Entre Marx, marxismo e marxismos: leituras da teoria de Marx

Por Ingo Elbe, via Viewpoint, traduzido por Reginaldo Gomes e Romulo Cassi

A presente tradução do texto “Zwischen Marx, Marxismus und Marxismen – Lesarten der Marxschen Theorie” de Ingo Elbe tem como base sua tradução para o inglês, publicada na Viewpoint, com acréscimos textuais decorrentes do amplo cotejamento com o original em alemão, no qual contamos com o importante auxílio do camarada André Vaz, a quem agradecemos enormemente. Eventuais erros remanescentes são de responsabilidade exclusiva dos tradutores.

O objetivo das observações a seguir é oferecer uma visão geral aproximada das leituras centrais da teoria de Marx. Estas serão apresentadas – por meio de alguns tópicos selecionados – como marxismos, delimitados uns dos outros de modo relativamente claro, e a história de sua recepção e influência será avaliada em relação ao que, no senso comum, se entende por “a” teoria de Marx.

Será feita uma distinção entre a interpretação até então predominante de Marx, principalmente aquela partidária-oficial (marxismo tradicional, marxismo no singular, se você preferir), e as formas críticas e dissidentes de recepção de Marx (marxismos no plural), com suas respectivas reivindicações de um “retorno a Marx”. A primeira interpretação é entendida como produto e processo de uma leitura restrita de Marx, em parte emergindo da camada “exotérica” de sua obra, que perpetua paradigmas tradicionais na economia política, na teoria da história e na filosofia. Sistematizada e elevada à doutrina por Engels, Kautsky et al., ela sucumbe às mistificações do modo de produção capitalista e culmina na ciência apologética do marxismo-leninismo. As segundas, sobretudo o marxismo ocidental e a nova leitura de Marx [neue Marx-Lektüre] alemã, geralmente exploram o conteúdo “esotérico” da crítica e da análise de Marx da sociedade, frequentemente consumada fora de programas de pesquisa cumulativos e institucionalizados, por atores isolados no estilo de um “marxismo subterrâneo”[1] [Untergrund-Marxismus].

Para caracterizar ambas as formas de leitura, algumas teses fortemente abreviadas, limitadas a alguns aspectos, devem ser suficientes. Em particular, não poderá ser aqui realizada a ambiciosa proposição, formulada pela primeira vez por Karl Korsch, de uma “aplicação da concepção materialista da história à concepção materialista da própria história”[2] – que vá além de uma mera apresentação da história das ideias e da crítica imanente da teoria e considere, conforme a crítica da ideologia, a conexão entre formas históricas de práxis e formações teóricas do marxismo. Além disso, uma consideração daquelas leituras que são críticas a Marx ou ao marxismo pode aqui ser desconsiderada, na medida em que a imagem que estes têm de Marx quase sempre coincide com a dos marxistas tradicionais.

Inicio, portanto, com o modelo interpretativo hegemônico do marxismo tradicional, e só ao final da minha apresentação extrairei algumas determinações positivas daquilo que considero como as intenções sistemáticas fundamentais da obra de Marx. Faço isso principalmente porque uma leitura diferenciada da obra de Marx só pode ser obtida no curso dos processos de aprendizagem do marxismo ocidental e da nova leitura de Marx.

1. Marxismo

O termo “marxismo” foi provavelmente utilizado[3] pela primeira vez em 1879 pelo social-democrata alemão Franz Mehring para caracterizar a teoria de Marx e se estabeleceu no fim dos anos 1880[4] como um termo de disputa usado tanto por críticos como por defensores dos “ensinamentos de Marx”. O nascimento de uma “escola marxista”, no entanto, é unanimemente datado a partir da publicação de Anti-Dühring por Friedrich Engels no ano de 1878, e a recepção subsequente desse trabalho por Karl Kautsky, Eduard Bernstein et al[5]. Os escritos de Engels – mesmo que os termos “marxismo” ou “materialismo dialético”, autorrotulações das leituras tradicionais, ainda não apareçam neles – forneceram a gerações inteiras de leitores, marxistas e antimarxistas, o modelo interpretativo através do qual a obra de Marx foi compreendida. Em particular, a resenha da Contribuição à Crítica da Economia Política (1859) de Marx, a obra tardia Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã (1886), e o Suplemento ao Volume III de O capital (1894/95), alcançaram uma influência que dificilmente pode ser subestimada. Mas sobretudo foi o Anti-Dühring que foi estilizado como o manual da teoria marxista, bem como uma apresentação positiva de uma “visão de mundo marxista”: para Kautsky, “não há outro livro que tenha contribuído tanto para entender o marxismo. O capital de Marx é o maior. Mas foi primeiro através de Anti-Dühring que nós aprendemos a ler e aprender corretamente O capital[6]. E, para Lenin, é um dos “manuais de todo trabalhador com consciência de classe.”[7]

Com isso se efetiva algo que será em geral característico da história “do” marxismo: o/os fundadores do corpus teórico não consideram “proveitoso […] aparecer enquanto aquele que propriamente dá nome […] os epônimos não são os reais porta-vozes”[8]. Sob diversos aspectos, o marxismo é obra de Engels e, por essa razão, é, na verdade, um engelsianismo. Aqui, mencionarei apenas dois pontos a que se pôde vincular uma recepção ideologizada e restrita de Marx.

1.1. A tendência ao determinismo ontológico

O socialismo científico foi concebido como um sistema ontológico, uma “ciência do quadro geral”[9]. A dialética materialista funciona aqui como uma “lei geral do desenvolvimento da natureza, da sociedade e do pensamento”[10], enquanto a natureza serve para Engels como uma “prova da dialética”[11]. Pelo simples fato de, em sua elucidação das características básicas da dialética, faltar a referência ao sujeito e ao objeto, Engels já realiza uma falsa analogia entre os processos histórico-sociais e os fenômenos naturais. A “negação da negação” ou a “transformação da quantidade em qualidade” são identificadas nas mudanças do estado físico da água ou no desenvolvimento de um grão de cevada. Contra um ponto de vista estático, a dialética deve demonstrar o “devir”, a “transitoriedade” de todo ser[12], e está ligada às dicotomias tradicionais da filosofia da consciência, como a chamada “grande questão fundamental de toda a filosofia” sobre qual componente da relação entre “ser e pensar” detém o primado[13]. A dialética é dividida em “dois conjuntos de leis”[14], na dialética “objetiva” [objektive] e na dialética “subjetiva” [subjektive], sendo que a última é entendida meramente como um reflexo mental passivo da primeira[15]. Engels restringe – até mesmo distorce – os três motivos elementares da filosofia da práxis [praxisphilosophische] de Marx, que ele ainda defendia parcialmente em seus escritos anteriores: 1) O reconhecimento de que não apenas o objeto, mas também a observação dele, é mediada histórica e praticamente[16], e não é externa à história do modo de produção. Face a isso, Engels enfatiza que “a visão materialista da natureza não significa nada mais do que a simples concepção da natureza tal como ela é, sem adição estranha”[17]. O realismo ingênuo da teoria do reflexo sistematizada por Lenin[18] et al. – que é vítima da aparência reificada [verdinglichten] do imediatismo daquilo que é socialmente mediado, o fetichismo de um ser-em-si de algo que existe apenas através de um contexto historicamente determinado da atividade humana – já obtém aqui seu fundamento[19]. Como “as coisas se referem à consciência e a consciência se refere às coisas”[20], então os conceitos de práxis e de mediação subjetiva do objeto, bem como as considerações crítico-ideológicas, dificilmente tem lugar neste paradigma. 2) O conceito negativo de natural-espontaneidade [Naturwüchsigkeit][21], que Engels havia usado em A ideologia alemã, é agora transformado em um conceito positivo. A suprassunção [Aufhebung] de leis sociais específicas baseadas na inconsciência dos atores sociais não é mais postulada; em vez disso, Engels postula a aplicação consciente das “leis gerais do movimento […] do mundo externo.”[22] 3) Se Marx escreve nas Teses sobre Feuerbach que “todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na prática humana e no compreender desta prática”[23], Engels agora reduz o conceito de prática ao de atividade experimental das ciências naturais[24]. Certamente, ambivalências e motivos de filosofia da práxis[25] também podem ser encontrados nos escritos do Engels tardio, que foram em grande parte apagados pelos epígonos. No entanto, Engels, inserido no cientificismo de sua época, deslocando a ênfase de uma teoria da prática social para uma doutrina do desenvolvimento contemplativa e alinhada à teoria do reflexo, prepara o caminho para uma concepção mecanicista e fatalista do materialismo histórico.

O evolucionismo vulgar da social-democracia europeia do século XIX é um fenômeno quase onipresente[26]. Por essa razão, não apenas para Kautsky, Bernstein e Bebel, o conceito determinista de desenvolvimento e a metafísica revolucionária de uma missão providencial do proletariado[27] ocupam lugar central na doutrina marxista: assim, a humanidade estaria subordinada a um automatismo “verificável pelas ciências naturais”. Aquilo que aqui se apresenta na roupagem científica moderna de um fetichismo legal [Gesetzesfetischismus] nada mais é, em última instância, do que uma metafísica da história com prenúncio socialista[28], precisamente a inversão entre sujeito e objeto que Marx havia criticado: um objetivo moralmente qualificado[29] é atribuído a um processo consumado pelas costas dos atores sociais. Finalmente, no Programa de Erfurt do Partido Social-democrata (SPD) da Alemanha, essa passividade revolucionária[30] é codificada também ao nível partidário-oficial como marxismo rigoroso: é tarefa do partido estar preparado para um acontecimento que, mesmo sem ele, acontecerá “por necessidade natural”; “não fazer a revolução, mas utilizá-la[31]. A orientação ontológica e o caráter enciclopédico das deliberações de Engels portam, além disso, a tendência à interpretação do socialismo científico como uma visão de mundo [Weltanschauung] proletária abrangente. Por fim, Lenin apresentará a “doutrina de Marx” como “ideologia proletária” e substituta da religião, doutrina “onipotente”, “completa e harmoniosa” que “fornece aos homens uma visão de mundo uniforme”[32][33]. Por conseguinte, o conceito negativo de ideologia é neutralizado em uma categoria para a determinidade do ser da consciência.

Todos esses desenvolvimentos, que sem dúvida constituem uma regressão teórica, culminam finalmente na teoria do “marxismo-leninismo”, aperfeiçoado por Abram Deborin e Josef Stalin. Se, para Lenin – apesar de toda ênfase sobre a política –, o marxismo constitui a “doutrina […] mais profunda do desenvolvimento”[34] que chama a atenção para rupturas e saltos tanto na natureza como na sociedade, no marxismo-leninismo essa corrente naturalista-objetivista é elevada a uma doutrina de Estado. A figura central de argumentação será: o que é válido para a natureza também deve ser válido para a história. Ou: a natureza dá saltos, então também a história. A práxis política é assim entendida como a consumação de leis históricas. Essa lógica cristalina é aperfeiçoada na obra Sobre o Materialismo Dialético e o Materialismo Histórico de Stalin – por décadas uma obra oficial na teoria marxista do bloco do Leste: o materialismo histórico representa a “seção história” de um sistema de visão de mundo, a “aplicação” e a “extensão” de princípios ontológicos à sociedade, o que implica um essencialismo epistemológico (uma teoria do reflexo, que, na forma do materialismo dialético [DiaMat], concebe o “ser” e a “consciência” [Bewusstsein] independente do conceito de práxis) e um naturalismo sociológico (uma lógica de desenvolvimento – a ser “conscientemente aplicada” ou “acelerada” pelo partido como a mais alta instância tecnocrática[35] – existente independente do agir humano)[36].

1.2.A interpretação historicista do método morfogenético [formgenetischen Methode]

Se a afirmação de Lenin de que “meio século depois de Marx, nenhum marxista o compreendeu”[37] – uma máxima que, no entanto, neste caso também se aplica ao próprio Lenin[38] – tem alguma validade, então é certamente quanto à interpretação da crítica da economia política. Mesmo 100 anos depois da publicação do primeiro volume de O capital, os comentários de Engels ainda eram amplamente considerados como as únicas avaliações legítimas e adequadas da crítica da economia de Marx. Nenhuma leitura era tão indiscutível na tradição marxista quanto a de Engels, desenvolvida casualmente em textos como a resenha da Contribuição a Crítica da Economia Política (1859) ou o Suplemento ao volume III de O capital (1894) de Marx. Aqui, de maneira muito mais explícita do que na concepção objetivista do materialismo histórico, o marxismo é um engelsianismo.

No contexto de sua concepção de reflexo, Engels interpreta o primeiro capítulo de O capital como uma apresentação simultaneamente lógica e histórica da “produção simples de mercadorias” desenvolvendo-se em direção às relações de trabalho assalariado capitalista, “apenas despojado da forma histórica e dos desvios das ocorrências aleatórias”[39]. O termo “lógico” neste contexto basicamente não significa nada além de “simplificado”. O método de exposição, a sequência de categorias (mercadoria, as formas simples, desdobrada, e universal do valor, dinheiro, capital) na crítica da economia política é, portanto, “simplesmente o reflexo, em forma abstrata e teoricamente consistente, do curso histórico”[40]. O exame da gênese da forma-dinheiro [Geldform] é entendido como a descrição de um “evento real que realmente ocorreu em algum momento ou outro, ou que ainda está ocorrendo” e não como “um processo de pensamento abstrato, que ocorre apenas em nossas cabeças”[41]. Em nenhuma outra passagem de sua obra Engels reduz tão drasticamente o materialismo histórico a um empirismo e historicismo vulgar, como é evidenciado por sua cadeia associativa “materialismo – fatos empiricamente verificáveis – processo real” vs. “idealismo – processo abstrato de reflexão – domínio puramente abstrato”.

Com o método “lógico-histórico”, Engels fornece a palavra de ordem que será recitada e enfatizada ad nauseam na ortodoxia marxista. Karl Kautsky, em suas descrições extremamente influentes, entendeu O Capital como sendo uma “obra essencialmente histórica”[42]: “Marx foi encarregado de reconhecer o capital como sendo uma categoria histórica e de provar a sua emergência na história, em vez de construí-lo mentalmente”[43]. Rudolf Hilferding também afirma que “de acordo com o método dialético, a evolução conceitual corre em paralelo com a evolução histórica”[44]. Tanto o marxismo-leninismo[45] quanto o marxismo ocidental[46] seguem Hilferding nesta avaliação. Mas se a crítica da economia política é interpretada como uma historiografia, então, consequentemente, as categorias do início devem corresponder diretamente a objetos empíricos, por exemplo, a dúbia mercadoria pré-capitalista não determinada pelo preço[47], e a análise da forma do valor deve começar com a imagem  de uma interação aleatória e sem dinheiro entre dois proprietários de mercadoria – com a chamada “produção simples de mercadorias”[48] de Engels, uma época econômica que ele data de 6.000 a.C. ao século XV d.C. De acordo com esta concepção, a lei do valor de Marx[49] opera nesta época eventualmente numa forma pura “não adulterada” pela categoria de preço, que Engels ilustra com o exemplo fabricado de uma “troca” não monetária entre camponeses e artesãos medievais: trata-se aqui de uma relação social transparente entre produtores imediatos que são ao mesmo tempo os donos dos seus meios de produção, em que um produtor trabalha sob o olhar atento do outro, e, portanto, “o camponês da Idade Média sabia com bastante exatidão o tempo de trabalho necessário para a produção dos objetos obtidos por ele no escambo”[50]. Nas condições desta “troca natural”, não é algum critério normativo que é para ele “a única medida adequada para a determinação quantitativa das mercadorias a serem trocadas”[51], mas sim a abstração de um tempo de trabalho medido de forma consciente e direta pelos atores. Nem o camponês nem o artesão são tão estúpidos para trocar quantidades desiguais de trabalho[52]: “Nenhuma outra troca é possível em todo o período da economia natural camponesa, a não ser aquela em que as quantidades de mercadorias trocadas tendem a ser medidas cada vez mais conforme as quantidades de trabalho nelas incorporadas”[53]. Segundo Engels, o valor de uma mercadoria é determinado conscientemente pelo trabalho, medido em tempo, dos produtores individuais. Nesta teoria do valor, o dinheiro não desempenha um papel constitutivo. Por um lado, é um auxiliar e um lubrificante para a troca que é externa ao valor, mas por outro, serve para obscurecer a substância do valor: de repente, em vez de trocar de acordo com as horas de trabalho, em algum ponto a troca é conduzida por meio de vacas e então de porções de ouro. A questão de como essa noção de cada mercadoria sendo seu próprio dinheiro-trabalho[54] pode ser reconciliada com as condições da produção privada baseada na divisão do trabalho não é colocada por Engels. Engels – como será elaborado pela nova leitura de Marx – pratica exatamente aquilo que Marx critica no caso dos economistas clássicos, sobretudo Adam Smith: uma projeção no passado da aparência de apropriação pelo próprio trabalho, que de fato só existe no capitalismo[55]; ocultação da relação necessária entre valor e forma do valor[56]; uma transformação da “equalização objetiva” de atos desiguais de trabalho consumados pela própria relação social objetiva em uma consideração meramente subjetiva dos atores sociais[57].

Até os anos 1960, os teoremas de Engels continuaram a ser transmitidos sem contestação. Junto com sua fórmula (por sua vez extraída de Hegel[58]) da liberdade como sendo o conhecimento da necessidade, e os paralelos entre as leis naturais e os processos sociais, eles deram sustentação a um “conceito de emancipação” tecnológico-social, de acordo com a seguinte premissa: a necessidade social (sobretudo a lei do valor), que opera anarquicamente e descontroladamente no capitalismo, será, através do marxismo como ciência das leis objetivas da natureza e da sociedade, administrada de modo planejado e conscientemente aplicada. Não o desaparecimento das determinações da forma capitalista, mas sim o seu uso alternativo é o que caracteriza este “socialismo de adjetivos” (termo de Robert Kurz) e a “economia política socialista”[59]. Há uma desproporção significativa entre, por um lado, a ênfase no “histórico” e, por outro, a ausência de um conceito historicamente específico e socio-teoricamente refletido de objetividade econômica. Isso é evidenciado pela irrelevância do conceito de forma social nas discussões do marxismo tradicional, nas quais, no máximo, é considerado como uma categoria para situações ideais ou marginais, mas não como característica constitutiva da revolução científica de Marx[60].

1.3. A crítica do Estado restrita ao conteúdo

As afirmações teóricas de Engels sobre o Estado em A origem da família…, Ludwing Feuerbach…, Anti-Dühring, e em sua crítica ao projeto de programa de Erfurt do SPD de 1891 constituem a fonte da concepção marxista tradicional de Estado: em Ludwing Feuerbach…, Engels afirma o fato de todas as necessidades serem articuladas através da vontade do Estado nas sociedades de classes como sendo “o lado formal das coisas, que se compreende por si”. A questão principal de uma teoria materialista do Estado, no entanto, é “qual é o conteúdo que esta vontade apenas formal — tanto do indivíduo como do Estado — tem, e de onde vem esse conteúdo, por que é precisamente este e não outro que é requerido”[61]. O resultado dessa questão a respeito da vontade do Estado, baseada tão somente no conteúdo, é para Engels o reconhecimento de que “na história moderna, a vontade do Estado está grosso modo determinada pelas necessidades mutáveis da sociedade civil, pela supremacia desta ou daquela classe, em última instância, pelo desenvolvimento das forças produtivas e das relações de troca”[62]. Além disso, em suas considerações em A origem da família…, Engels trabalha com categorias histórico-universais nas quais designações modernas como “poder público” [öffentliche Gewalt][63] são projetadas, e constantemente assumem “relações diretas de dominação, formas imediatas de controle de classes”[64] a fim de explicar “o” Estado, que consequentemente é entendido como um mero instrumento da classe dominante[65]. A partir da consideração do Estado por essa orientação histórico-universal e essa fixação no conteúdo, pode-se deduzir que Engels perde de vista a questão realmente interessante, a saber, por que no capitalismo o conteúdo de classe assume a forma específica do poder público[66]. A definição pessoal de dominação de classe extraída de formações sociais pré-capitalistas acaba levando à redução das formas de dominação anônimas de classe institucionalizadas no Estado a uma mera ilusão ideológica, que, nos moldes da teoria da fraude do sacerdote [Priestertrugtheorie], é interpretada como um produto de táticas estatais de encobrimento. Engels, em todo caso, quer sustentar o caráter de classe também do Estado democrático burguês com a “corrupção direta de funcionários” e a “aliança entre o governo e a bolsa de valores”[67]. No entanto, no trabalho de Engels ainda persiste, apesar da predominância da perspectiva instrumentalista e fixada no conteúdo posteriormente elaboradas na ortodoxia, uma justaposição entre a definição do Estado como o “Estado dos capitalistas” e como “capitalista global ideal”[68]. A última definição concebe o Estado “não como uma ferramenta da burguesia […] mas sim como uma entidade da sociedade burguesa”[69] e uma “organização que a sociedade burguesa monta para sustentar as condições exteriores gerais do modo de produção capitalista contra ataques tanto dos trabalhadores como de capitalistas individuais”[70]. Mas o aspecto formal específico do Estado moderno ainda não é explicado por essa referência a mecanismos funcionais. Engels também pavimentou o caminho para a teoria do capitalismo monopolista de Estado [StamoKap-Theorie][71]. Na Crítica do Projeto de Programa Social-democrata de 1891, ele escreve: “Estou familiarizado com a produção capitalista como uma forma de sociedade, uma fase econômica; a produção privada capitalista é um fenômeno que, de uma forma ou de outra, é encontrado nessa fase. O que é produção privada capitalista? Produção por empresários individuais, o que se torna cada vez mais uma exceção. A produção capitalista pela sociedade por ações não é mais a produção privada, mas produção em nome de muitas pessoas associadas. E quando passamos das sociedades por ações aos trustes, que dominam e monopolizam ramos inteiros da indústria, então, acaba não só a produção privada, mas também a falta de planejamento[72]. Finalmente, no Anti-Dühring, Engels fala do Estado como capitalista global real: “Quanto maior é o número de forças produtivas que ele assume como sua propriedade, mais ele se torna um capitalista global real, maior é o número de cidadãos do Estado que ele espolia”[73]. Aqui, Engels revela uma compreensão limitada da produção privada, e uma tendência a equiparar o planejamento estatal e o poder de monopólio com a socialização direta[74], reforçada por sua construção da contradição fundamental e sua tendência de identificar a divisão operacional e social do trabalho. Engels observa que “nem a metamorfose em sociedades por ações nem a metamorfose em propriedades do Estado retiram das forças produtivas sua qualidade de capital”[75], mas, mesmo assim, ele vê como resultado o estabelecimento de uma imediata transição para o socialismo, enquanto os conceitos de monopólio e de intervenção estatal permanecem “completamente indeterminados economicamente”[76]. Com isso, fica sugerido que o movimento de trabalhadores apenas tem que assumir as formas de contabilidade corporativa das sociedades por ações e do planejamento abrangente via monopólios, desenvolvidas no capitalismo. Para Engels, a burguesia já se tornou obsoleta com a separação das funções de proprietário e gerencia[77]. A “metamorfose das grandes instituições de produção e intercâmbio em sociedades por ações e propriedades do Estado” demonstra, segundo Engels, “a dispensabilidade da burguesia para esse fim”, i.e., para gerir “as modernas forças produtivas”: “Todas as funções sociais do capitalista passam a ser exercidas por funcionários remunerados. O capitalista não possui outra atividade social a não ser embolsar rendimentos, destacar cupons e apostar na Bolsa, onde os diversos capitalistas tiram capital uns dos outros. Tendo o modo de produção capitalista alijado primeiramente os trabalhadores, ele passa agora a alijar os capitalistas e os remete, a exemplo do que ocorreu com os trabalhadores, à população supérflua, embora num primeiro momento não os atire ao exército industrial de reserva”[78].

Face a história dessa recepção (esboçada apenas em linhas gerais), poderíamos falar que o marxismo, na forma aqui apresentada, seria apenas um boato sobre a teoria de Marx, um boato que foi gratamente recolhido pela maioria dos críticos de “Marx” e meramente complementado com um sinal de menos na frente. De fato, tal julgamento – por mais exato que possa ser no geral – escolhe o caminho mais fácil, na medida em que desconsidera certas demarcações face à doutrina dominante que, apesar disso, também se entendiam como marxismos, ao mesmo tempo em que considera as interpretações equivocadas acima referidas como completamente externas à própria teoria marxiana, excluindo, assim, a possibilidade de quaisquer inconsistências e ambivalências de teoria e ideologia na obra de Marx. Para esclarecer esta questão, será útil um olhar sobre a leitura mais sofisticada dos textos de Marx elaborada nos chamados debates da reconstrução.

Nesse sentido, o marxismo tradicional deve ser entendido aqui, antes, como uma elaboração, sistematização e domínio do conteúdo ideológico da obra de Marx – no quadro de uma recepção por Engels e seus epígonos. Em todo caso, essas interpretações restritas e ideologizadas da teoria de Marx só alcançaram influência prática até hoje, de modo quase exclusivo, enquanto determinismo histórico ou economia política proletária.

2. Marxismo ocidental

A formação de um marxismo ocidental[79] decorre da crise do movimento operário socialista na esteira da Primeira Guerra Mundial (insucesso da Segunda Internacional na política da “defesa da pátria”, o fracasso das revoluções na Europa Central e meridional, o surgimento das forças fascistas etc.). Aqui estão os textos de Georg Lukács e Karl Korsch publicados em 1923 que assumem um caráter paradigmático. Sobretudo, Lukács é considerado o primeiro teórico marxista que, no nível metodológico e da teoria social, questionou a aceitação até então evidente da total equivalência entre a teoria marxiana e engelsiana[80]. No centro de sua crítica estava a negligência de Engels em relação à dialética do sujeito-objeto, bem como o seu conceito de uma dialética da natureza[81], sobre o qual se orientava o fatalismo do marxismo da Segunda Internacional. Contra essa ontologização do materialismo histórico em uma visão de mundo contemplativa, Lukács, assim como o marxismo ocidental como um todo, entende a abordagem de Marx como sendo uma teoria crítica-revolucionária da práxis social. Contra o discurso cientificista das “leis objetivas do desenvolvimento” do progresso social, Lukács postula a crítica da ideologia da consciência reificada; o desvendamento do modo de produção capitalista, fixado na “segunda natureza” como uma forma histórico-específica de práxis social; a ênfase na revolução como um ato crítico da subjetividade prática[82]. Autodesignações como “filosofia da práxis” (Gramsci) ou “teoria crítica da sociedade” (Horkheimer), não constituem, portanto, puramente expressões dissimuladas ou equivalentes conceituais para a teoria oficial dos partidos, mas sim evidenciam um processo de aprendizagem em que “renasceu o pensamento crítico de origem marxiana que visa à ação”[83]. Embora o marxismo ocidental tenha de início tomado os impulsos ativistas da Revolução de Outubro positivamente[84], logo os seus principais representantes se voltariam contra a doutrina do leninismo, rejeitando, sobretudo, sua continuação de uma teoria social naturalista e sua falsa universalização da experiência da Revolução Russa[85]. A crítica de Georg Lukács à obra “A teoria do materialismo histórico” de Bukharin serve como um exemplo da primeira. Em sua crítica, Lukács acusa a teoria de Bukharin, com seus conceitos de primado do desenvolvimento das forças produtivas e aplicação uniforme dos métodos das ciências naturais ao estudo da sociedade, de ser fetichista e de obliterar a “diferença qualitativa” entre as duas áreas temáticas das ciências naturais e sociais, de conservar “a ênfase a uma falsa ‘objetividade’” e de perder de vista a ideia central do procedimento de Marx, a saber, a recondução de “todos os fenômenos da economia […] às relações sociais dos homens uns com os outros[86].

Em seus Cadernos do Cárcere, Gramsci forneceu a crítica exemplar da fixação da estratégia revolucionária no modelo da Revolução de Outubro. Inicialmente, ele havia saudado a Revolução de Outubro como uma “revolução contra O capital de Karl Marx”[87], ou seja, como uma refutação da impossibilidade supostamente demonstrada da revolução socialista em países industrialmente atrasados. De uma maneira quase religiosa, ele citou a voluntarista “anunciação socialista”[88] como fonte de uma “vontade popular” coletiva socialista contra a consciência de classe derivada mecanicamente da economia e do nível de suas forças produtivas. Mais tarde, Gramsci reage ao estatismo da Terceira Internacional com sua teoria da hegemonia, que rejeita a “guerra de movimentos” de um ataque frontal ao aparelho repressivo do Estado como sendo uma estratégia revolucionária inadequada para as modernas sociedades capitalistas ocidentais. Segundo Gramsci, nessas formações sociais a “sociedade civil” é composta por uma estrutura labiríntica de aparelhos, nos quais são gerados modelos de pensamento e conduta que exibem uma tenacidade que não pode ser abalada por grandes ações políticas. O modelo revolucionário russo também está condenado ao fracasso no Ocidente porque a crença na natureza universal da experiência dos bolcheviques, com um czarismo centralizar e despótico levaria ao desaparecimento da relevância da socialização ideológica por meio dos aparelhos da sociedade civil e seu efeito: sujeição na forma de agência autônoma. No entanto, ambos, Lukács e Gramsci, permanecem leais à compreensão da revolução fundada “exclusivamente nos trabalhadores, na medida em que o primeiro, apesar de suas reflexões sobre a consciência reificada, ainda atribui um privilégio gnoseológico ao proletariado garantido por sua posição econômica[89], enquanto a teoria estrategicamente motivada de Gramsci sobre a sociedade civil está fixada na margem de manobra da classe trabalhadora – hegemonia proletária.

Com a tentativa de uma exploração sociopsicológica dos fundamentos pulsionais-estruturais da reprodução de uma “sociedade irracional”, sobretudo na forma de comportamentos autoritários e antissemitas, o Instituto para a Pesquisa Social de Frankfurt, depois de Max Horkheimer ter assumido a sua direção em 1931, atinge um nível de reflexão que demais representantes e correntes do marxismo ocidental não alcançariam[90] e abandona o apoio reconfortante de uma suposta consciência de classe do proletariado[91]. Finalmente, a consciência de classe empírica do proletariado como única consciência de classe existente é submetida à análise, enquanto as dimensões emocionais “irracionais” da práxis social ignoradas por outros teóricos, como as dimensões sociais das pulsões, são consideradas. Essa abordagem teórica da natureza intransigente da teoria crítica é, ao mesmo tempo, uma confissão do processo histórico de uma divisão crescente entre teoria emancipatória e prática com perspectiva revolucionária: com a propagação do socialismo em um só país, a bolchevização dos partidos comunistas ocidentais e o estabelecimento do marxismo-leninismo como ideologia oficial da Terceira Internacional após meados da década de 1920, começa o isolamento característico dos representantes do marxismo ocidental: esta corrente não é deixada nem com influência política (com a possível exceção do Instituto para a Pesquisa Social de Frankfurt), nem com as bases institucionais para uma prática científica regular. O que caracteriza essa formação do marxismo enquanto processo intelectual – seu sentido para o legado hegeliano e o potencial crítico-humanista da teoria de Marx, a incorporação de abordagens “burguesas” contemporâneas para elucidar a grande crise do movimento dos trabalhadores, a orientação metodológica, a sensibilidade para os fenômenos culturais e sociopsicológicos em conexão com a questão relativa às razões do fracasso da revolução no “Ocidente”[92] – se tornará, no quadro dessa constelação, fonte de um novo tipo de concepção restrita de Marx. Isso é essencialmente caracterizado pela negligência dos problemas políticos e de teoria do Estado[93], por uma recepção seletiva da teoria do valor de Marx e pela predominância de uma “ortodoxia velada”[94] em questões de crítica da economia política. Embora tenha sido o primeiro a compreender o caráter da dominação capitalista à maneira de Marx – anônima, objetivamente mediada e tendo vida própria – o “documento fundador” do marxismo ocidental, História e consciência de classe de Lukács, percebe-se uma fuga à reconstrução da teoria marxiana do capitalismo: em vez de uma análise dialética das formas do valor [Wertformen] de Marx até a forma-capital [Kapitalform], que na teoria da subsunção real oferece uma explicação – tão decisiva para Lukács – da relação entre a reificação e a estrutura estranha do processo de trabalho, encontramos somente uma combinação analogizante [analogisierende] de uma teoria do valor reduzida à forma-mercadoria [Warenform] “quantificadora” (devido a uma orientação para a crítica cultural do dinheiro de Simmel) e de um diagnóstico, orientado para Max Weber, da tendência formal-racional de reificação do processo de trabalho e do direito moderno[95]. Até a metade dos anos 1960, parece não haver marxista ocidental que desenvolva no campo da teoria do valor sua polêmica com a compreensão tradicional de Marx. Algumas posições vão ainda mais longe do que esta ortodoxia velada, e – sem que tenham se envolvido seriamente com a crítica da economia política – contrapuseram o “Marx humanista e crítica da cultura” ao “Marx economista”[96] ou mesmo consideraram possível um “marxismo” sem crítica da economia política[97].

3. Nova leitura de Marx [Neue Marx-Lektüre]

Foi primeiramente no quadro da “nova leitura de Marx”, surgida em meados da década de 1960, que os problemas da teoria do Estado e da teoria econômica voltaram a desempenhar um papel fora do marxismo-leninismo. Esta nova onda de recepção da teoria de Marx também estava mais ou menos situada fora do estalinismo e da social-democracia. Conjuntamente à nova leitura nos países da Europa ocidental, havia rudimentos isolados de uma “nova leitura de Marx” ocorrendo no leste europeu[98]. Sua gênese na Alemanha Ocidental coincidiu com fenômenos como o movimento estudantil, os primeiros abalos à crença numa prosperidade perpétua e politicamente administrável do pós-guerra, a dissolução do consenso anticomunista no decorrer da Guerra do Vietnã etc., embora tenha permanecido, a despeito de suas reinvindicações emancipatórias radicais, confinada em grande parte à academia. Aqui, distinguimos esta “nova leitura de Marx” em um sentindo mais amplo[99] de outra definição em sentido estrito[100]. Enquanto a primeira foi um fenômeno internacional, a última esteve principalmente confinada à Alemanha Ocidental. Se a primeira ainda permaneceu predominantemente presa ao dogma engelsiano no que diz respeito à crítica da economia política, a última pôs em primeiro plano a revisão das interpretações historicistas e empiristas da análise marxiana das formas. Em termos de conteúdo, as principais vertentes do debate consumaram um triplo abandono – contraditório e de modo algum compartilhado por todos os participantes –  das tópicas centrais do marxismo tradicional: abandono do substancialismo na teoria do valor[101]; abandono de concepções teóricas manipulativo-instrumentais do Estado[102]; e abandono das interpretações da crítica da economia política centradas no movimento de trabalhadores ou baseadas em uma teoria revolucionária “ontológica do trabalho” (ou mesmo na teoria da revolução como tal)[103]. Esta nova leitura articula seus esforços teóricos na forma de uma reconstrução da teoria de Marx.

No que diz respeito à crítica da economia, uma cristalização de questões centrais e tarefas de pesquisa ocorreu no âmbito do colóquio de 1967: “100 Jahre ‘Kapital’ [100 anos de ‘O capital’]”[104]. Uma reinterpretação da crítica de Marx foi imaginada a partir de uma perspectiva metodológica e teórico-social: questões sobre o objeto original de O capital (determinação econômica da forma [ökonomischen Formbestimmungen]), a particularidade da exposição científica (dialética das formas do valor), bem como a conexão entre os três volumes (“capital em geral – múltiplos capitais”), são reapresentadas, de modo distinto das abordagens quantitativas, e com uma ênfase particular na importância dos Grundrisse. No campo de disputa entre marxismos “críticos” e “estruturais”, surgem momentos transitórios de fuga das tradições metodológicas, transversais aos pontos clássicos de disputa[105]: tanto o anti-historicismo estruturalista quanto as figuras hegelianas do pensamento (“método progressivo-regressivo, “retorno ao fundamento”) desempenham um papel importante nisso.

Inicialmente com muitos “ses e poréns”[106], e em alguns pontos ainda permanecendo nas trilhas do marxismo tradicional, a nova leitura de Marx adquiriu contornos mais claramente definidos ao longo da década de 1970.

Leituras tradicionais da teoria de Marx
Pressuposto clássico do marxismo das II e III Internacionais Marx = Engels (paradigma unificado, argumentação coerente, “visão de mundo” fechada)
Níveis da leituras crítico-reconstrutiva
Nível 1: e.g. Backhaus (Materialien, partes 1 e 2) Engels → exotérico vs.

Marx → esotérico

Nível 2: e.g. Althusser (Ler O capital); A. Schmidt; Backhaus (Materialien) Marx → metadiscurso exotérico vs.

Marx → análise real esotérica

Nível 3: e.g. Backhaus (Materialien, partes 3 e 4); Heinrich (Wissenschaft vom Wert) Marx → metadiscurso exotérico/esotérico

Marx → análise real exotérica/esotérica

Contra o mito clássico da completa igualdade entre os paradigmas de Marx e Engels, tanto no que diz respeito ao materialismo histórico quanto à crítica da economia política, os comentários de Engels seriam criticados como amplamente inadequados ao trabalho de Marx e pertencentes a um nível puramente “exotérico”, que perpetuava os paradigmas tradicionais. Assim, em 1974 Hans-Georg Backhaus enfatizou, acerca da teoria do valor, que a crítica se dirigia “a uma premissa interpretativa que até recentemente era considerada um dos poucos elementos incontestáveis da literatura marxista e que estruturou a recepção da teoria do valor de Marx sem que fosse impugnada: a interpretação equivocada, desencadeada por Engels, dos três primeiros capítulos de O capital como uma teoria do valor e do dinheiro daquilo que ele denominou ‘produção simples de mercadorias’”[107]. Backhaus assume que “partindo deste erro fundamental, a teoria do valor marxista necessariamente interditou a recepção da teoria do valor de Marx[108]. Se neste nível, portanto, é feita uma distinção inicial entre a teoria de Marx e a teoria marxista, então também já ocorre, desde logo, uma problematização da autocompreensão metateórica de Marx. Louis Althusser já havia afirmado, com o auxílio de uma leitura “sintomal” dirigida contra uma hermenêutica intencionalista sujeitocêntrica, que a obra de Marx representa uma completa revolução científica na prática teórica da análise do capitalismo que, ao nível metateórico, é sobreposta por um discurso inadequado a esta problemática[109]. Althusser define as tarefas de uma reconstrução como sendo a remoção do metadiscurso inadequado e a transformação de suas metáforas dominantes, lidas como sintomas da ausência de uma autorreflexão adequada do real procedimento de análise do capital, em conceitos. Diferentemente de Althusser e de sua concepção dualista da relação entre o objeto real e o objeto de conhecimento[110], no debate da reconstrução esta questão é geralmente formulada dentro do quadro teórico da crítica marxiana da ideologia: Marx faz distinção entre os níveis “esotéricos” e “exotéricos” nas obras da economia política clássica. Se o primeiro contém compreensões sobre o contexto social de mediação do modo de produção burguês, o último se contenta com uma descrição e sistematização imediata das formas objetivas de pensamento da consciência cotidiana dos atores sociais, permanecendo preso à aparência reificada do imediatismo de fenômenos que, efetivamente, são socialmente mediados. Assim, a argumentação “exotérica” não pode ser atribuída modo psicologista a inadequações subjetivas ou mesmo a intenções conscientes de falsificação por parte dos teóricos. Ela resulta de uma determinada forma de pensamento que é o produto sistemático e inicialmente involuntário das formas de relação social do modo de produção capitalista. O debate da reconstrução agora aplicaria a distinção esotérica/exotérica à própria obra de Marx.

Finalmente, mesmo na crítica da economia política e no materialismo histórico, isto é, mesmo na práxis teórica tomada pelo estágio anterior da reconstrução como uma camada “esotérica” ilesa, manifestam-se conteúdos “exotéricos” e ambivalências conceituais “entre revolução científica e tradição clássica”[111]. O dogma da inviolabilidade da exposição da crítica da economia política n’O capital é definitivamente descartado. No lugar da lenda de um progresso linear de Marx no conhecimento, observa-se uma complexa justaposição e um complexo entrecruzamento de progressões e regressões no método de exposição e no estado de investigação da crítica da economia. Por fim, é assinalada a crescente popularização da exposição da análise das formas do valor desde os Grundrisse até à segunda edição d’O capital, que, ao esconder cada vez mais o método morfogenético, forneceu substrato a leituras historicistas e substancialistas[112].

4. Processos de aprendizagem no interior do marxismo

Como não há espaço suficiente nos quadrantes deste texto para elucidar, mesmo que de modo aproximado, os aspectos de uma revolução científica – processos de aprendizagem internos, mas também recaídas a posições econômicas e histórico-filosóficas tradicionais no trabalho de Marx –, devem ser mencionados brevemente apenas alguns dos pontos destacados pelos processos de aprendizagem no interior do marxismo acima mencionados.

  • A teoria de Marx não afirma nenhum tipo de automatismo da libertação; pelo contrário, deve ser entendida como uma instância teórica de um corpo de trabalho, mediado por análise e crítica, para a libertação do automatismo de um modo de socialização irracional. A afirmação de Marx – frequentemente citada tanto por marxistas quanto por antimarxistas como prova ou do mais alto estatuto científico de sua obra ou da sua condição de profecia não científica – de que ele apreenderia o desenvolvimento do modo de produção capitalista como “um processo histórico-natural”[113] deve ser entendida como uma declaração crítica. “Natureza” ou “natural-espontaneidade” são categorias negativamente determinadas para um contexto de socialização que, devido à sua constituição através da divisão de trabalhos privados [privat-arbeitsteiligen], se efetiva aos atores sociais como um inexorável maquinário de consumo de trabalho abstrato, como um “destino de valor” que está além de seu controle coletivo e individual, embora só se reproduza por meio de sua atividade.

A teoria de Marx é “um juízo crítico unificado sobre a história passada, segundo o qual as pessoas se deixaram degradar em objetos de sua dinâmica econômica cega”[114]. Embora Marx caia repetidas vezes em um otimismo histórico que se inclina para a filosofia da história nas partes declamatórias de suas obras, isto é fundamentalmente contrariado por sua crítica científica da filosofia da história e da economia política[115]. Mas é precisamente a partir desses clichês que o marxismo da Segunda e Terceira Internacionais, assim como os detratores ilustrados de Marx, montam um sistema férreo abstruso da necessidade histórica, incluindo uma “lei da sequência das formações sociais” que estabelece a “necessária tendência histórica universal do progresso do gênero humano”[116].

  • A crítica da economia política, que na forma da obra tardia de Marx “não resiste à comparação com a pretensão imanente às declarações programáticas feitas em A ideologia alemã[117] – nomeadamente, de apresentar a formação social capitalista em sua totalidade[118] – pode ser apresentada como um processo de quatro críticas: 1) crítica da sociedade burguesa e sua forma de desenvolvimento destrutivo e natural-espontâneo, à luz da possibilidade real e objetiva, gerada por ela mesma, de sua superação emancipatória; 2) crítica da consciência cotidiana fetichizada e invertida dos atores sociais que é sistematicamente gerada por aquelas relações sociais; 3) crítica de todo o campo teórico da economia política[119], que sistematiza acriticamente essas formas de pensamento; e 4) crítica da crítica social utópica, que ou confronta o sistema do modo de produção capitalista com um modelo de libertação social puramente postulatório, ou presume a possibilidade de se servir de formas econômicas isoladas contra o contexto geral do sistema por meio de reformas[120]. Crítica que, portanto, não é imanente na medida em que afirma as determinações da troca, os ideais burgueses, as demandas proletárias por direitos, ou a produção industrial, subsumida ao capital, contra o capitalismo[121].

O método da crítica da economia pode ser descrito como o “desenvolvimento das formas” ou a “análise das formas”. Seu objetivo é compreender a sociabilidade específica de modos de produção historicamente distintos. Enquanto as abordagens “burguesas” conduzem, na melhor das hipóteses, a uma ciência da reprodução da sociedade dentro de certas formas econômicas e políticas, uma crítica da economia política deve ser concebida como uma ciência dessas formas[122]. A economia política opera no nível de objetos econômicos já constituídos, tomando-os empiricamente como dados, ou só pode justificá-los de forma circular, sem penetrar conceitualmente no processo sistemático de sua constituição. Ela sucumbe à automistificação do mundo capitalista objetivo como um mundo de formas naturais[123] e, assim, priva os humanos da capacidade de configurar e alterar suas estruturas fundamentais.

Em contraste, a análise das formas desenvolve estas formas (tais como valor, dinheiro, capital, mas também direito e Estado) a partir das condições contraditórias da constituição social do trabalho, “esclarece essas contradições, compreende sua gênese, sua necessidade”[124]. O desenvolvimento das formas não deve ser entendido como o retraçar de um desenvolvimento histórico do objeto, mas sim como a decodificação conceitual das relações estruturais imanentes do modo de produção capitalista. Ela decifra as formas aparentemente independentes e aparentemente objetivas da riqueza social e da coerção política do modo de produção capitalista como historicamente específicas e, portanto – ainda que não de modo arbitrário ou fragmentado, mas – como formas de prática mutáveis.

  • Tanto o marxismo tradicional quanto o ocidental ignoraram completamente o potencial científico revolucionário da abordagem de Marx, sua teoria da constituição monetária do valor. Sobretudo, tornaram-se objeto de crítica no âmbito da nova leitura de Marx a equivocada interpretação empirista-historicista do método de exposição, iniciada especialmente por Engels, e a interpretação “pré-monetária” da teoria do valor d’O capital, mas também as ambivalências na própria obra de Marx e a popularização de seu método, que significou “a renúncia a uma elaboração sistemática de reflexões fundamentais sobre método e teoria do valor”[125]. Engels e o marxismo tradicional interpretaram os diferentes níveis de abstração da exposição das leis do modo de produção capitalista n’O capital como níveis empiricamente equivalentes de um modelo de modos de produção historicamente distintos. Com isso, categorias como trabalho abstrato, valor e forma de valor simples foram reinterpretadas empiricamente e a conexão entre mercadoria, dinheiro e capital – considerada por Marx como necessária – foi transformada em uma relação contingente. Assim, o marxismo operava precisamente em um terreno metodológico e de teoria do valor que Marx havia criticado em relação à economia clássica. No entanto, a crítica da economia política de Marx é distinta de uma economia política alternativa, principalmente em dois aspectos: em primeiro lugar, não é a teoria do mais-valor, mas sim a teoria da forma do trabalho que distingue Marx da economia política clássica. Marx critica o modo como a economia política pressupõe irrefletidamente a forma do valor, sem nunca questionar a sua gênese, sem compreender o trabalho representado no valor como uma forma social historicamente específica (não se levantam questões como “por que o trabalho se representa no valor”[126]). A economia política, portanto, opera fundamentalmente dentro do campo das formas fetichizadas. Além disso, Marx critica o caráter pré-monetário daquela teoria do valor, já que “trata a forma do valor como algo totalmente indiferente ou exterior à natureza da própria mercadoria”[127], o que significa que não faz distinção entre medida imanente e externa do valor duas como categorias situadas em diferentes níveis teóricos de abstração e não compreende a necessidade da forma-dinheiro para a troca de mercadorias. O dinheiro é entendido como um instrumento puramente técnico que, por razões de conveniência, substitui a troca mediante a contabilização das quantidades de tempo de trabalho. Na obra de Marx, por outro lado, o dinheiro é desenvolvido como um momento necessário do processo de troca de mercadorias. Sem uma forma de valor universal, as mercadorias não poderiam representar valor umas às outras, e seriam reduzidas ao status de produtos. Portanto, deve-se partir de uma constituição “cooriginal” do trabalho abstrato como medida de valor imanente logicamente preestabelecido e do dinheiro como medida de valor externa. Nesse sentido, Marx fala da substância do valor como um “que devém” na troca que, ademais, adquire uma “existência intertemporal” como capital. Em oposição ao empiricismo e anistorismo da economia política, a abordagem de Marx se revela, assim, como o conhecimento da essência, no sentido da reconstrução de um contexto social de estrutura e agência que não pode ser apreendido diretamente de forma empírica – através da elaboração de um nível teórico não empírico que, em primeiro lugar, torna possível a explicação de formas de manifestação empíricas, como o dinheiro. Marx segue “um princípio de desenvolvimento de categorias econômicas pela distinção entre diferentes níveis de abstração”[128]. Categorias como trabalho abstrato ou valor não têm, portanto, referentes empíricos imediatos. A sequência das categorias de mercadoria e dinheiro não deve ser entendida como uma sequência histórica de fatos circunstanciais existentes, mas sim como uma análise conceitual.

Visão geral dos marxismos

  Teóricos importantes Textos de referência central de Marx/Engels Conceito central:

teoria de Marx como…

Marxismo tradicional

[1878ss.]

[F. Engels], K. Kautsky, E. Bernstein, Lafargue, F. Mehring, A. Bebel, G. Plekhanov et al. (= 1ª geração); V.I. Lenin, L. Trotsky, R. Luxemburgo, N. Bukharin, M. Adler, R. Hilferding (= 2ª geração) Pretensão: “doutrina da concepção materialista da história como o centro das obras colaborativas de Marx e Engels”

 

Engels: Anti-Dühring; Ludwig Feuerbach; “Resenha” da Contribuição a Crítica… (1859) etc. Marx: O capital, Livro I, cap. 24, item 7; “Prefácio” da Contribuição a Crítica… (1859); Manifesto (M/E).

Visão de mundo proletária fechada e doutrina da evolução da natureza e da história (“tornar-se e desvanecer-se”).
Marxismo ocidental

[1923ss.]

G. Lukács, K. Korsch, E. Bloch, H. Lefebvre, Escola de Frankfurt, A. Gramsci, K. Kosik, grupo Práxis da Iugoslávia (G. Petrovic, P. Vranicki et al.), Escola de Budapeste (A. Heller, G. Markus et al.), L. Kofler, J.‑P. Sartre Pretensão: “obra humanista de juventude como estrutura interpretativa para os trabalhos tardios científicos”

 

Marx: Teses sobre Feuerbach, Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, A ideologia alemã (M/E) etc..

Teoria crítico-revolucionária da práxis social (“mediação subjetiva do objeto”)
Nova leitura de Marx (neue Marx-Lektüre)

[1965ss.]

[Predecessores: Isaak I. Rubin, Evguiéni B. Pachukanis] H.-G. Backhaus, H. Reichelt, D. Wolf, H.D. Kittsteiner, M. Heinrich, SOST, Projekt Klassenanalyse/PEM, S. Breuer, Debate da derivação do Estado (B. Blanke, D. Läpple, MG, J. Hirsch, W. Müller/ Ch. Neusüß, N. Kostede et al.) Pretensão: “apreensão integral de Marx” ou “obras tardias como estrutura interpretativa das obras de juventude”

 

Marx: Grundrisse, O capital, Livro I, primeira edição; Urtext; “Resultados do processo imediato de produção” etc.

Deciframento e crítica das formas da sociabilidade capitalista por meio do método lógico-sistemático de exposição (“desenvolvimento da forma e da crítica”).

Notas:

[1]LABICA, Georges. Der Marxismus-Leninismus. Elemente einer Kritik, Berlin, 1986, p. 113.

[2]KORSCH, Karl. Der gegenwärtige Stand des Problems „Marxismus und Philosophie“. Zugleich eine Antikritik. In: __________.  Gesamtausgabe Bd. 3. Marxismus und Philosophie: Schriften zur Theorie der Arbeiterbewegung 1920-1923, Amsterdam, 1993b [1930], p. 375. [ed. bras.: KORSCH, Karl. Estado atual do problema (anticrítica). In:  __________. Marxismo e filosofia. Trad. José Paulo Netto. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008].

[3]WALTHER, Rudolf. Marxismus. In: BRUNNER, Otto et. al. (Org.): Geschichtliche Grundbegriffe: Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland, Bd. 3, Stuttgart, 1982, pp. 948-949.

[4]Cf. ibid., p. 944.

[5]Cf. ibid., p. 947;

STEINBERG, Hans-Josef. Sozialismus und deutsche Sozialdemokratie: Zur Ideologie der Partei vor dem 1. Weltkrieg, [1967] 5. Aufl., Berlin-Bonn, 1979, pp. 22-23.

STEDMAN JONES, Gareth. Engels und die Geschichte des Marxismus. In: ders.: Klassen, Politik, Sprache: Für eine theorieorientierte Sozialgeschichte, Münster, 1988, p. 234.

LIEDMAN, Sven-Eric. Engelsismus. In: W.F. Haug (Org.). Historisch-kritisches Wörterbuch des Marxismus, Bd. 3, Hamburg, 1997, p. 384.

[6]Karl Kautsky, citado em Gareh Stedman Jones, op cit.

[7]LENIN, Wladimir Iljitsch. Drei Quellen und drei Bestandteile des Marxismus. [1913] In: __________. Werke, Bd. 19, Berlin/DDR, 1965, p. 4 [ed. líng. port.: LÉNINE, V. I. As Três Fontes e as Três partes Constitutivas do Marxismo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1913/03/tresfont.htm]

[8]LABICA, Georges. Der Marxismus-Leninismus. Elemente einer Kritik, Berlin, 1986, p. 17. No marxismo, Engels desaparece atrás de Marx; no leninismo, Stalin desaparece atrás de Lenin.

[9]MEW 20, p. 307. [ed. bras.: ENGELS, Friedrich. Dialética da natureza. São Paulo: Boitempo, 2020].

[10]Friedrich Engels, “Dialectics” em Dialectics of Nature. [ed. bras.: ENGELS, Friedrich. Dialética da natureza. São Paulo: Boitempo, 2020.]

[11]MEW 20, p. 132; cf. também p. 11. [ed. bras.: ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring: a revolução da ciência segundo o senhor Eugen Dühring. [1878] Trad. Hélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2015]

[12]Cf. MEW 21, p. 267 [ed. líng. port.: ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1886/mes/fim.htm]

[13]Cf. MEW 21, p. 274. [Ludwig Feuerbach, de Friedrich Engels]

[14]MEW 21, p. 293. [Ludwig Feuerbach…, de Friedrich Engels]

[15]Cf. MEW 20, p. 481. [Ludwig Feuerbach…, de Friedrich Engels]

[16]Cf. MEW 3, p. 44. [ed. bras.: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. [1846] Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007]

[17]MEW 20, p. 469. [Dialética da natureza, de Friedrich Engels]

[18]Acima de tudo, em Materialismo e empiriocriticismo, estilizado pelo marxismo-leninismo como clássico manual do materialismo dialético ao lado de Anti-Dühring. Aqui, o marxismo se torna uma ideologia no sentido marxista estrito: uma sistematização das formas de pensamento de um senso comum reificado. Sobre o pano de fundo político-pragmático do texto, que são desprezados no marxismo-leninismo, cf. BUSCH-WEẞLAU, Johannes. Der Marxismus und die Legitimation politischer Macht. Ff/M./ New York, 1990, p. 30.

[19]Falko Schmieder aponta para o papel a priori medial da fotografia desse realismo ingênuo na filosofia, bem como as semelhanças fundamentais entre Engels, Lenin e Feuerbach em SCHMIEDER, Falko. Ludwig Feuerbach und der Eingang der klassischen Fotografie: zum Verhältnis von anthropologischem und Historischem Materialismus, Berlin/ Wien, 2004, p. 213.

[20]SOHN-RETHEL, Alfred. Warenform und Denkform. In: __________. Warenform und Denkform. Mit zwei Anhängen, Ff/M., 1978, p. 114.

[21]Cf. também Engels (MEW 1, p. 515), onde fala da “lei da concorrência” econômica como uma “que se baseia no inconsciente dos envolvidos” [ed. bras.: ENGELS, Friedrich. Esboço de uma crítica da economia política. [1844] Trad. Maria Filomena Viegas. Revista Temas de Ciências Humanas. São Paulo, Editora Ciências Humanas, n. 5, p. 1-29, 1979]. [N.T.: Optamos por traduzir o termo “Naturwüchsigkeit” como “natural-espontaneidade” em conformidade à tradução do Livro 1 de O capital por Rubens Enderle pela editora Boitempo: MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 148 e 878.]

[22]MEW 21, p. 293. [Ludwig Feuerbach…, de Friedrich Engels].

[23]Cf. MEW 3, p. 535. [MARX, Karl. 1. Ad Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. [1846] Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 533-535]

[24]Cf. MEW 21, p. 276. [Ludwig Feuerbach…, de Friedrich Engels]

[25]É assim, por exemplo, em MEW 21, p. 296-297, em MEW 20, p. 264 [respectivamente, Ludwig Feuerbach….; e Anti-Dühring, de Friedrich Engels] ou nas cartas tardias a Schmidt, Bloch, Mehring e Borgius.

[26]Para mais informações, consulte o estudo de STEINBERG, Hans-Josef. Sozialismus und deutsche Sozialdemokratie: Zur Ideologie der Partei vor dem 1. Weltkrieg, [1967] 5. Aufl., Berlin-Bonn, 1979, sobretudo pp. 45ss e 63ss. Abordagens para uma explanação histórico-social são oferecidas por ibid., p. 145-150; GROH, Dieter. Negative Integration und revolutionärer Attentismus: Die deutsche Sozialdemokratie am Vorabend des Ersten Weltkrieges, Frankfurt/M./ Berlin/ Wien, 1974, p. 58-63; NEGT, Oskar. Marxismus als Legitimationswissenschaft. In: NEGT, Oskar (org.); N. BUCHARIN, Nikolai; DEBORIN, Abram. Kontroversen über dialektischen und mechanistischen Materialismus, Ff/M, 1974; GRAMSCI, Antonio Gramsci Philosophie der Praxis. Gefängnishefte 10 und 11, Hamburg, 1995, p. 1386 [ed. bras.: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. V. 1. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014].

[27]Para uma crítica, cf. MOHL, Alexandrine. Verelendung und Revolution. Oder: Das Elend des Objektivismus. Zugleich ein Beitrag zur Marxrezeption in der deutschen Sozialdemokratie. Diss., Ff/M, 1978; SIEFERLE, Rolf Peter. Die Revolution in der Theorie von Karl Marx, Ff/M./Berlin/Wien, 1979; ELBE, Ingo. Umwälzungsmomente der alten Gesellschaft: Aspekte der Revolutionstheorie und ihrer Kritik bei Marx“, 2002a. [Disponível em: http://www.rote-ruhr-uni.com/cms/Umwalzungsmomente-der-alten.html].

[28]Ernesto Laclau e Chantal Mouffe apontam o caráter darwinista-hegeliano dessa concepção: “O darwinismo sozinho não oferece ‘garantias para o futuro’, uma vez que a seleção natural não opera em uma direção predeterminada desde o início. Somente se um tipo hegeliano de teleologia for adicionado ao darwinismo – o que é totalmente incompatível com ele – pode um processo evolutivo ser apresentado como garante de transições futuras.”; Hegemonie und radikale Demokratie: Zur Dekonstruktion des Marxismus, [engl. 1985]  2. Aufl., Wien, 2000, p. 53. [ed. bras.: LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios, 2015.]

[29]Para mais sobre isso, de maneira instrutiva, cf. KITTSTEINER, Heinz Dieter. Naturabsicht und unsichtbare Hand, Ff/M.- Berlin-Wie, 1980.

[30]Cf. GROH, Dieter. Negative Integration und revolutionärer Attentismus: Die deutsche Sozialdemokratie am Vorabend des Ersten Weltkrieges, Frankfurt/M./ Berlin/ Wien, 1974, p. 36.

[31]Kautsky, citado em STEINBERG, Hans-Josef. Sozialismus und deutsche Sozialdemokratie: Zur Ideologie der Partei vor dem 1. Weltkrieg, [1967] 5. Aufl., Berlin-Bonn, 1979, p. 61. Cf. também KAUTSKY, Karl. Ethik und materialistische Geschichtsauffassung. [1906] In: SANDKÜHLER, Hans Jörg; DE LA VEGA, Rafael (Org.). Marxismus und Ethik, Ff/M., 1974, p. 261. De acordo com Kautsky, as perspectivas de liberdade e humanidade não são “meras expectativas de condições que apenas deveriam vir, que simplesmente desejamos e queremos, mas perspectivas de condições que tem de vir, que são necessárias”. Kautsky se defende contra interpretações de necessidade “no sentido fatalista, de que um poder superior as apresentará para nós por si mesmo”, mas assume uma imanente e irresistível coerção histórico-econômica à revolução, de modo a pôr em sintonia as leis coercitivas imanentes do capitalismo e a formação do proletariado no exitoso sujeito revolucionariamente ativo: “inevitável no sentido de que os […] capitalistas com sua ganância de lucro [!] revolucionam toda a vida econômica, pois também é inevitável que os trabalhadores almejem jornadas mais curtas de trabalho e salários mais altos, que se organizem, que lutem contra a classe capitalista e o seu poder estatal, pois é inevitável que visem a conquista do poder político e a derrubada do domínio capitalista. O socialismo é inevitável porque a luta de classes e a vitória do proletariado são inevitáveis.”

[32]LENIN, Wladimir Iljitsch. Drei Quellen und drei Bestandteile des Marxismus. [1913] In: __________. Werke, Bd. 19, Berlin/DDR, 1965, p. 3-4. Kautsky até designa a teoria de Marx como “boas novas, um novo evangelho” em KAUTSKY, Karl. Das Erfurter Programm, [1892] Berlin, 1965, p. 230.

[33]No entanto, há outros aspectos não explicitados do conceito de ideologia de Lenin que não equivalem ao reducionismo de classe e que foram ignorados no marxismo-leninismo. cf. BUSCH-WEẞLAU, Johannes. Der Marxismus und die Legitimation politischer Macht. Ff/M./ New York, 1990, p. 122ss e p. 132ss. A suposição do marxismo como uma ideologia proletária contradiz a tese de Lenin de que a classe trabalhadora produz espontaneamente apenas uma consciência “trade-unionista” imanente ao sistema (cf. LENIN, Wladimir Iljitsch. Was tun? Brennende Fragen unserer Bewegung. [russ. 1902] In: __________. Werke, Bd. 5, Berlin, 1958, p. 385-386 e p. 394-395). Mas nem ele nem Lukács extraíram as consequências desse entendimento. [ed. bras.: LENIN, Vladímir Ilitch. O que fazer? questões candentes de nosso movimento. São Paulo: Boitempo, 2020].

[34]LENIN, Wladimir Iljitsch. Karl Marx. [1915] In: __________. Werke, Bd. 21, Berlin/DDR, 1960, p. 44 [ed. líng. port.: LÉNINE, V. I. Karl Marx (Breve Esboço Biográfico Seguido de uma Exposição do Marxismo). Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/11/marx-avante.htm]

[35]Sobre o paradoxo dessa vinculação entre voluntarismo e determinismo, cf. TAYLOR, Charles. Hegel, [amerik. 1975] 3. Aufl., Ff/M, 1997, p. 729-731: “as leis que são empregadas pelos engenheiros e que impõem sua vontade às circunstâncias não podem ser as leis das necessidades férreas, se isso significa que nós podemos explicar os acontecimentos por meio da referência a elas sem recorrer a decisões humanas. Uma verdadeira lei do desenvolvimento da história seria uma lei cujos antecedentes não são manipuláveis (…). Não estaria disponível para aplicação por engenheiros” (ibidem, p. 730). Comparar também a crítica de Popper ao pensamento das leis de desenvolvimento histórico que foram formuladas no estilo de prognose ilimitada (POPPER, Karl R. Das Elend des Historizismus, [1960] 6. Aufl., Tübingen, 1987, p. 35-36), assim como ao conceito paradoxal de práxis do ‘historicismo’, que se reduziria a “arte de parteira” (ibid., p. 40; cf. também ibid., p. 57-58). Contra Popper, porém, é de se argumentar: (a) sua suposição, que não recua mesmo perante contrafações textuais, de que há um historicismo no modelo de ciência de “O Capital” (cf. ibid, p. 39, na qual uma citação de Marx, cujo tema é o tratamento das leis da sociedade moderna, é subitamente distorcida em outra, na qual se fala sobre as leis da sociedade “humana”), assim como (b) sua falsa identificação entre prognoses tecnológicas e esse curto alcance (comparar ibid., p. 35 e 53-54). [ed. bras.: TAYLOR, Charles. Hegel: Sistema, Método e Estrutura. São Paulo: É Realizações, 2008; POPPER, Karl. A miséria do historicismo. Trad. Octany da Mota e Leonidas Hegenberg. São Paulo: EDUSP, 1980]

[36]É precisamente o marxismo ocidental que – contra o marxismo-leninismo – enfatiza o caráter não ontológico do materialismo de Marx; cf. HORKHEIMER, Max. Traditionelle und kritische Theorie. [1937] In: __________. Gesammelte Schriften, Bd. 4, Ff/M, 1988, p. 174, bem como SCHMIDT, Alfred. Der Begriff der Natur in der Lehre von Karl Marx, [1962] Hamburg, 1993. Stalin determina os componentes da teoria de Marx da seguinte maneira: Dialética: uma lógica universal do desenvolvimento enfatizando a descontinuidade, que ensina que tudo pode ser concebido como em estado de devir e decadência; Materialismo: uma ontologia contemplativa que ensina que a consciência é meramente um reflexo de uma natureza que existe independente e fora da consciência; Materialismo Histórico: a aplicação do materialismo dialético à história; as leis históricas universais são a luta de classes, a dialética entre as forças produtivas e as relações de produção, assentada no primado do desenvolvimento das forças produtivas (conceito casua sui de forças produtivas) e, finalmente, a lei do progresso das formações sociais que se sucedem, em STALIN, Josef Wissarionowitsch. Über dialektischen und historischen Materialismus. [1938] In: __________. Ausgewählte Werke, Bd. 2, Dortmund, 1979, p. 250-285. [ed. bras.: HOKHEIMER, M. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1980; STALIN, Joseph. Materialismo dialético e materialismo histórico. Trad. Olinto Beckerman. São Paulo: Global, 1979]

[37]LENIN, Wladimir Iljitsch. Philosophische Hefte. [1915]: In: __________, Werke, Bd. 38, Berlin, 1973, p. 170 [ed. bras.: LENIN, Vladimir. Cadernos filosóficos. Trad. José Paulo Netto. São Paulo: Boitempo, 2018].

[38]Lenin apresenta esse diagnóstico no contexto de sua leitura de Hegel. Ele entende que é preciso ter “estudado e entendido” a “Lógica” de Hegel para que então se possa entender “O Capital” (ibid. p. 170). Essa indicação, entretanto, permanece abstrata em seus “Cadernos Filosóficos” e não deve ser interpretada como uma contribuição para uma leitura heterodoxa de “O Capital”. A referência ao significado de Hegel e a menção à uma “lógica do ‘capital’” (ibid., p. 316) por si só não são sinais de uma compreensão mais profunda, da parte de Lenin, do modo de exposição de “O Capital”. Em vez disso, as poucas declarações substantivas sobre esse complexo revelam Lenin como um verdadeiro representante da ortodoxia de Engels: a consideração de “O Capital” como uma “história do capitalismo” (ibid., p. 319), a menção à uma investigação histórica das formas do valor (cf. também LENIN, Wladimir Iljitsch. Über eine Karikatur auf den Marxismus und über den „Imperialistischen Ökonomismus“. [russ. 1924] In: __________. Werke, Bd. 23, 2. Aufl., Berlin, 1960b, p. 49), o recurso à “verificação pelos fatos […] em cada passo da análise” ou à mercadoria do início da exposição como o fenômeno empírico “mais ordinário e massivo” (Lenin, 1973, op cit., p. 319; cf. também p. 340) fornece evidência impressionante disso [ed. líng. port.: LENIN, Vladímir. Sobre uma Caricatura do Marxismo e sobre o “Economismo Imperialista”, 1984. Disponível em: https://www.dorl.pcp.pt/images/classicos/T23T003.pdf].

[39]MEW 13, p. 475. Porque em 1894, o “O método lógico […] não é mais do que o método histórico, apenas despojado da forma histórica e dos desvios das ocorrências aleatórias.” (ibid.). Ele fala laconicamente no prefácio do terceiro volume (O capital): “desenvolvidos em seu processo de formação histórico ou, a depender do caso, lógico” (MEW 25, p. 20), dos “reflexos mentais” das coisas e suas relações. [ed. bras.: ENGELS, Friedrich. Resenha por Engels: “Karl Marx e a Crítica da Economia Política”. Disponível em: https://lavrapalavra.com/2018/08/28/resenha-por-friedrich-engels-karl-marx-e-a-critica-da-economia-politica/; ENGELS, Friedrich. Prefácio. In: MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro III: o processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017].

[40]Ibid., p. 145 [Resenha por Engels, de Friedrich Engels].

[41]Ibid., p. 145 [Resenha por Engels, de Friedrich Engels].

[42]KAUTSKY, Karl. Karl Marx’ ökonomische Lehren: Gemeinverständlich dargestellt und erläutert von Karl Kautsky, [1886] 21. Aufl., Berlin, 1922, p. VIII.

[43]Kautsky, citado em HECKER, Rolf. Einfache Warenproduktion, 1997. Disponível em: www.rote-ruhr-uni.org/texte/hecker_einfache_warenproduktion.shtml.

[44]HILFERDING, Rudolf. Böhm-Bawerks Marx-Kritik. [1904] In: EBERLE, Friedrich (Org.). Aspekte der Marxschen Theorie: Zur methodischen Bedeutung des 3. Bandes des ‚Kapital’, Ff/M, 1973, p. 191.

[45]Cf. ROSENTAL, Mark. Die dialektische Methode der politischen Ökonomie von Karl Marx, [russ. 1955] Berlin, 1973 [ed. bras.: ROSENTAL, Mark. O método dialético marxista. Rio de Janeiro: Vitória, 1951].

[46]Cf. MANDEL, Ernest. Marxistische Wirtschaftstheorie, [1968] Bd. 1, 2. Aufl., Ff/M, 1972 [ed. líng. port.: MANDEL, Ernest. Iniciação à Teoria Económica Marxista. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/mandel/1967/teoria/index.htm].

[47]“Isso deixa claro, portanto, por que Marx no início do primeiro livro parte da produção simples de mercadorias como premissa histórica, para finalmente chegar dessa base ao capital – por que ele procede da produção simples de mercadorias em vez de uma forma lógica e historicamente secundária – de uma mercadoria já modificada de modo capitalista.” (MEW 25, p. 20) [Prefácio ao Livro III de O capital, por Friedrich Engels].

[48]Ibid., p. 20. Essa interpretação da análise da forma-valor também é adotada por Kautsky, em KAUTSKY, Karl. Karl Marx’ ökonomische Lehren: Gemeinverständlich dargestellt und erläutert von Karl Kautsky, [1886] 21. Aufl., Berlin, 1922, p. 29-33.

[49]Ou seja, a lei do valor discutida por Marx em “O capital”. Cf. MEW 25, p. 909 [ed. bras.: ENGELS, Friedrich. Apêndice e notas suplementares ao Livro III d’O capital. In: MARX, Karl. O capital: Crítica da Economia Política: Livro III: O processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017.]

[50]Ibid., p. 907.

[51]Ibid., p. 907.

[52]“Ou se acredita que o camponês e o artesão foram tão estúpidos a ponto de desistir do produto de 10 horas de trabalho de uma pessoa pelo de uma única hora de trabalho de outra?” e quem faz isso aprende “somente por meio de erros” (Ibid., p. 908).

[53]Ibid., p. 907.

[54]Em contraste, cf. a crítica de Marx à noção de dinheiro-trabalho, ou a noção de uma troca de mercadorias pré-monetária em “Para a crítica” e nos “Grundrisse” (MEW 13, p. 66ss.; MEW 42, p. 100-105), e na primeira edição de “O capital” (MEGA II, v. 5, p. 39-40). [ed. bras.: MARX, Karl. Contribuição à crítica da Economia Política. São Paulo: Expressão Popular, 2008; MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011.]

[55]Cf. MEGA II/2, p. 49 [Urtext zur Kritik der politischen Ökonomie, de Karl Marx, sem tradução para a língua portuguesa]

[56]Cf. MEW 23, p. 95 [MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 155, rodapé n.º 32].

[57]Na visão de Marx, cf. por exemplo, “Adam Smith confunde constantemente a determinação do valor das mercadorias pelo tempo de trabalho nelas contido com a determinação de seus valores pelo valor do trabalho; é inconsistente nos detalhes de sua exposição e confunde a equalização objetiva de quantidades desiguais de trabalho forçadas pelo processo social com a igualdade subjetiva do trabalho dos indivíduos” (MEW 13, p. 45 [Contribuição à crítica da Economia Política, de Karl Marx]).

[58]A afirmação de uma identidade entre liberdade e necessidade tem certamente em Hegel, como indica Thomas S. Hoffmann, um sentido totalmente diferente, a saber, o da autodeterminação, conceito autofundante como causa sui (HOFFMAN, Thomas Sören. Georg Wilhelm Friedrich Hegel: eine Propädeutik, Wiesbaden, 2004, p. 344-345). Ela se torna determinista só a partir de sua adaptação materialista por parte de Engels. É que só a partir daqui não se pode mais falar de uma absoluta autodeterminação e a determinidade por outro é colocada em seu lugar.

[59]Segundo o marxismo-leninismo, “o valor funciona como um instrumento de administração planejada dos processos socialistas de produção e reprodução, de acordo com os princípios da contabilidade e do controle da massa do trabalho e do consumo. Correspondentemente, a relação de valor é conscientemente implementada. EICHHORN, Wolfgang Peter. Wert. In: KLAUS, Georg; BURH, Manfred (Org.). Philosophisches Wörterbuch, Bd. 2, 13. Aufl., Berlin/West, 1985, p. 1291. Dentro deste quadro, o socialismo consiste “meramente na maneira revolucionada de calcular a mesma determinação social dos produtos do trabalho humano que existe na economia mercantil capitalista”, como Stefan Grigat observa criticamente em GRIGAT, Stefan. Kritik und Utopie. Weg und Ziel, H. 4, 17-21, 1997, p. 20. Assim, o comunismo alegadamente marxista degenera em uma espécie de sistema proudhoniano de notas de trabalho, como Diethard Behrens e Kornelia Hafner também observam: “todas as concepções até então existentes da transição ao socialismo recorrerem a modelos de cálculo imediato do valor do trabalho e da utilidade” em BEHRENS, Diethard; HAFNER, Kornelia. Auf der Suche nach dem „wahren Sozialismus: Von der Kritik des Proudhonismus über die russische Modernisierungsdiktatur zum  realsozialistischen Etikettenschwindel. In: PANNEKOEK, Anton et. al. Marxistischer Antileninismus, Freiburg, 1991, p. 226. Cf. também HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition, [1991] 2. Aufl., Münster, 1999a, p. 385-392; KITTSTEINER, Heinz Dieter. Bewusstseinsbildung, Parteilichkeit, dialektischer und historischer Materialismus: zu einigen Kategorien der marxistisch-leninistischen Geschichtsmethodologie. IWK, Jg. 10, 1974, p. 410-515; KITTSTEINER, Heinz Dieter.„Logisch“ und „Historisch“: Über Differenzen des Marxschen und Engelsschen Systems der Wissenschaft (Engels’ Rezension „Zur Kritik der politischen Ökonomie“ von 1959). In: IWK, Jg. 13, 1977, p. 40-47; RAKOWITZ, Nadja. Einfache Warenproduktion: Ideal und Ideologie, Freiburg, 2000. Criticamente quanto ao socialismo adjetivo na teoria do direito e do Estado, cf. ELBE, Ingo. ‚(k)ein Staat zu machen?´ Die sowjetische Rechts- und Staatsdebatte auf dem Weg zum adjektivischen Sozialismus, 2002b. Disponível em: http://www.rote-ruhr-uni.com/cms/K-ein-Staat-zu-machen.html.

[60]Cf. HAUG, Wolfgang Fritz. Form. In:  __________. (Org.). Historisch-kritisches Wörterbuch des Marxismus, Bd. 4, Hamburg, 1999, p. 604-609.

[61]MEW 21, 300. [Ludwig Feuerbach…, de Friedrich Engels; tradução modificada].

[62]Ibid., p. 300 [Ludwig Feuerbach…, de Friedrich Engels]

[63]Cf. ibid., p. 165 [A origem da família…, de Friedrich Engels]. Mesmo a tentativa de Helmuth Schütte de apresentar as considerações de Engels como passíveis de concretização com a análise das formas sofre de anacronismos desse tipo. Assim, Schütte sempre fala do Estado no sentido universal-histórico como um “poder coercitivo extra-econômico” [außerökonomischen Zwangsgewalt] (SCHÜTTE, Helmuth. Staatstheorie als Methodenproblem des historischen Materialismus. In: HAUG, Wolfgang Fritz (Org.). Staat und Monopole (II), Berlin, 1977, p. 14, cf. também p. 17). Aqui, a separação das esferas de reprodução material e o exercício da coerção no capitalismo é projetada inconsequentemente em modos de produção pré-capitalistas. A especificidade da apropriação mediada pela coerção direta como uma característica do domínio de classe pré-capitalista torna-se, assim, irreconhecível [ed. bras.: ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. [1884] Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2019].

[64]SCHÄFER, Gert. Einige Probleme des Verhältnisses von „ökonomischer“ und „politischer“ Herrschaft. In: SCHÄFER, Gert et al. (Org.). Karl Marx/Friederich Engels – Staatstheorie: Materialien zur Rekonstruktion der marxistischen Staatstheorie, Ff/M., Berlin, Wien, 1974, p. XCVII. [ed. bras.: SCHÄFER, Gert. Alguns problemas decorrentes da relação entre dominação “econômica” e “política”. In: REICHELT, Helmut et al. A teoria do Estado: Materiais para reconstrução da teoria marxista do Estado. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1990, p. 101.]

[65]Cf. MEW 21, p. 166-167 [A origem da família…, de Friedrich Engels].

[66]Cf. a questão de Pachukanis ao leninismo: “por que o aparelho de coerção estatal não se constitui como aparelho privado da classe dominante, mas se destaca deste, assumindo a forma de um aparelho de poder público impessoal, separado da sociedade?” (PASCHUKANIS, Eugen. Allgemeine Rechtslehre und Marxismus: Versuch einer Kritik der juristischen Grundbegriffe, [russ. 1924]  2. Aufl., Ff/M, 1969, p. 120 [ed. bras.: PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 143]).

[67]MEW 21, p. 167. [A origem da família…, de Friedrich Engels]. Não surpreende que justamente Lenin se refira afirmativamente a esta “justificação” baseada na teoria do agente e da influência.

[68]MEW 20, p. 260 [Anti-Dühring, de Friedrich Engels, p. 314].

[69]BUSCH-WEẞLAU, Johannes. Der Marxismus und die Legitimation politischer Macht. Ff/M./ New York, 1990, p. 84.

[70]MEW 20, p. 260. [Anti-Dühring, de Friedrich Engels, p. 314]

[71]Cf. PAUL, Hans Holger. Marx, Engels und die Imperialismustheorie der 2. Internationale, Hamburg, 1978, p. 51-54.

[72]MEW 22, p. 231-232 [ed. líng. port.: ENGELS, Friedrich. Para a Crítica do Projecto de Programa Social-Democrata de 1891. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1891/06/29.htm]

[73]Cf. MEW 20, p. 260. [Anti-Dühring, de Friedrich Engels, p. 314-315]

[74]SCHÄFER, Gert. Einige Probleme des Verhältnisses von „ökonomischer“ und „politischer“ Herrschaft. In: SCHÄFER, Gert et al. (Org.). Karl Marx/Friederich Engels – Staatstheorie: Materialien zur Rekonstruktion der marxistischen Staatstheorie, Ff/M., Berlin, Wien, 1974, p. CXXXI.

[75]MEW 20, p. 260. [Anti-Dühring, de Friedrich Engels, p. 314]

[76]SCHÄFER, Gert. Einige Probleme des Verhältnisses von „ökonomischer“ und „politischer“ Herrschaft. In: SCHÄFER, Gert et al. (Org.). Karl Marx/Friederich Engels – Staatstheorie: Materialien zur Rekonstruktion der marxistischen Staatstheorie, Ff/M., Berlin, Wien, 1974, p. CXXXIV.

[77]Este velho imbróglio será apresentado mais tarde por Wolfgang Pohrt e outros como uma visão profunda sobre o “capitalismo tardio”.

[78]MEW 20, p. 259-260. [Anti-Dühring, de Friedrich Engels, p. 314].

[79]O termo provavelmente foi usado pela primeira vez em uma polêmica leninista contra História e consciência de classe de Lukács (cf. WALTHER, Rudolf. Marxismus. In: BRUNNER, Otto et. al. (Org.): Geschichtliche Grundbegriffe: Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland, Bd. 3, Stuttgart, 1982, p. 968), mas não alcançou maior significância, nem como formulação polêmica, nem como autodescrição dos teóricos comumente incluídos no nome (como Lukács, Korsch, Bloch, a Escola de Frankfurt, Gramsci, Lefebvre etc.). Aqui, sigo o uso do termo por Perry Anderson em: ANDERSON, Perry. Über den westlichen Marxismus, Ff/M, 1978. Por mais fecundo que possa ser o conceito de marxismo ocidental como modelo heurístico, seus limites devem ser claramente demonstrados; cf. a crítica de Anderson por HAUG, Wolfgang Fritz. Westlicher Marxismus?. In: __________. Pluraler Marxismus, Bd. 2, Berlin, 1987; e KRÄTKE, Michael. Marxismus als Sozialwissenschaft. In: HAUG, Frigga; KRÄTKE, Michael (Org.). Materialien zum Historisch-kritischen Wörterbuch des Marxismus, Hamburg, 1996, p. 77. [ed. bras.: LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe. São Paulo: Martins Fontes, 2003; ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental; Nas trilhas do materialismo histórico. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2019.]

[80]Cf. MEHRINGER, Hartmut; MERGNER, Gottfried (Org.). Debatte um Engels, Bd. 1: Weltanschauung, Naturerkenntnis, Erkenntnistheorie, Hamburg, 1973, p. 189 ou STEDMAN JONES, Gareth. Engels und die Geschichte des Marxismus. In: ders.: Klassen, Politik, Sprache: Für eine theorieorientierte Sozialgeschichte, Münster, 1988, p. 232.

[81]Cf. LUKÁCS, Georg. Geschichte und Klassenbewußtsein: Studien über marxistische Dialektik, [1923] 10. Aufl., Darmstadt, 1988, 61-62.

[82]Cf. também BRECHT, Bertolt. „Me-ti – Buch der Wendungen“. In: __________. Gesammelte Schriften, Bd. 12, Ff/M, 1967, p. 469 ou BLOCH, Ernst. Das Prinzip Hoffnung, [1959] Bd. 1, Ff/M, 1990, p. 229 [ed. bras.: BLOCH, Ernst. O princípio esperança. V. 1. Trad. Nélio Schneider. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 2005].

[83]HAUG, Wolfgang Fritz. Philosophieren mit Brecht und Gramsci, Berlin-Hamburg, 1996, p. 8. Para uma crítica da “tese da linguagem cifrada” [Tarnwortthese] no que diz respeito ao trabalho de Gramsci, cf. HAUG, Wolfgang Fritz. “Einleitung. In: GRAMSCI, Antonio. Gefängnishefte 6: Philosophie der Praxis, Hamburg, 1995, p. 1195-1209.

[84]Cf. KORSCH, Karl. Marxismus und Philosophie. [1923] In: __________. Gesamtausgabe Bd. 3. Marxismus und Philosophie: Schriften zur Theorie der Arbeiterbewegung 1920-1923, Amsterdam, 1993a, p, 337-338; LUKÁCS, Georg. Lenin: Studie über den Zusammenhang seiner Gedanken. [1924] In: CLAUSSEN, Detlev (Org.). Blick zurück auf Lenin: Georg Lukács, die Oktoberrevolution und Perestroika, Ff/M., 1990; GRAMSCI, Antonio. Philosophie der Praxis: eine Auswahl, Ff/M, 1967, p. 23-27 [ed. bras.: LUKÁCS, Georg. Lênin: um estudo sobre a unidade de seu pensamento. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2012]

[85]Cf KORSCH. Karl. [1930]: Der gegenwärtige Stand des Problems „Marxismus und Philosophie“. Zugleich eine Antikritik. In: __________.  Gesamtausgabe Bd. 3. Marxismus und Philosophie: Schriften zur Theorie der Arbeiterbewegung 1920-1923, Amsterdam, 1993b; LUKÁCS, Georg. N. Bucharin: Theorie des historischen Materialismus (Rezension). In: BUCHARIN, Nikolai; ABRAM, Deborin. Kontroversen über dialektischen und mechanistischen Materalismus, Ff/M., 1974; GRAMSCI, Antonio. Philosophie der Praxis: eine Auswahl, Ff/M, 1967 [ed. líng. esp.: LUKÁCS, Georg. Tecnologia y relaciones sociales. In: BUKHARIN, Nicolai. Teoria del materialismo historico. Madri: Siglo XXI, 1974. pp. 41-51].

[86]Citações respectivas em LUKÁCS, Georg. N. Bucharin: Theorie des historischen Materialismus (Rezension). In: BUCHARIN, Nikolai; ABRAM, Deborin. Kontroversen über dialektischen und mechanistischen Materalismus, Ff/M., 1974, p. 289 e 284. Cf. também KOFLER, Leo. Die Gesellschaftsauffassung des Historischen Materialismus. In: __________. Zur Kritik bürgerlicher Freiheit, Hamburg, 2000, p. 90-91.

[87]GRAMSCI, Antonio. Philosophie der Praxis: eine Auswahl, Ff/M, 1967, p. 24 [ed. em líng. port.: GRAMSCI, António. A Revolução Contra o Capital. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1917/04/24.htm]

[88]Ibid., p. 25.

[89]Mas isto lhe é finalmente “imputado” na forma de consciência revolucionária de classe pelos teóricos do partido (LUKÁCS, Georg. Geschichte und Klassenbewußtsein: Studien über marxistische Dialektik, [1923] 10. Aufl., Darmstadt, 1988, p. 126). Estes, por sua vez, são uma espécie de órgão de registro da tendência histórica geral e da totalidade social e reconhecem o que o proletariado, “independentemente do que se possa pensar sobre ele” (ibid., p. 153), será forçado a fazer. Embora Lukács recorra à práxis e à subjetividade contra perspectivas e leis objetivas, o real pensar e agir, a real subjetividade dos atores e classes está aqui novamente sujeita a uma instância metafísica histórica – a totalidade do curso da história e sua suposta tendência.

[90]Uma psicologia científica, por exemplo, não pode ser encontrada no pensamento da maioria dos representantes do marxismo, além de referências positivas ao behaviorismo de Pavlov. A psicanálise foi majoritariamente rejeitada, se não demonizada como “decadência burguesa”. Helmut Dahmer oferece uma visão geral crítica de tais reações em: DAHMER, Helmut. Libido und Gesellschaft: Studien über Freud und die Freudsche Linke, 2. erw. Aufl., Ff/M, 1982, p. 241-277; no contexto do marxismo ocidental, foi principalmente Lukács quem se destacou na condenação de Freud. Gramsci admitiu que “não foi capaz de estudar as teorias de Freud” (GRAMSCI, 1976, p. 404 [N.T.: não relacionado na bibliografia]).

[91]Cf. HORKHEIMER, Max. Traditionelle und kritische Theorie. [1937] In: __________. Gesammelte Schriften, Bd. 4, Ff/M, 1988, p. 188-189, 215-216 [ed. bras.: HORKHEIMER, Max. Teoria tradicional e teoria crítica. Trad. Ronaldo Pereira Cunha. In: ADORNO, Theodor; BENJAMIN, Walter; HABERMAS, Jürgen; HORKHEIMER, Max. Textos escolhidos. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editor Victor Civita, 1975, p. 125-162].

[92]Como outras características do marxismo ocidental, Anderson elenca o recurso à filosofia pré-marxista para esclarecer o método de uma teoria social crítica; a incorporação de teorias “burguesas” contemporâneas; um estilo esotérico de escrita; uma avaliação um tanto pessimista do desenvolvimento histórico claramente divergente da dicção triunfalista do marxismo clássico e do marxismo-leninismo; uma preferência por problemas de estética.

[93]As obras de Gramsci escritas no cárcere fascista são exceção.

[94]HABERMAS, Jürgen. Zwischen Philosophie und Wissenschaft: Marxismus als Kritik. [1960] In: __________. Theorie und Praxis. Sozialphilosophische Studien, Frankfurt/M, 1993, p. 235 [ed. bras.: HABERMAS, Jürgen. Entre filosofia e ciência: marxismo como crítica. In: __________.  Teoria e práxis: estudos de filosofia social. Trad. Rúrion Melo. São Paulo: Unesp, 2013, p. 351-442].

[95]Cf. DANNEMANN, Rüdiger. Das Prinzip Verdinglichung: Studie zur Philosophie Georg Lukács’, Ff/M, 1987, p. 80ss, 93ss.

[96]Por exemplo, Fromm, Erich. Das Menschenbild bei Marx, Ff/M-Berlin, 1988, p. 9 ou HABERMAS, Jürgen. Zur Rekonstruktion des Historischen Materialismus [1976], Ff/M, 1990 [ed. bras.: FROMM, Erich. O Conceito Marxista do Homem. 8 ed, Rio de Janeiro, Zahar, 1983; HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Editora Unesp, 2014]

[97]Cf. as tentativas de uma reconstrução do materialismo histórico por Jürgen Habermas.

[98]As primeiras abordagens de uma nova leitura de Marx podem ser encontradas nos anos de 1920 com os autores soviéticos Isaak Illich Rubin e Evguiéni Pachukanis (cf. RUBIN, Isaak Iljitsch. Studien zur Marxschen Werttheorie, Ff/M, 1973; RUBIN, Isaak Iljitsch. Abstrakte Arbeit und Wert im Marxschen System. [1928] In: Rubin,  Isaak Iljitsch et. al. Dialektik der Kategorien: Debatte in der UdSSR (1927-29), Berlin, 1975; PASCHUKANIS, Eugen. Allgemeine Rechtslehre und Marxismus: Versuch einer Kritik der juristischen Grundbegriffe, [russ. 1924]  2. Aufl., Ff/M, 1969). Sua consciência do problema relativo aos aspectos teóricos do valor e do direito na teoria de Marx não seria nem remotamente alcançada por muito tempo depois disso, tanto no Leste como no Oeste. Somente com os debates a partir do final da década de 1960 é que a situação mudou em parte. [ed. bras.: RUBIN, Isaak Illich. A teoria marxista do valor. São Paulo: Brasiliense, 1980]

[99]Conforme descrita por Heinrich e Jaeggi, respectivamente em: HEINRICH, Michael. Kommentierte Literaturliste zur Kritik der politischen Ökonomie. In: ALTVATER, Elmar; HECKER, Rolf; HEINRICH, Michael; SCHAPER-RINKEL, Petra (Org.). Kapital.doc: Das Kapital (Bd. 1) von Karl Marx in Schaubildern und Kommentaren, Münster, 1999b; e JAEGGI, Urs. Einige Bemerkungen zur Orthodoxie und zum Dogmatismus im Historischen Materialismus. In: JAEGGI, Urs; Honneth, Axel (Org.). Theorien des Historischen Materialismus, Ff/M, 1977. Também referida sob o rótulo de “neomarxismo”.

[100]Conforme definido por Hans-Georg Backhaus em: BACKHAUS, Hans-Georg. Dialektik der Wertform: Untersuchungen zur Marxschen Ökonomiekritik, Freiburg, 1997. Cf. também HEINRICH, Michael. 1999b, op cit., p. 211ss.

[101]Cf., entre outros, HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition, [1991] 2. Aufl., Münster, 1999a; e BRENTEL, Helmut. Soziale Form und ökonomisches Objekt: Studien zum Gegenstands- und Methodenverständnis der Kritik der politischen Ökonomie, Opladen, 1989.

[102]Sobre o chamado “debate da derivação do Estado”, cf. KOSTEDE, Norbert. Die neuere marxistische Diskussion über den bürgerlichen Staat. Einführung–Kritik–Resultate. Gesellschaft: Beiträge zur Marxschen Theorie 8/9, 1976, p. 150-196; e RUDEL, Gerd. Die Entwicklung der marxistischen Staatstheorie in der Bundesrepublik, Ff/M. –New York, 1981.

[103]BREUER, Stefan. Die Krise der Revolutionstheorie: Negative Vergesellschaftung und Arbeitsmetaphysik bei Herbert Marcuse, Ff/M, 1977; MOHL, Alexandrine. Verelendung und Revolution. Oder: Das Elend des Objektivismus. Zugleich ein Beitrag zur Marxrezeption in der deutschen Sozialdemokratie. Diss., Ff/M, 1978; KÖNIG, Helmut. Geist und Revolution: Studien zu Kant, Hegel und Marx, Stuttgart, 1981; ou os escritos do grupo Krisis.

[104]SCHMIDT, Alfred; EUCHNER, Walter (Org.). Kritik der politischen Ökonomie heute: 100 Jahre „Kapital“, Ff/M, 1968.

[105]O “marxismo crítico” dos anos 1960, do qual Alfred Schmidt foi o principal defensor, enfatiza o caráter negativo e historicamente limitado e reivindica a validade de um “materialismo de segunda natureza”, mas tende a considerar o individualismo metodológico como uma descrição adequada das futuras relações comunistas. O marxismo “científico” da escola de Althusser enfatiza, contra as teorias individualistas de um “sujeito constituinte”, que os atores são meramente portadores das relações de produção, mas devido à tendência de suas categorias assumirem um caráter histórico-universal (a combinatória dos níveis em Balibar, os conceitos de práxis e ideologia em Althusser), eleva a independência das relações de produção a uma norma científica.

[106]BACKHAUS, Hans-Georg. Dialektik der Wertform: Untersuchungen zur Marxschen Ökonomiekritik, Freiburg, 1997, p. 11.

[107]Ibid., p. 69.

[108]Ibid., p. 69.

[109]Cf. ALTHUSSER, Louis; BALIBAR, Etienne. Das Kapital lesen. [1968] 2 Bde., Hamburg, 1972, p. 38-51 e p. 65-66 [ed. bras.: ALTHUSSER, Louis et al. Ler O Capital I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1979; e ALTHUSSER, Louis et al. Ler O Capital II. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1980].

[110]Cf. ibid., p. 52-55. A diferença entre a leitura estruturalista e a leitura crítico-reconstrutiva não se limita a este ponto. Enquanto a primeira quer expor o hegelianismo como um metadiscurso inadequado, para a última, a referência metodológica a Hegel é, não raro, a via régia de compreensão da obra de Marx.

[111]Este é o subtítulo de Heinrich (HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition, [1991] 2. Aufl., Münster, 1999a); cf. também a crítica de Backhaus a suas próprias premissas teóricas nas duas primeiras partes de seu “Materialien…”. (BACKHAUS, Hans-Georg. Dialektik der Wertform: Untersuchungen zur Marxschen Ökonomiekritik, Freiburg, 1997, 132ss.)

[112]Para uma perspectiva crítica sobre alguns aspectos dessas teses, cf. WOLF, Dieter. Kritische Theorie und Kritik der politischen Ökonomie. In: BERLINER VEREIN ZUR FÖRDERUNG DER MEGA-EDITION (Org.), Wissenschaftliche Mitteilungen, Heft 3: Zur Konfusion des Wertbegriffs, Berlin, 2004. Wolf também critica as tendências dentro da nova leitura de Marx que identificam o método dialético de Marx com contradições lógicas e lhes dão um revestimento irracional; cf. as críticas de Wolf a Colletti e Göhler em: WOLF, Dieter. Ware und Geld: Der dialektische Widerspruch im Kapital, Hamburg, 1985. Posições irracionais também podem ser encontradas hoje entre os representantes dos grupos Krisis e Exit, bem como do Initiative Sozialistisches Forum (ISF) de Friburgo.

[113]MEW 23, p. 16. [ed. bras.: MARX, Karl. Prefácio da primeira edição. In: MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção. São Paulo: Boitempo, 2013.]

[114]SCHMIDT, Alfred. Der Begriff der Natur in der Lehre von Karl Marx, [1962] Hamburg, 1993, p. 35.

[115]Sobre a crítica de Marx à filosofia da história, cf. entre outros: FLEISCHER, Helmut. Marxismus und Geschichte. [1969] 5. Aufl., Ff/M, 1975; KITTSTEINER, Heinz Dieter. Naturabsicht und unsichtbare Hand, Ff/M.- Berlin-Wie , 1980; ARNDT, Andreas. Karl Marx: Versuch über den Zusammenhang seiner Theorie, Bochum, 1985, p. 50-76; e HECKER, Rolf; VOLLGRAF, Carl-Erich; SPERL, Richard (Org.). Geschichte und materialistische Geschichtstheorie bei Marx, Berlin-Hamburg, 1996.

[116]G. Stiehler, citado em JAEGGI, Urs. Einige Bemerkungen zur Orthodoxie und zum Dogmatismus im Historischen Materialismus. In: JAEGGI, Urs; Honneth, Axel (Org.). Theorien des Historischen Materialismus, Ff/M, 1977, p. 153. Sobre essa crítica de “Marx”, vendida como posição marxiana autêntica, cf. apenas os escritos correspondentes de K. Popper.

[117]REICHELT, Helmut. Zur logischen Struktur des Kapitalbegriffs bei Karl Marx, [1970] 4. Aufl., Ff/M, 1973, p. 73. [ed. bras.: REICHELT, Helmut. Sobre a estrutura lógica do conceito de capital em Karl Marx. Campinas: Editora da Unicamp, 2013, p. 83].

[118]Cf. MEW 2, p. 37-38 [ed. bras.: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A sagrada família ou a crítica da Crítica crítica: contra Bruno Bauer e consortes. [1844] Trad. Marcelo Backes. São Paulo: Boitempo, 2003].

[119]Sobre isso, cf. HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition, [1991] 2. Aufl., Münster, 1999a.

[120]Sobre esse ponto, cf. BRENTEL, Helmut. Soziale Form und ökonomisches Objekt: Studien zum Gegenstands- und Methodenverständnis der Kritik der politischen Ökonomie, Opladen, 1989, capítulo 5.

[121]Sobre isso, cf. HEINRICH, Michael, 1999a, op cit., p. 380-384;

POSTONE, Moishe. Zeit, Arbeit und gesellschaftliche Herrschaft: Eine neue Interpretation der kritischen Theorie von Marx, [amerik. 1993] Freiburg, 2003, pp. 69, 110, 149, 414, 479 e 541 [ed. bras.: POSTONE, Moishe. Tempo, trabalho e dominação social. São Paulo: Boitempo, 2014]; e

IBER, Christian. Grundzüge der Marx’schen Kapitalismustheorie, Berlin, 2005, pp. 154, 163 e 177.

[122]Cf. MEW 4, p. 126 e MEW 40, p. 510 [ed. bras.: MARX, Karl. Miséria da filosofia. São Paulo: Boitempo, 2017 e MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004].

[123]De forma aperfeiçoada na chamada “fórmula trinitária” da teoria dos componentes do valor. Para uma crítica da economia neoclássica, cf. HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition, [1991] 2. Aufl., Münster, 1999a, p. 62-85.

[124]MEW 1, p. 296 [ed. bras.: MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. 3 ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 114].

[125]HOFF, Jan. Kritik der klassischen politischen Ökonomie: zur Rezeption der werttheoretischen Ansätze ökonomischer Klassiker durch Karl Marx, Köln, 2004, p. 24.

[126]MEW 23, p. 95 [O capital, Livro 1, de Karl Marx, p. 155]. Mais especificamente, cf. WOLF, Dieter. Quantität und Qualität des Werts. Makroökonomischer Ausblick auf den Zusammenhang von Warenzirkulation und Produktion. 2006, p. 69ss. Disponível em: http://www.dieterwolf.net/pdf/Qualitaet_des_Werts_und_Quantitaet_des_Werts.pdf

[127]MEW 23, p. 95 [O capital, Livro 1, de Karl Marx, p. 155, modif.]

[128]HOFF, Jan. Kritik der klassischen politischen Ökonomie: zur Rezeption der werttheoretischen Ansätze ökonomischer Klassiker durch Karl Marx, Köln, 2004, p. 78.

 

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