberem aumento como seus pares.

Além disso, trabalhadores de tecnologia tipicamente não permanecem na mesma companhia por muito tempo, o que significa que estão regularmente procurando por emprego. Eu vejo eles se preocupando que as empresas nas quais eles esperam trabalhar no futuro não vejam com bons olhos um histórico de falar em público ou se organizar publicamente.

Eu entendo essas preocupações e eu tenho pensado em como meu próprio envolvimento pode afetar minhas perspectivas de emprego. Entretanto, eu espero que os trabalhadores de tecnologia ao menos façam a pergunta: se um potencial empregador não quer te contratar porque você defendeu o que era o correto, você realmente quer trabalhar para essa empresa?

Nem todo mundo tem o privilégio de fazer essa pergunta, mas muitos de nós fazem. Francamente, alguns tipos de trabalhadores de tecnologia — engenheiros por exemplo — têm um pouco mais de capacidade no momento. Eles têm mais liberdade para falar do que eles próprios esperam. Você pode perguntar para qualquer gerente de recrutamento — bons engenheiros são muito caros de substituir.

KS: Algumas coisas são mais seguras que outras, e são mais seguranças para algumas pessoas. Um trabalhador com contrato não documentado está em uma situação bem diferente de um trabalhador assalariado.

Mas a indignação contra Trump é muito ampla. Não é controverso não gostar de Trump, enquanto era muito mais controverso se posicionar contra Obama — mesmo que algumas de suas políticas fossem na mesma linha que as políticas que Trump está buscando.

Eu acho que isso ajudou bastante. Trump não tem um mandato. Ele foi a terceira escolha mais popular nas eleições gerais atrás de não votar e de votar em Hillary Clinton. Acho que isso ajudou a encorajar as pessoas e a elas se sentirem com menos medo que suas visões as tornem marginalizadas.

BT: Nós já vimos trabalhadores de tecnologia adotarem uma série de táticas para fazer com que suas empresas se recusem a colaborar com Trump. Qual vocês acham que é o caminho a frente mais efetivo?

MS: Envolver-se. É cedo e há um conjunto esmagador de possibilidades de como participar. A única coisa que eu evitaria é se pegar decidindo qual o melhor ou o caminho mais correto. Escolha um caminho e siga-o. Não se isole. Ao longo do caminho, você vai aprender onde suas habilidades e inclinações melhor se encaixam e você girará ao redor disso.

KS: Eu acho que a questão das táticas será um debate maior ao longo dos próximos quatro anos. Nós já vimos que os protesto são uma ferramenta inacreditavelmente importante. Para tecnologia, seria interessante ver a arma da greve vir à mesa. A História nos mostra as táticas que mudaram o mundo para melhor — táticas que não somente vão dar cabo de Trump, mas mudar as condições sob as quais fomos forçados a viver e trabalhar.

BT: Nós estamos falando de táticas que são um tanto quanto velhas — protesto, greves, e por aí vai. Quão útil é o conjunto de habilidades dos trabalhadores de tecnologia na luta contra Trump contrapostas àquelas old-school e com baixo nível de tecnologia?

MS: Acredito que os trabalhadores de tecnologia têm muito a aprender com os organizadores veteranos e os veteranos muito a aprender com os trabalhadores de tecnologia. Eu vejo uma tendência dos trabalhadores de TI em gravitar ao redor de organização online com mídias sociais e ferramentas de colaboração. Eles são ótimos em passar a palavra, acertar os canais corretos e mobilizar pessoas rapidamente em grupos geograficamente dispersos.

Por outro lado, grupos mais tradicionais trabalham muito bem no contato pessoal. Eles treinam modos de se relacionar com as pessoas nos contextos das dificuldades que estão enfrentando. Eles são melhores em entender as estruturas de poder em jogo e como abordá-las.

Organizações tradicionais precisam das habilidades dos trabalhadores de tecnologia e estes precisam usar o conhecimento acumulado da história das organizações de base. É uma via de mão dupla.

KS: Sim, eu acho que as duas abordagens andam juntas.

Há definitivamente maneiras em que as velhas táticas podem ser atualizadas para contextos modernos — as ações anti-SOPA que aconteceram há alguns anos atrás foram similares a uma greve ou um boicote de certa maneira. No fim do dia, existem algumas abordagens que temos visto funcionar de tempos em tempos. Claro, temos de continuamente acessá-las e trazê-las à luz das nossas condições atuais. Não acho que conseguiríamos repetir a Greve Geral de 1930 em São Francisco hoje, por exemplo. Mas acho que há importantes lições a serem aprendidas das antigas táticas.

BT: Para deflagrar uma greve, claro, é necessário um sindicato. O que vocês pensam da possibilidade de um sindicato dos trabalhadores de tecnologia? Vocês acreditam que a atual onda de organização anti-Trump em tecnologia pode abrir caminho para um sindicato?

MS: Não posso dizer. Apesar de achar que os trabalhadores precisam de um veículo para fazer pressão nos líderes das companhias; eles precisam também de um veículo para criar a mudança dentro de suas organizações.

Por anos estivemos falando sobre o problema da diversidade e da inclusão dentro das companhias de tecnologia. Infelizmente, pouquíssimas das grandes empresas parecem estar fazendo progresso nessa questão. As questões dessa indústria abundam: etarismo, disparidades salariais, discriminação e preocupações quanto a privacidade de dados, apenas para listar algumas.

KS: Nós precisaremos aguardar. As discussões que as pessoas têm tido sobre um sindicato dos trabalhadores de tecnologia têm sido realmente empolgantes. Mas acho que isso está longe, por umas série de razões.

Sindicatos estiveram sob ataque por décadas. Isso não mudará sob uma presidência de Trump — isso vai piorar.

Por outro lado, essa eleição fez com que muitas pessoas da área da tecnologia que estavam bem complacentes passassem a pensar de modo diferente sobre como o sistema funciona e pra quem ele funciona. Elas estão fazendo novas perguntas e levantando novas demandas. Isso é inspirador. E eu tenho esperança que isso não perca força.

A Tech Workers Coalition está tentando construir a infraestrutura e organização ao redor dessa energia para conseguirmos manter as lutas em curso. Porque se quisermos um sindicato dos trabalhadores de tecnologia, será uma luta longa. Nós precisaremos ser extremamente organizados e ter muitas pessoas do nosso lado para vencermos.

BT: O quanto os trabalhadores de tecnologia pensam neles mesmos como trabalhadores — em oposição a, digamos, empreendedores e futuros fundadores de empresas?

KS: Cada vez mais eu acho que as pessoas estão entendendo que suas condições são atualmente as de um trabalhador. Eles estão percebendo que possuem uma relação específica com a produção e isso é extremamente diferente da de um empreendedor ou de CEO.

Um problema é que há uma fusão que a mídia opera entre o trabalhador de tecnologia e o executivo da área. Você vê isso o tempo todo. Teve um artigo, faz algum tempo, sobre o terrível despejo que ocorreu em Mission, onde um professor de pré-escola e sua filha foram expulsos do apartamento em que viviam. A manchete dizia “Trabalhadores de tecnologia despejam professor de pré-escola”. Mas quando você lê a matéria, percebe que essas pessoas não eram trabalhadores de tecnologia, eram executivos.

BT: Quando vocês vêm a luta a frente, como vêm a Tech Workers Coalition se encaixando na paisagem maior da organização em tecnologia contra Trump?

KS: Uma das maiores forças da Tech Workers Coalition é seu foco no trabalho e na classe.

Eu acho que isso é único. Atualmente, a maioria dos trabalhadores de tecnologia — e a maior parte das pessoas, no geral —  não se envolvem em políticas ao redor da questão do trabalho e da classe.

A Tech Workers Coalition não vê os trabalhadores de tecnologia como um tipo especial de trabalhador. Mas entendemos que temos uma posição estratégica quanto ao nosso lugar na produção e que podemos nos levantar em solidariedade a outros trabalhadores — não só os de serviço que atuam como seguranças, motoristas de ônibus em nossos locais de trabalho, mas com todos os trabalhadores.

A abordagem dominante entre as pessoas bem intencionadas do ramo da tecnologia, quando enfrentam um problema, é: posso construir um aplicativo que vai corrigir isso. E sim, tecnologia é sensacional e muitos de nós trabalhamos com isso porque achamos interessante construir ferramentas para resolver problemas. Mas os problemas estruturais que temos na sociedade não vão ser corrigidos por um aplicativo. Nós precisamos pensar muito além disso para resolver esses problemas.

Uma abordagem diferente é: o trabalho em tecnologia é crucial para qualquer indústria no atual momento e é realizado por um grupo bem pequeno de pessoas. Você pode desligar muita coisa com um grupo relativamente pequeno de trabalhadores se eles coletivamente decidirem por isso.

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