O Partido Comunista e a Libertação Negra na década de 1930

Por Paul D’Amato, via International Socialist Review, traduzido por Edmundo Dantez

Uma visão comum na esquerda é a de que o marxismo sempre ficou aquém do esperado na luta contra o racismo. Como se a política da luta de classes “privilegiasse” a classe sobre a raça, sob o argumento de que a raça não é importante ou, no máximo, um problema secundário.


Um autor, “neomarxista”, escreve um ataque típico ao marxismo no periódico Rethinking Marxism:

Marx sempre esteve interessado, principalmente, com o capitalismo como modo de produção, e com a emancipação dos trabalhadores europeus predominantemente brancos… Os marxistas ortodoxos, nos EUA e em qualquer outro lugar, como Marx, sempre limitaram as expe­riências concretas de intolerância racial ao capitalismo… Quando a exploração econômica capitalista morrer, morreria também a intolerância.  Os negros, portanto, precisam silenciar ou desconsiderar totalmente os problemas raciais, e enfatizar, em vez disso, a solidariedade inter-racial entre a classe trabalhadora. Eles têm que se mobilizar pelo socialismo, ao invés de contra o racismo. [1]

O autor, então, ataca o Partido Comunista dos Estados Unidos (PC) devido à sua “redução da consciência negra a categorias econômicas objetivas.” Apesar de reconhecer que o PC, na década de 1930, realizou “corajosas tentativas de organizar os trabalhadores e de lutar contra a discriminação” as quais, “na ocasião, melhorou as condições de milhares de famílias negras”, líderes brancos do PC manipularam e “estabeleceram uma dominação teórica sobre os negros.”

Há dois problemas com esse argumento. Ele estabelece uma caricatura do marxismo que nunca existiu, e apresenta o stalinismo como o marxismo genuíno.

Lutar contra a opressão tem sido, desde sempre, central para a teoria e prática marxista. Marxistas nunca opuseram à unidade da classe trabalhadora à luta contra o racismo. Pelo contrário, a luta contra todas as formas de opressão é uma condição indispensável para essa união.

Além disso, o ataque ao PC na década de 1930 é inapropriado. Se algo, o trabalho do PC contra o racismo em 1930, confirma tanto a necessidade quanto a possibilidade prática da união dos trabalhadores negros e brancos, não somente em torno dos problemas econômicos, mas também sobre pautas da opressão negra. O PC ter comprometido o seu engajamento na luta contra o racismo, não reflete o fato de que a “ortodoxia” ter historicamente ignorado a luta negra, mas sim que o PC, na década de 1930, tinha se tornado um partido profundamente stalinista.

Este artigo tem como objetivo argumentar sobre tais pontos concentrando-se em cinco áreas do trabalho do Partido Comunista: seu desenvolvimento teórico da questão negra na década de 1920; seu papel na organização da luta multirracial por auxílio-desemprego; sua campanha nacional em torno do caso Scottsboro; seu trabalho no Alabama organizando trabalhadores negros; e seu papel na construção de um movimento trabalhador multirracial no Congresso das Organizações Industriais (Congress of Industrial Organizations, CIO).

Marxismo, o Partido Comunista e a Questão Negra

Os escritos de Marx e Engels ainda fornecem um ponto de partida brilhante para a compreensão do papel da opressão racial e nacional. Sobre eles se apoiaram todos os movimentos reais contra a opressão. Expressando seu apoio ao Norte na Guerra Civil, Marx escreveu n’O Capital:

Nos Estados Unidos da América do Norte, todo movimento operário independente ficou paralisado durante o tempo em que a escravidão desfigurou uma parte da república. O trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é marcado a ferro. [2]

Marx também apoiou o movimento de independência irlandesa, e argumentou que a dominação britânica da Irlanda ajudou a restringir a luta dos trabalhadores ingleses:

Todos os centros industriais e comerciais ingleses possuem agora uma classe trabalhadora dividida em dois campos hostis: proletários ingleses e proletários irlandeses. O operário inglês comum odeia o operário irlandês, porque ele o vê como um competidor que diminui o seu padrão de vida. Comparado ao operário irlandês, ele se vê como um membro da nação dominante e, por essa mesma razão, transforma a si mesmo numa ferramenta dos aristocratas e dos capitalistas contra a Irlanda e, assim, reforça a dominação sobre si mesmo… O irlandês paga-lhe de volta com juros e com o seu próprio dinheiro. Ele vê o operário inglês tanto como um cúmplice quanto como uma ferramenta estúpida da dominação inglesa sobre a Irlanda.

Esse antagonismo é sustentado artificialmente e intensificado pela mídia, pelo púlpito, pelos quadrinhos, em suma, por todos os meios à disposição das classes dominantes. Esse antagonismo é o segredo da importância da classe operária inglesa, apesar da sua organização. É o segredo que permite que a classe capitalista mantenha seu poder, como essa classe está perfeitamente consciente. [3]

Lênin atualizou Marx para o período do imperialismo, quando a divisão do globo entre as grandes potências despertava movimentos contra a opressão nacional.

O proletariado deve lutar contra a retenção imposta às nações oprimidas dentro dos limites de um dado estado… O proletariado deve exigir liberdade de separação política para as colônias e para as nações oprimidas pela sua “própria” nação. Caso contrário, o internacionalismo do proletariado não seria nada mais que palavras vazias; nem confiança nem solidariedade de classe seriam possíveis entre os trabalhadores das nações oprimidas e das nações opressoras…

Por outro lado, os socialistas das nações oprimidas, em particular, devem defender e implementar a unidade incondicional e total, incluindo a unidade organizacional, dos trabalhadores das nações oprimidas e das nações opressoras. Sem isso, é impossível defender a política independente do proletariado e a sua solidariedade de classe com o proletariado de outros países. [4]

Quando a Internacional Comunista foi formada em 1919 – a partir de partidos revolucionários que haviam se separado das ideias reformistas da Segunda Internacional – as ideias de Lênin foram o ponto de partida para suas políticas.

Lênin e os líderes da Comintern pressionaram os comunistas estadunidenses a adotarem uma abordagem mais revolucionária para a questão negra. Sob a sua influência, o Partido Comunista rompeu com as políticas do Partido Socialista nos Estados Unidos, que consideravam o racismo simplesmente como uma extensão da opressão de classe. Inicialmente, o PC sofria das mesmas limitações teóricas. A convenção fundacional do PC, em 1919, referia-se à questão negra como “um problema político e econômico. A opressão racial do negro é, simplesmente, a expressão da sua servidão e opressão econômica, uma intensificando a outra.” [5]

O impacto da Comintern e da teoria de Lênin pode ser visto no programa do Partido dos Trabalhadores (Comunista), em 1921, que reconhecia a característica especial da opressão negra:

Os trabalhadores negros nos Estados Unidos são explorados e oprimidos mais cruelmente que qualquer outro grupo. A história do negro sulista é a história do reino do terror – de perseguição, estupro e assassinato… Por causa das políticas antinegros das organizações trabalhistas, o negro perdeu a esperança de ajuda por essa via, e foi levado para o campo dos inimigos dos trabalhadores, ou foi levado a desenvolver organizações puramente raciais cujos objetivos eram tão somente raciais. O Partido dos Trabalhadores vai apoiar os negros em sua luta por libertação, e os ajudará em sua luta por igualdade econômica, política e social… Sua tarefa será a de destruir completamente a barreira do preconceito racial que tem sido usada para separar os trabalhadores negros e brancos, e atá-los em uma sólida união de forças revolucionárias para a derrota do nosso inimigo comum. [6]

O PC foi a primeira organização socialista estadunidense a reconhecer que a condição especial da opressão do negro exigia que os socialistas defendessem a luta contra a sua opressão legal, política, econômica e social. James Cannon, o primeiro presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (como era chamado o PC) quem, mais tarde, fundou a oposição trotskista ao stalinismo nos Estados Unidos, argumentou que a intervenção da Internacional Comunista foi decisiva na mudança do PC sobre esta questão. Essa nova abordagem tornou o PC atra­tivo a uma camada de negros radicalizados pela guerra, pela Revolução Russa e pela ascensão da luta de classes nos Estados Unidos naquele período.

Vários líderes importantes de uma sociedade secreta chamada Irmandade de Sangue Africana (African Blood Brotherhood, no inglês) foram atraídos para o PC. A Irmandade era nacionalista – reivindicando um Estado separado para os negros dos EUA. Mas, também, foi inspirada pela Revolução Russa e gravitava em direção à políticas socialistas. A Irmandade advogava pela completa libertação social, econômica e política, e pela união entre negros e “trabalhadores brancos com consciência de classe revolucionária” [7]. A maioria da liderança da Irmandade – incluso Cyril Briggs, Richard B. Moore e Harry Haywood – se juntaram ao PC e formaram o seu primeiro núcleo negro.

Ainda que o recrutamento dos negros pelo PC, em seus primeiros anos, não era alto, nesse período foram lançados os alicerces, para o seu posterior sucesso na década de 1930.

O Impacto do Stalinismo

Infelizmente, com o desencadear da Depressão, o PC tinha cessado de ser um partido dos trabalhadores revolucionários genuíno. A intervenção da Comintern havia, inicialmente, ajudado o inexperiente PC. Mas, à medida que a Revolução Russa se degenerava, o mesmo acontecia com a Comintern. À medida que a brutalidade da guerra civil colapsava a indústria e a agricultura russa e tornava as cidades despovoadas, o regime burocrático de Stálin cujo poder era exercido de cima para baixo substituiu a democracia dos sovietes (conselho dos trabalhadores) cujo poder se exercia de baixo para cima. A burocracia stalinista usou o enorme prestígio da Revolução para transformar a Comintern de uma organização dedicada à revolução mundial em uma organização subordinada aos interesses da política externa da União Soviética.

O ano de 1928 marcou a consolidação de uma nova classe dominante capitalista na Rússia. No primeiro Plano Quinquenal de Stálin, milhões de trabalhadores foram mandados para campos de trabalho e milhões de camponeses conduzidos para fazendas coletivas, à medida que o Estado forçava o ritmo do desenvolvimento industrial. Essa virada para o Estado burocrático capitalista, a qual representou a liquidação da Revolução Bolchevique, foi retratada como uma virada para a “esquerda”.

Essa virada pode ser percebida na Comintern:

Em 1928, a Comintern, agora completamente sob o controle de Stálin, promulgou o dogma de ultraesquerda do “Terceiro Período” e do “Fascismo Social”, políticas que se seguiriam até Hitler chegar ao poder. De acordo com essa “teoria”… o Terceiro Período que chegava, traria uma morte agonizante para o capitalismo.[8]

Os Partidos Comunistas foram, então, ordenados a rejeitar qualquer frente ampla com social-democratas, que eram denunciados como “fascistas-sociais.” Os PCs foram ordenados a formar sindicatos duais “vermelhos” separados, controlados pelos Partidos Comunistas. O inimigo principal não era o fascismo – que procurava aniquilar o movimento operário – mas os reformistas “fascistas-sociais” e os líderes sindicais.

O resultado dessa “teoria” supostamente de extrema-esquerda, foram ações isoladas da massa de trabalhadores, que ainda era influenciados pelas organizações reformistas – e uma passividade prática na construção de uma luta conjunta com os trabalhadores não revolucionários. Essa política não representava, de forma alguma, um compromisso genuíno com a revolução. Pelo contrário. Stálin queria se prevenir de convulsões sociais que poderiam provocar intervenções externas contra a Rússia. Uma política que impedia uma frente ampla agressiva contra Hitler enquadrou-se bem nessa estratégia.

Na Alemanha, a linha do Terceiro Período se provou desastrosa. A recusa do Partido Comunista de se unir com o massivo partido social-democrata contra Hitler, abriu o caminho para a vitória de Hitler e à pior derrota da classe trabalhadora na história.

Nos EUA, o impacto do Terceiro Período não foi tão desastroso porque não havia tanto em jogo. Mesmo assim, a política do Terceiro Período de denunciar todas as forças políticas à direita do PC como fascistas ou “fascistas-sociais” – de Roosevelt à Federação Americana do Trabalho (American Federation of Labor, AFL) ao Partido Socialista – impediu o acesso ao PC de milhares de recrutas potenciais e aliados na luta.

Ao longo do tempo, a política zigue-zague do Partido Comunista em resposta às exigências da política externa da URSS, enfraqueceu o seu apelo e desmoralizou muitos militantes que haviam sido atraídos às suas fileiras. Mas a URSS era vista, na década de 1930, por milhões de trabalhadores do mundo, como uma sociedade socialista. Apesar da sua degeneração stalinista, o enorme prestígio da Revolução Russa atraiu para o Partido Comunista os melhores combatentes militantes da classe trabalhadora. À medida que a luta escalava na metade da década de 1930, o PC se tornou o principal veículo de radicalização entre os trabalhadores. Milhares de trabalhadores se juntaram ou foram influenciados pelo Partido Comunista. Em 1930, haviam 7.545 membros. Esse número triplicou para 23.760 em 1934, e triplicou novamente para 75.000 no começo de 1938. [9]

A Teoria do Cinturão Negro

Em 1928, a Comintern declarou que os negros nos EUA constituíam uma nação, e reivindicavam pela “autodeterminação no Cinturão Negro.” (O Cinturão Negro era uma faixa de território que cortava o Sul, conhecido por seu solo rico e escuro, na qual os camponeses negros daquela época estavam concentrados em grandes números).

A teoria não se enquadrava, de maneira alguma, com as condições e aspirações dos negros. Milhares deles estavam se mudando para o Norte para conseguir empregos nas fábricas, à medida que o sistema de parcerias rurais estava se extinguindo e forçando os negros para fora da terra. Simplesmente não havia base – nas condições ou nas aspirações dos próprios negros – para exigirem um Estado separado no Cinturão Negro. Isso não significa que não havia um sentimento nacionalista. Particularmente no Norte, a Asso­ciação Universal para o Progresso Negro (Universal Negro Improvement, UNIA) de Marcus Garvey, que reivindicava um retorno à África, atraía uma horda de seguidores. Mas a atratividade de Garvey não era porque os negros realmente queriam voltar para a África, mas devido a sua mensagem de orgulho racial.

Além disso, a reivindicação de um Estado separado em uma sociedade segregacionista, poderia ser interpretada como a favor da segregação, e não contra ela. Talvez isso explique porque, na prática, o slogan nunca foi promovido no Norte, e foi rapidamente, e silenciosamente, deixado de lado no Sul.  O que restou foi o compromisso primordial do Partido Comunista de “considerar a luta em nome das massas negras… como uma de suas principais tarefas… O problema do negro deve ser parte integrante de todas e de cada uma das campanhas conduzidas pelo partido.” [10]

O Contexto

A década de 1930 foi um período de crise econômica e de radicalização massiva da classe trabalhadora. O desemprego oficial foi de 8,8 por cento em 1930 ao pico de 25,2 por cento em 1933 (mais de 15 milhões de trabalhadores!), nunca caindo abaixo de 13,8 por cento ao longo do período pré-guerra. [11]

Para os negros, os números eram ainda mais surpreendentes. Em cidades como Detroit, Chicago, Filadélfia e Nova Iorque, o desemprego negro em 1932 variava de 40 a mais de 55 por cento. Salários eram baixos e assistência era praticamente nula. [12]

O Ato de Recuperação Nacional de 1933 de Roosevelt – um programa de despesas govern­amentais destino a aliviar o impacto da crise – na verdade, piorou as condições dos negros. Escreve o historiador Philip Foner:

Milhares foram despedidos e substituídos por trabalhadores brancos, em trabalhos onde negros recebiam menos que o salário mínimo estabelecido; em agosto de 1933, negros o chamavam de “Ato de Remoção de Negros” […] Foram dadas sanções legais a escalas salariais mais baixas do Sul, especialmente aos negros. [13]

A Depressão criou as condições para massivas explosões de descontentamento entre todos os trabalhadores, particularmente entre os negros. Entretanto, a Federação Americana do Trabalho (AFL, no inglês), dominada por artesões e segregacionista, assim como as organizações negras tradicionais como a Liga Urbana e a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (National Association for the Advancement of Colored People, NAACP), com a sua ênfase em ações judiciais, ofereceu pouca ou nenhuma resposta à crise. O fato de que o Partido Comunista tornou sua prioridade aumentar as demandas em torno do racismo como parte da luta de classes geral, significou que os trabalhadores negros eram mais receptivos ao apelo de classe do Partido Comunista para a unidade na luta dos trabalhadores negros e brancos.

O Partido Comunista iniciou uma multitude de esforços contra o racismo ao longo da década da Depressão. Os membros do Partido Comunista comandaram esforços contra as más condições de habitação e contra despejos, por auxílio-desemprego, e contra a violência policial e linchamentos. Foram organizadas campanhas de massa pela defesa das vítimas de injustiça racial; peticionaram contra a segregação no baseball; organizaram encontros, festas, demonstrações e reuniões sociais inter-raciais tanto no Norte quanto no Sul; iniciaram campanhas para erradicar manifestações de racismo dentro do partido. Quando os comunistas viajaram para Washington para se manifestarem em nome dos Scottsboro Boys, eles pararam no caminho para sentarem-se em restaurantes que se recusavam a servir negros – uma tática adotada pelo movimento dos direitos civis na década de 1960 [14]. Nesses anos, o Partido Comunista foi capaz de desafiar organizações negras tradicionais, como a NAACP e os garveyistas.

Como resultado, a adesão de negros ao Partido Comunista aumentou de 200 membros em 1930 (menos de 3 por cento do total) para 7.000 em 1938 (mais de 9 por cento). Em algumas cidades, a porcentagem de membros negros era consideravelmente mais alta. Em Chicago, em 1931, quase um quarto dos 2.000 membros da cidade eram negros. Como os negros constituíam 11 por cento do total da população dos EUA naquela época, essas figuras representavam um pequeno passo, ainda que importante, na construção de um movimento multirracial. Em um tempo em que a segregação era generalizada – legalmente no Sul, e de fato no Norte – o Partido Comunista era, virtualmente, a única organização integrada no país. [15]

O Partido desenvolveu e promoveu, sistematicamente, líderes negros na organização, começando em 1929 na eleição de seis negros para o seu comitê central. Também anunciou James Ford, líder negro do Partido Comunista, como candidato vice-presidencial nas eleições de 1932 e 1936.

Os Primeiros Anos da Depressão

Em 1930, o Partido Comunista organizou o Dia Internacional do Desemprego no dia 6 de março – uma série de protestos nacionais que reivindicavam auxílio-desemprego. As marchas ao redor do país levaram entre 500.000 a um milhão de pessoas às ruas. Esse foi o primeiro grande levante durante a Depressão, e a primeira vez, em muitas cidades, que desempregados negros e brancos foram vistos marchando lado a lado pelos seus direitos.

No bairro Union Square de Nova Iorque, os protestos levaram às ruas mais de 50.000 pessoas, um quarto dos quais eram negros. Quatro policiais e mais de 100 manifestantes foram feridos quando 1.000 policiais invadiram a multidão brandindo cassetetes. Negros lutaram lado a lado com os brancos para proteger a marcha contra a polícia.

Milhares de pessoas se juntaram às manifestações multirraciais organizadas pelo PC, para salvar as famílias de despejos ao redor do país. Em Chicago, no dia 3 de agosto de 1931, um incidente matou três negros, quando a polícia abriu fogo contra 500 pessoas que haviam impedido o despejo de uma mulher negra.

Ao longo da semana, houve protestos massivos de 5.000-8.000 pessoas, e 1.500 policiais patrulharam o Lado Sul com armas de choque e bombas de gás lacrimogênio. Os corpos de Abe Gray, um comunista, e de Jim O’Neil, um membro do Conselho dos Desempregados (Unemployed Council), jaziam sob um grande retrato de Lênin. Um cortejo fúnebre pelos trabalhadores caídos, atraiu 60.000 participantes e 50.000 espectadores, bloqueando todo o tráfego. [16]

A Marcha da Fome da Ford demonstra como o PC tornou as demandas dos trabalhadores negros um componente crítico do seu trabalho contra o desemprego. Em 7 de março de 1932, o PC organizou uma marcha da fome na Ford Motor Company exigindo empregos, 50 por cento de salário para desempregados e um auxílio-inverno de 50 dólares por família. Os trabalhadores carregavam placas com os dizeres: “Não à discriminação contra negros quanto à empregos, auxílios, assistência médica, etc.” A polícia abriu fogo contra os 3.000 manifestantes. Quatro deles foram mortos e mais de 30 foram feridos. Um desses quatro trabalhadores mortos no ataque era Curtis Williams, um trabalhador negro desempregado da Ford. Cinco dias depois, um cortejo fúnebre realizado em nome dos quatro trabalhadores assassinados atraiu 30.000 trabalhadores – a maior manifestação em Detroit até aquele momento. [17]

No Harlem, o trabalho do Partido Comunista contra o desemprego, deu-lhe a reputação de ser a organização disposta a lutar contra o desemprego dos trabalhadores negros e brancos. Em 1932, dirigentes negros do Partido Comunista lideraram várias marchas locais reivindicando auxílio das autoridades locais. Em um dos “Scottsboro locais” do Harlem, o PC organizou protestos pela libertação de Sam Brown, um dirigente do conselho dos desempregados, que foi sentenciado a seis meses de prisão por liderar um protesto contra o desemprego (o líder branco do conselho que foi preso junto a ele, recebeu apenas uma sen­tença de 10 dias). Uma manifestação de centenas de pessoas, na qual os brancos predominavam, foi orga­nizada na frente da casa do juiz. Depois de um confronto com a polícia, muitos foram presos. Mark Naisan, um historiador do Partido Comunista do Harlem, escreve:

A vontade de tantos comunistas brancos de resistir às prisões e espancamentos para proteger um camarada negro, deu aos argumentos comunistas, em nome da solidariedade inter-racial, uma nova lógica e materialidade. Muitos dos líderes negros do conselho que participaram nessa luta… se tornaram alguns dos mais sólidos e confiáveis comunistas do Harlem. [18]

Essas lutas alcançaram resultados. Por exemplo, uma manifestação de 500 pessoas liderada pelo conselho dos desempregados do Harlem, em 1933, ganhou aluguéis e cheques alimentares para 25 pessoas. O PC ganhou uma reputação como a organização para qual os trabalhadores e trabalhadoras negras deveriam recorrer.

Na luta por empregos, o PC encarou uma competição política feroz com os grupos negros nacionalistas.  Um dos nacionalistas locais proeminentes, Sufi Abdul Hamid – que logo se autointitulou o “Hitler Negro” e que exigia que os judeus fossem expulsos do Harlem – em 1934, organizou um boicote à Woolworth e à outras lojas a partir de uma abordagem anti-branco, coletando dinheiro de seus apoi­adores em troca de empregos nas lojas que eles haviam piquetado.

Argumentando que essa abordagem aprofundaria a divisão racial entre trabalhadores negros e brancos, o PC organizou sua própria campanha de empregos, unindo negros e brancos em piquetes reivindicando pela contratação de negros, mas exigindo que nenhum branco fosse despedido. O boicote levado a cabo pelo PC à Cafeteria Empire, da rua 125, forçou o restaurante a contratar quatro negros, sem despedir nenhum de seus empregados brancos. O impacto dessas lutas, nas quais os trabalhadores brancos eram vistos tomando a dianteira na luta por empregos para os negros, aumentou o prestígio do Partido Comunista.

Entretanto, o sectarismo do Terceiro Período frente à outras forças políticas enfraqueceu os impactos do seu trabalho. Em 1930, por exemplo, os comunistas tumultuaram uma conferência sobre o desemprego no Harlem, presidida por Philip Randolph – presidente negro da Irmandade dos Bagageiros de Vagão Ferroviário (Broth­erhood of Sleeping Car Porters) e líder no Partido Socialista. Ainda que entre as demandas da conferência se incluía uma reivindicação por jornadas de trabalho de cinco dias e de oito horas por dia, e por trabalhos públicos para os desempregados, os comunistas que compareceram denunciaram os participantes como “traidores.” [19]

O ultraesquerdismo do Partido Comunista bloqueou-o de recrutas e aliados potenciais. Mas a sua militância explorou uma raiva e um ressentimento crescente que outras organizações não ousavam tocar – e a sua de­­fesa das necessidades e dos direitos dos trabalhadores negros rendeu-lhe a reputação de antirracista, que atraiu um número significante de negros às suas fileiras.

Scottsboro
A campanha de libertação dos Scottsboro Boys, mais do que qualquer evento, marcou a emergência do Partido Comunista como uma força na vida em Harlem. O papel do Partido no caso, e seu conflito com a NAACP, foram notícias de primeira página por anos, e seus comícios deram-lhe entrada para igrejas, organizações fraternais, e clubes políticos que, até então, estavam fechados à eles. De caixotes, púlpitos e pódios, comunistas negros e brancos tornaram os detalhes do caso Scottsboro uma parte da consciência diária da comunidade, até que ‘Scottsboro se tornou sinônimo do racismo, da repressão e da injustiça sulista.’ [20]

Em 1930, nove homens e meninos negros pobres, com idade entre 13-21, foram presos no Alabama e acusados de estuprarem duas mulheres brancas num trem de carga. Embora não houvesse evidência que os incriminassem – nem mesmo pr­ovas de que havia ocorrido estupro – os nove foram julgados, condenados e sentenciados à morte no prazo de duas semanas, em meio a uma atmosfera de linchamento.

A Defesa Internacional do Trabalho (International Labor Defense, ILD) organizada pelo PC, rapidamente avançou com o caso, persuadindo os réus e seus familiares a realizar uma campanha envolvendo tanto uma defesa jurídica sólida – a qual, pela primeira vez, desafiou a exclusão de negros dos júris –, quanto movimentos de protestos em massa para assegurar a sua soltura.

O caso Scottsboro dividiu a população negra segundo as classes sociais. A NAACP, – comprometida com uma política de pressão moderada através dos tribunais e do Congresso, e contrária à protestos em massa – inicialmente, mostrou-se desinteressada no caso. “A última coisa que a NAACP queria,” escreve o historiador do caso Scottsboro Dan T. Carter, “era associar a Associação com uma gangue de estupradores em massa, ao não ser que eles estivessem, razoavelmente seguros de que os meninos eram inocentes, ou de que seus direitos constitucionais haviam sido comprometidos.” [21]

Alarmados com a possibilidade de serem ofuscados pelo Partido Comunista, a NAACP logo manobrou, sem sucesso, para assumir o caso Scottsboro. Mas, mesmo assim, eles não o fizeram com a intenção de se provarem como defensores dos inocentes, mas para lhes garantir um “julgamento justo.” Um “julgamento justo” de um júri composto unicamente de brancos, no Alabama da década de 1930, de nove negros acusados de estuprarem duas mulheres brancas, era impossível.

A NAACP fez de tudo para se distanciar do Partido Comunista, oferecendo uma abordagem mais moderada, como uma forma de evitar o radicalismo entre os negros pobres. O líder da NAACP, Charles McPherson, por exemplo, desencorajou uma campanha em massa liderada pela ILD, na defesa de outra vítima negra da injustiça sulista porque “os brancos de Birmingham ficariam irritados.” [22]

O PC era tão sectário que, quando o advogado Clarence Darrow – o advogado liberal mais famoso dos EUA – se ofereceu para ajudar a defender os Scottsboro Boys, em 1931, os advogados da IDL somente aceitariam a sua ajuda se ele renunciasse à NAACP.

A IDL reuniu-se com as mães dos Scottsboro Boys em todo o país, por vezes reunindo milhares de pessoas. Uma das mães, Janie Patterson, que se autointitulava “uma das vermelhas”, tornou-se uma oradora efetiva na campanha. Em uma manifestação em New Haven, em Connecticut, ela disse: “Eles tentaram me dizer que a ILD se resumia a brancos e vermelhos. Eu não tenho escolarização, mas eu tenho cinco sentidos e eu sei que os negros não conseguem ganhar sozinhos… Eu não ligo se eles são vermelhos, verdes ou azuis. Eles são os únicos que lutaram para salvar esses jovens e eu estou com eles até o fim.” [23]

O PC organizou um protesto em massa no Harlem, em abril de 1931, que começou com 200 comunistas majoritariamente brancos, e se expandiu para mais de 3.000 pessoas, de maioria negra, protestando contra o linchamento jurídico.

A ILD também defendeu os trabalhadores contra linchamentos, e lutou para libertar outras vítimas da injustiça racista. Para dar só um exemplo: um trabalhador negro de Selma, Ed Johnson, foi preso e acusado de estupro em 1934. Logo depois, a mulher branca admitiu que a polícia tinha forçado-a a mentir. Quando a polícia tentou entregar Johnson para uma multidão ávida de linchamento, a ILD organizou um esquadrão de defesa formado por veteranos e escoltaram Johnson até um lugar seguro [24]. O historiador do PC em Birmingham, Robin Kelley, resume brilhantemente o papel da ILD:

Ativistas negros e brancos da ILD colocavam-se como defen­sores dos direitos constitucionais e civis básicos da comunidade negra estadunidense e, portanto, entraram num reino da prática política que era, geralmente, considerado reservado aos movime­ntos inter-raciais burgueses e liberais negros. A ILD não era somente mais uma voz falando em nome dos negros pobres; era um movimento composto por negros pobres. Ela não fornecia somente uma defesa jurídica gratuita e procurava expor a “base classista” do racismo no Sul; ela deu aos trabalhadores negros o que organizações tradicionais da classe média não poderiam dar – uma voz política. [25]

O caso Scottsboro levou muitos anos para ser resolvido. Em 1937, quatro dos nove réus foram finalmente libertados, e os últimos não o foram até 1950.

A estratégia da ILD de organização de uma campanha multirracial em massa, para libertar os Scottsboro Boys se justificou. Se o PC não tivesse organizado uma campanha nacional em massa, o caso Scottsboro teria rapidamente se tornado um linchamento sulista típico. Em vez disso, se tornou um grito de manifestação contra a injustiça, e uma prova de que os trabalhadores negros e brancos poderiam se unir como uma classe na luta contra o racismo.

O Partido Comunista no Alabama

No Sul, o trabalho do Partido Comunista centrou-se em Birmingham, no Alabama. Em condições de repressões comparáveis à Rússia czarista, o PC foi capaz de organizar trabalhadores negros e brancos na luta por auxílio, pelos Scottsboro Boys, e por direitos sindicais. E, rapidamente, ganhou a reputação, entre a classe dominante sulista, como uma organização de “igualdade racial”. Em nenhum outro lugar, a relação entre exploração de classe e opressão racial era mais clara. A classe dominante sulista havia construído, cuidadosamente, um sistema de violência racial e de segregação projetado para explorar, mais eficientemente, tanto os trabalhadores negros quanto os trabalhadores brancos. O PC era temido e odiado porque a sua reivindicação da unidade e igualdade entre brancos e negros ameaçava destruir esse edifício.

O trabalho do PC no Sul começou quando, em 1929, este mandou dois dirigentes brancos à Birmingham. No final da década de 1930, o PC de Birmingham havia crescido para 90 membros, e havia recrutado 500 trabalhadores para “organizações de massa.” Em 1933, o Partido havia recrutado quase 500 membros, a maioria deles sendo trabalhadores negros. Só em Birmingham, o número de membros do PC atingiu o pico de 1.000 em 1934. [26]

Os negros que se aproximaram do PC ficaram impressionados com a empenho dos comunistas brancos em tratar os trabalhadores negros como iguais. Angelo Herndon, ativista do PC, escreve: “Nós éramos chamados de ‘camaradas’, sem condescendência ou patrimonialismo. Melhor ainda, nós éramos tratados como iguais e como irmãos.”

A teoria do Cinturão Negro não desempenhou nenhum papel no trabalho do Partido Comunista. Seus resultados foram atingidos ao suscitar as questões imediatas e de extrema preocupação para os trabalhadores negros: por auxílio-desemprego, contra as injustiças jurídicas e a segregação, pelo direito de organizar sindicatos, por salários mais altos e mais igualitários, e pelo fim dos linchamentos. [27]

Como no Norte, o sucesso inicial do PC centrou-se na luta por auxílio-desemprego. Em maio de 1931, a primeira manifestação por auxílio-desemprego em Birmingham, realizada no Capitol Park, atraiu 700 negros e 100 brancos. No dia 7 de novembro, outra manifestação foi convocada, e atraiu 7.000 trabalhadores desempregados, de maioria negra.

No próximo ano, uma manifestação no Dia de Maio, organizada pelo PC de Birmingham, atraiu 3.000 trabalhadores. A polícia, apoiada por legionários brancos e por membros da Ku Klux Klan, atacou a manifestação, e os manifestantes revidaram. No outro dia, um grupo de mulheres negras que participavam de uma reunião do Partido, “perguntaram, entusiasticamente, qual era a data e a hora da próxima manifestação, ‘porque elas queriam chicotear um policial.'”

Esses protestos foram impressionantes, dado o nível de repressão no Sul daquela época. O linchamento era muito comum, e qualquer um se organizando contra o racismo ou por direitos sindicais era alvo de violência por parte de organizações supremacistas brancas e pela polícia, cujos membros, frequentemente, se sobrepunham. Somente em 1934, o número de grupos locais da KKK cresceu em 44. Em resposta à um panfleto “Negros, tomem cuidado” da KKK, que procurava manter os negros afastados dos comunistas, um panfleto da IDL foi emitido, advertindo: “KKK! Os Trabalhadores Estão Te Observando!”

O Estado, em resposta às atividades comunistas, promulgou leis que baniam a distribuição de literatura radical. A repressão forçou os membros do PC a trabalharem clandestinamente. Reuniões eram realizadas em segredo. Mulheres negras, disfarçadas de lavadeiras, contrabandeavam panfletos para fora das casas de comunistas brancos em cestos de roupas sujas. Os dirigentes do Partido escondiam cópias dos jornais do PC em árvores ocas.

Os meeiros negros foram aqueles mais infligidos pela repressão, e foram estes quem o PC organizou no Sindicato dos Agricultores e Trabalhadores Rurais (Croppers and Farm Workers Union, CFWU) em 1931, e que cresceu para 800 membros em questão de meses.

O sindicato foi esmagado depois que uma reunião sindical, em Camp Hill no Alabama, em nome dos Scotts­boro Boys, foi dispersada por vigilantes brancos armados, que assassinaram Ralph Gray – um dos fundadores do CFWU – e queimaram a sua casa. Os remanescentes do CFWU, se reagruparam e formaram a União dos Meeiros (Share Croppers Union, SCU). Diante de uma repressão maciça e total, os meeiros da SCU foram forçados a disfarçarem as suas reuniões como reuniões “bíblicas”, e a armarem-se. O líder do Partido Comunista, Harry Haywood, notou que os meeiros vinham para as reuniões com um “pequeno arsenal.”

Em 1932, as tensões voltaram a escalar numa cidade perto de Camp Hill, quando 15 membros negros armados da SCU defenderam um agricultor endividado cujas terras estavam sendo confiscadas. Eles se envolveram em um tiroteio com um grupo de xerifes, que deixou um membro da SCU morto e vários feridos. Na onda de terror que se seguiu, os negros foram forçados a fugir para as florestas para escapar dos bandos de vigilantes armados. James Clifford – ferido durante o tiroteio – morreu na prisão, mais tarde, depois de lhe ter sido negado assistência médica. Um cortejo fúnebre, realizado em Birmingham em nome dos dois membros da SCU assassinados, atraiu 3.000 manifestantes e 1.000 espectadores.

Apesar da repressão, a SCU, em seu auge, registrou mais de 8.000 meeiros, alguns deles brancos, mas de maioria negra.

Em Birmingham, ainda mais do que nas cidades do Norte, o PC foi capaz, durante um tempo, de se colocar como a organização mais preocupada com as questões e exigências dos trabalhadores negros. Em Birmingham, a classe média negra era extremamente moderada no que diz respeito ao desafio à segregação. Não havia, virtualmente, nenhuma outra organização além do Partido Comunista que possuía a pretensão de organizar os trabalhadores negros e os pobres pelos seus direitos. Portanto, o PC era, praticamente – até o CIO chegar ao sul – o único ponto focal de radicalização entre os trabalhadores negros. O Partido Comunista chegou a ser visto como a organização lutando contra o racismo Jim Crow. No Harlem, por outro lado, o ultraesquerdismo do Terceiro Período do Partido Comunista foi mais prejudicial, porque impediu o PC de apelar à unidade de princípios em torno das lutas imediatas, que poderia ter ajudado a afastar os negros dos garveyista nacionalistas ou da NAACP liberal – ambos dos quais tinham tido uma maior e mais influente presença entre os negros do Harlem.

O CIO e a Frente Popular

O ano de 1933 marcou o início do recrudescimento da luta de classes. As greves triplicaram de 1.856 em 1934, chegando ao pico de 4.470 em 1937 [28]. A onda de greves foi acompanhada por uma explosão na organização sindical: a filiação aumentou de 2.6 milhões em 1934, para 7.3 milhões em 1938.

Os trabalhadores negros eram uma parte significativa da força de trabalho: 9,9 por cento dos mineradores de carvão, 18,9 por cento dos trabalhadores na indústria de ferro e de aço, e 35 por cento dos estivadores [29]. Forçados a aceitar os empregos mais sujos, as piores remunerações, eles também começaram a se sindicalizar em números sem precedentes. Em 1930, 50.000 negros eram sindicalizados. Já em 1940, meio milhão de trabalhadores negros haviam se sindicalizado. [30]

Não muito depois da vitória de Hitler em 1933, a Comintern realizou uma mudança radical. Stálin, temendo um ataque nazista à URSS, procurou criar alianças militares com a Grã-Bretanha e com a França.  Alinhada com essa nova abordagem, a orientação ultraesquerdista do Terceiro Período deu lugar ao seu exato oposto: a Frente Popular. Os Partidos Comunistas foram chamados a unir-se com todos – até mesmo com os partidos burgueses – para pressionar os países “democráticos e antifascistas”.

Nos EUA, o PC se tornou, subitamente, um apologista acrítico de Roosevelt e do New Deal. Anteriormente denunciado como fascista, Roosevelt agora se tornou “o porta-voz antifascista mais célebre dentro das democracias capitalistas.” O líder do Partido Comunista, Earl Browder, listou entre as conquistas de Roosevelt em 1937, o “cumprimento dos direitos dos negros.” [31]

O giro da Comintern em direção à Frente Popular, em 1935, coincidiu com a criação do Congresso das Organizações Industriais (Congress of Industrial Organizations, CIO).  O CIO foi formado por John L. Lewis da United Mine Workers (UMW) e por um punhado de outros líderes sindicais da Federação Americana do Trabalho (AFL), que compreenderam claramente a necessidade de organizar os trabalhadores segundo linhas industriais. Ainda que nos anos 1920, Lewis tenha expurgado impiedosamente os comunistas e outros militantes da UMW, o aumento maciço da sindicalização e das greves o levaram à concluir que, para organizar sindicatos industriais Automotivos, do Aço e da Borracha, ele teria que trazer os melhores dirigentes. Os melhores dirigentes eram os membros do Partido Comunista.

A AFL era dominada por sindicatos de artesãos, que se recusavam a organizar trabalhadores não qualificados, autóctones, negros e imigrantes. Ao invés de desafiar a tática dos patrões de dividir para conquistar, os líderes da AFL, particularmente no Sul, se renderam ao racismo e à segregação.

Os avanços de Lewis e de outros da AFL na organização dos trabalhadores sob uma base industrial, automaticamente, colocou a questão da organização conjunta de todos os trabalhadores – negros e brancos, imigrantes e autóctones.  Sem o apelo aos trabalhadores negros para se juntarem e fazerem parte do novo movimento sindical, o CIO não poderia ser bem sucedido.

Em 1936, 40,3 por cento dos membros do PC eram sindicalizados, organizados em mais de 600 células partidárias [32]. Eles se tornaram importantes líderes e ativistas para o estímulo das organizações em massa no CIO. De acordo com o líder do PC, William Z. Foster, 60 dos 200 dirigentes que lançaram o Comitê Organizador dos Trabalhadores do Aço (Steel Workers Organizing Committee, SWOC) eram comunistas. E no Sindicato dos Trabalhadores em Automóveis (United Auto Workers, UAW), os membros do PC no chão da fábrica e nos sindicatos locais desempenharam papéis importantes nas greves de ocupação. Os membros e apoiadores do PC negros, foram cruciais para levar os negros para o CIO. Três dos primeiros seis dirigentes negros da UAW tinham experiência prévia com o Sindicato dos Trabalhadores em Automóveis organizado pelo PC. Um dirigente do SWOC – um membro negro do PC que tinha liderado marchas contra o desemprego no começo da década de 1930 – recrutou, sozinho, quase 2.000 trabalhadores siderúrgicos na área de Pittsburgh. [33]

O domínio das ideias racistas significava que os trabalhadores brancos não viam, automaticamente, a importância da união antirracista entre trabalhadores negros e brancos, mas o recrudescimento das lutas proporcionou as condições para a ruptura com o racismo.

Em algumas situações, trabalhadores brancos reconheciam, instintivamente, que as pautas antirracistas estavam na raiz dos sindicatos fortes e solidários. Trabalhadores siderúrgicos brancos se juntaram aos seus camaradas negros em sua “revolução pelos direitos civis” no final da década de 1930, nas cidades siderúrgicas recentemente organizadas ao longo dos rios Allegheny, Monongahela e Ohio, dessegregando tudo à vista, desde restaurantes, lojas de departamento, cinemas, até piscinas. [34]

Não é nenhum exagero dizer que os militantes do PC exerceram o papel mais importante na iniciação e na condução destas lutas para destruir as barreiras do racismo entre trabalhadores brancos e negros, e também na atração dos trabalhadores negros para o novo movimento trabalhista.

Entretanto, à medida que o PC se deslocava para sua fase da Frente Popular, abandonava seu trabalho de base em favor da acomodação com Lewis e com a burocracia do CIO. De fato, a condição de Lewis para tornar membros do Partido Comunista dirigentes sindicais – uma condição aceita pelo Partido – era de que eles deveriam minimizar a sua atuação política, e de se comportarem somente como bons ativistas. Ainda que os membros do PC eram líderes importantes na base das greves de ocupação, os líderes do PC apoiaram os esforços de Lewis para lhes pôr um ponto final. Essa tendência foi reforçada pela orientação do Partido Comunista de conquistar posições de liderança na burocracia. De acordo com Harvey Klehr, os membros PC guiaram 40 por cento dos novos sindicatos da CIO [35]. Essa orientação, em alguns casos, atenuou o compromisso do PC na luta contra o racismo.

Então, por exemplo, em 1937, no Sindicato dos Trabalhadores do Trânsito de Nova Iorque (New York’s Transit Workers Union), os líderes sindicais do PC não desafiaram a recusa do sindicato de incluir uma cláusula de não-discriminação em suas propostas de contrato, por medo de alienar seus trabalhadores brancos conservadores. [36]

A Frente Popular estimulou o Partido a trabalhar com organizações que, anteriormente, denunciara e com as quais tinha se recusado a trabalhar. No Harlem, o PC foi essencial na organização de uma forte manifestação de 25.000 negros e ítalo-americanos contra a invasão da Etiópia por Mussolini, numa época em que a italofobia era alta na comunidade negra. O anti-imperialismo do Partido Comunista, entretanto, foi maculado quando o New York Times revelou que Stálin estava vendendo petróleo e outros materiais para o governo de Mussolini. Vários neg­ros desertaram do Partido Comunista como resultado dessa revelação. [37]

O PC, em aliança com A. Philip Randolph e com vários líderes e organizações liberais negras, estabeleceu o Congresso Nacional Negro (National Negro Congress, NNC). O NCC foi crucial para ajudar a organizar os trabalhadores negros no CIO, e para trazer as pautas antirracistas para dentro do movimento trabalhista. Mas com o NCC, o PC aceitou um papel de parceiro júnior furtivo. Nessa e em todas as áreas do seu trabalho, esperava-se que os membros do PC minimizassem ao máximo ou, na pior das hipóteses, escondessem completamente, a sua filiação ao Partido, seguindo os seus aliados liberais.

A acomodação do PC à Roosevelt e ao liberalismo do New Deal, significou apoiar o Partido Democrata, que se recusou a desafiar a segregação por medo de alienar a sua ala sulista “Dixiecrat”. Roosevelt se recusou até a apoiar legislações anti-linchamento, numa época em que dúzias de linchamentos eram cometidos contra os negros todos os anos – 28 só em 1933. [38]

Os “New Dealers” do Sul se recusaram a desafiar os linchamentos, a segregação Jim Crow e a restrição das primárias dos Democratas à somente brancos. Isso, no entanto, não impediu o represen­tante sulista do PC no comitê central, John Ballam, de declarar:

Está inteiramente no campo da prática política para os trabalhadores, camponeses e para a classe média citadina — o povo comum do Sul —tomar posse do maquinário do Partido Democrata no Sul, e transformá-los em agência para a democracia e progresso. [39]

Os resultados práticos dessa nova abordagem – especialmente no Sul – foram impressionantes. Em 1937, o PC endossou o democrata do Alabama, Lister Hill, um oponente, como virtualmente todos os democratas sulistas do New Deal, da legislação anti-linchamento [40]. O jornal semanal do PC, Southern Worker– no qual corria regularmente cartas de trabalhadores negros descrevendo os seus problemas e condições – foi abandonado e substituído pelo New South, um “Periódico da Opinião Progressiva” destinado a atrair liberais sulistas. A ILD – a organização que atraiu milhares de negros de todo o país para a sua militância em torno do caso Scottsboro e outros – foi desmantelada sumariamente em 1937, e todos os membros do PC foram ordenados a se juntarem à NAACP. Ainda que sua filiação tenha se deslocado à esquerda sob a influência da retomada na luta de classes, a NAACP se manteve comprometida com os grupos de pressão e com os esforços jurídicos que asseguravam reformas modestas.

Em 1937, dirigentes comunistas da Marcha sobre Washington por Emprego não nomearam comissários negros e se recusaram a nomear negros para os grupos de pressão que atuavam no Congresso, por medo de constranger os sulistas que apoiavam a expansão dos auxílios. [41]

O oportunismo stalinista do PC desiludiu vários membros negros que haviam sido atraídos ao trabalho do PC contra o racismo. Embora o Partido tenha continuado a crescer, seus zigue-zagues políticos, ditados pela burocracia russa, acabou por comprometer e minar o seu empenho na luta contra o racismo. A credibilidade do PC corroeu ainda mais quando, em 1939, como resultado do pacto Hitler-Stálin, o partido voltou a inverter sua política de frente ampla e começou novamente a denunciar Roosevelt. Com a invasão de Hitler à Rússia, o partido se tornou, novamente, o maior apoiador de Roosevelt, fazendo um apelo aos negros para subordinarem as suas demandas pela integração do exército e da produção indu­strial ao sucesso do esforço de guerra – até mesmo apoiando a condução de estadunidenses com ascendência japonesa à campos de concentração.

Conclusão
Afirma-se, geralmente, que o Partido Comunista subordinou a luta pela libertação negra à política externa de Stálin. O problema é que, para muitos críticos, isso é visto como uma falha não do stalinismo, mas do marxismo. Nada poderia estar mais longe da verdade.

O abandono da luta negra militante pelo partido andou de mãos dadas com o seu apoio à Roosevelt, com sua acomodação ao liberalismo, e com seu distanciamento da classe trabalhadora – em suma, com o abandono do marxismo.

Alguns historiadores de esquerda argumentam que a frente popular foi um passo importante, porque retirou o PC do seu isolamento e o levou ao mainstream da política estadunidense.  Alguns, por outro lado, foram cativados pelo Terceiro Período devido à ultramilitância do Partido Comunista. A verdade é que em ambos os períodos, o PC – vinculado como estava aos ditames de Stálin – tinha deixado de ser um partido comprometido com o avanço da luta de classe nos EUA. Em seu Terceiro Período de ultraesquerda, o partido desperdiçou qualquer possibilidade de criação de uma frente ampla genuína. No período da Frente Popular, suas alianças duvidosas com liberais e sua devoção acrítica à Roosevelt, ajudou a repelir o impulso radical de dezenas de milhares de trabalhadores da política revolucionária.

Os marxistas revolucionários sempre estiveram na linha de frente da luta contra o racismo.  No centro do marxismo está a ideia de que os trabalhadores – a maioria da sociedade, de composição multirracial – só podem alcançar a sua emancipação se eles se unirem contra os seus opressores e exploradores comuns. É devido à essa visão que os socialistas sempre colocaram a luta contra o racismo em primeiro plano. Sem uma luta consistente contra o racismo, uma unidade baseada na igualdade não pode ser alcançada. Sem a superação das divisões que asseguram a dominação capitalista – das quais o racismo é a mais venenosa – a classe trabalhadora não pode se libertar.

A importância do trabalho do Partido Comunista na década de 1930 – apesar do stalinismo – está na demonstração que tal unidade na luta é possível nos Estados Unidos. Se o Partido Comunista tivesse realmente sido um partido revolucionário durante a Depressão, um partido que combinasse o compromisso na luta contra o racismo com a vontade de se unir com outras forças que ainda não tinham sido ganhas pelas ideias revolucionárias, poderia ter crescido ainda mais, conquistando decisivamente os trabalhadores – negros e brancos –, afastando-os do liberalismo “New Deal”, do NAACP e do beco sem saída do nacionalismo negro. Por que não era, uma oportunidade de grandes proporções foi perdida. Se compreendermos tanto as conquistas do PC na luta contra o racismo, quanto as razões das suas falhas, os socialistas de hoje podem aprender lições valiosas para a luta contra o racismo e pelo socialismo.


Notas

  1. GORMAN, Robert A. Black Neo-Marxism. Rethinking MarxismWinter, p. 120-123, 1989. Estas ideias são comuns na esquerda e possuem uma longa história. Vários negros que se desiludiram com a sua experiência no Partido Comunista – por exemplo, George Padmore, fundador do movimento Pan-Africanista, e o autor aclamado, Richard Wright – equacionaram o PC da década de 1930 como o marxismo, e chegaram a conclusões similares às de Gorman, que o marxismo “falha” com os negros.
  2. MARX. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, p. 257, 2013.
  3. Letter to Meyer and Voght, WritingsVol. 3. New York: Vintage, p. 169, 1977
  4. LÊNIN, V.I. The Socialist Revolution and the Right of Nations to Self-Determination. Collected WorksVol. 22. Moscow, 1976, p. 147-148.
  5. FONER, Philip; ALLEN, James S. (eds). American Communism and Black Americans Temple, p. 3, 1987. Na verdade, dois partidos comunistas foram formados em 1919 – o Partido Comunista Trabalhista e o Partido Comunista, os quais se fundiram em 1921.
  6. FONER; ALLEN, op. cit., p. 9.
  7. FONER, Philip. Organized Labor and the Black Worker: 1619-1981. New York: International Publishers, p. 149, 1981.
  8. CLIFF, Tony. Trotsky: The Darker the Night, the Brighter the Star 1927-1940. London: Bookmarks, p 110, 1993.
  1. ALPERIN, R. J. Organization in the Communist Party: United States, 1931-1938 Tese (Doutorado) – Curso de Ciência Política, Northwestern University, Illinois, 1959.
  1. SMITH, Sharon. End of the American Dream: The U.S. Working Class at the Crossroads. No prelo. p. 45.
  2. ALPERIN, op. cit., p. 32.
  3. SITKOFF, Harvard. A New Deal for Blacks. Oxford, p. 36-37, 1978.
  4. FONER, op. cit., p. 200.
  5. SMITH, op. cit., p. 43.
  6. ALPERIN, op. cit., p. 60.
  7. KLEHR, Harvey. The Heyday of American Communism. Basic, p. 332, 1984.
  8. FONER, op. cit., p. 196; LEVINE, Rhonda. Class Struggle and the New Deal. University of Kansas, p. 54, 1988.
  9. NAISON, Mark. Communists in Harlem During the Depression. New York: Grove Press, p. 78, 1974.
  10. SMITH, op. cit., p. 38. Este não foi o pior incidente. Em 16 de fevereiro de 1934 – depois da vitória de Hitler na Alemanha – 5.000 membros do Partido Comunista liderados por Robert Minor e Clarence Hathaway, o editor do Daily Worker, interromperam um comício socialista em Nova Iorque, chamado para protestar contra o massacre dos trabalhadores austríacos pelo chanceler fascista Dolfuss. Não há dúvidas que atividades como estas desmoralizaram os militantes no Partido Comunista e revoltaram apoiadores potenciais. [OTANELLI, Fraser M. The Communist Party of the United States. Rutgers, p. 56, 1991.]
  11. NAISON, op. cit., p. 60.
  12. CARTER, Dan T. Scottsboro: A Tragedy of the American South. Louisiana State, p. 52, 1994.
  13. KELLEY, Robin. Hammer and Hoe: Alabama Communists During the Great Depression. Chapel Hill, p. 84, 1990.
  14. CARTER, op. cit., p.144.
  15. KELLEY, op. cit., p. 90.
  16. Ibid., p.91.
  17. Materiais dessa seção foram tirados de Kelley, Hammer and Hoe, exceto onde indicado. O livro de Kelley sobre o Partido Comunista no Alabama e o livro de Naison sobre o PC no Harlem são, de longe, os melhores livros sobre o PC na década de 1930, e muito do material para este artigo recorre a eles.
  18. OTANELLI, op. cit., p. 39.
  19.  ALPERIN, op. cit., p. 29.
  20. Ibid., p. 33.
  21. FONER, op. cit., p. 231.
  22. KLEHR, op. cit., p. 207; e OTANELLI, op. cit., p. 114-115.
  23. ALPERIN, op. cit., p. 53-55.
  24. FONER, op. cit., p. 219.
  25. GOLDFIELD, Mike. Was There a Golden Age of the CIO? Trade Union Politics, American Unions and Economic Change 1970s-1990s. Humanities Press, p. 88, 1995.
  26. KLEHR, op. cit., p. 238.
  27. NAISON, op. cit., p. 265-266.
  28. NAISON, op. cit., p. 157. RECORD, Wilson. The Negro and the Communist Party. Athaneum, p. 139, 1951.
  29. SITKOFF, op. cit., p. 288.
  30. KELLEY, op. cit., p. 177.
  31. Ibid., p. 134.
  32. NAISON, op. cit., p. 264.

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