O capitalismo industrial no século XIX: uma análise a partir de Émile Durkheim e Karl Marx

Por Lucas Barroso Rego*

No século XIX, o início da expansão do processo de industrialização na Europa alterou as relações sociais vigentes. Dentre elas, o Trabalho Burguês passou a ocupar um papel central na vida dos europeus. A ascensão política da burguesia, atrelada à proletarização dos trabalhadores, concentrou as atividades das cidades nas indústrias modernas. Por conta disso, esse espaço social passou a ter sua importância ampliada diariamente, uma vez que concentrava tanto os interesses burgueses quanto a vida proletária.

Sobre tais transformações repentinas, dois autores clássicos da Sociologia mobilizaram seus estudos analíticos. Abordando sobre a questão trabalhista nesse período, Émile Durkheim, em Da Divisão do Trabalho Social (1983) e Karl Marx, em O Capital (2015) e no Manifesto do Partido Comunista (2008), desenvolveram teorias complexas para explicar as consequências dessa nova era para o presente e o futuro da humanidade.

Com o intuito de desvincular a ciência da moral (DURKHEIM, 1983, p. 25), o formulador das regras do método sociológico teceu grandes contribuições para o estudo da Sociologia no século XIX. Uma delas diz respeito às relações trabalhistas. De orientação positivista, Durkheim compreendia a divisão do trabalho como “a fonte da civilização”, uma vez que é, segundo o autor, a “condição necessária para o desenvolvimento intelectual e material da sociedade” (1983, p. 23).

Em Da Divisão do Trabalho Social (1983), Durkheim afirma que a verdadeira função das especializações de tarefas “é criar entre duas ou várias pessoas um sentimento de solidariedade” (1983, p. 27). De acordo com o sociólogo francês, em sua obra, mais do que dividir, delimitar funções específicas torna-as necessariamente solidárias. Esse conceito, que posteriormente vai ser tipificado em mecânico e orgânico, quanto à coletividade ou à interindependência, diz respeito ao mecanismo básico de coesão social (JOHNSON, 1997). Desse modo, segundo Durkheim, a divisão do trabalho seria benéfica, uma vez que iria gerar um sentimento de independência recíproca positiva entre indivíduos de diferentes classes sociais.

De maneira divergente aos pensamentos durkheimianos e anteriormente aos escritos de Durkheim, Karl Marx analisou a conjuntura industrial do século XIX de forma mais sistemática. No capítulo inicial de O Capital (2015), partindo da relação entre valor de uso e valor de troca, Marx procura compreender, a partir das mercadorias, as vicissitudes da força trabalhista industrial. Sobre esse conceito mobilizado pela teoria marxiana, o trabalho despendido não seria apenas de um indivíduo, mas sim a reunião de inumeráveis forças individuais (MARX, 2015, p. 99). Sendo assim, o primeiro pilar da teoria solidária de Durkheim é refutado pela teoria de Marx, uma vez que a solidariedade, segundo o próprio sociólogo alemão, apenas seria possível entre os membros da classe trabalhadora e não entre a burguesia e o proletariado, que são antagônicas por natureza.

Além disso, nesse mesmo capítulo, Marx analisa o tempo de trabalho como variável circunstancial do capitalismo industrial. Conceituando esse termo mobilizado por sua teoria, tem-se que é o espaço temporal necessário para produzir um valor de uso sobre uma mercadoria (MARX, 2015, p. 99). Como em uma equação inversa, “quanto maior é a força produtiva do trabalho, menor é o tempo de trabalho requerido para a produção de um artigo, menor a massa de trabalho nele cristalizada e menor seu valor” (MARX, 2015, p. 100). Assim, o lucro do burguês estaria ligado aos valores baixos, em decorrência dos baixos salários pagos aos proletários, sendo esses resultados do acúmulo de mais-valias. Desse modo, tal afirmação posteriormente vai refutar os pensamentos de Durkheim (1983), posto que demonstra a inexistência de uma solidariedade benéfica entre indivíduos de classes diferentes.

Como meio de buscar a superação da realidade exploratória do capitalismo, Karl Marx, juntamente com Friedrich Engels, escreveu o Manifesto do Partido Comunista (2008), com intuito de orientar os proletários rumo à libertação do Capital. De inclinação anticapitalista, o texto busca explicações e soluções para as crises intrínsecas ao domínio burguês, reafirmando a necessidade de uma consciência solidária somente entre os proletários do mundo (MARX; ENGELS, 2008, p. 64). Ao iniciarem o texto com a afirmação de que o motor da história da humanidade é a luta de classes (MARX; ENGELS, 2008, p. 8), os fundadores da filosofia comunista entendem que a alternativa mais humanista possível consiste na união proletária em prol do fim do modelo capitalista (FERNANDES, 1998, p. 12). Assim, para eles, a fonte de civilização não seria a divisão do trabalho, como posteriormente dito por Durkheim (1983, p. 23), mas sim a liberdade social dos oprimidos.

Dessa forma, seja a partir de Durkheim (1983) ou de Marx (2008; 2015), é fato que o capitalismo industrial modificou a realidade europeia do século XIX. Seja para apontar os benefícios ou os malefícios de tal transformação, os dois autores clássicos da Sociologia revolucionaram o fazer sociológico e contribuíram para a cientifização da disciplina. Mesmo havendo grandes divergências entre suas teorias, suas contribuições para o campo sociológico são questões debatidas até os dias de hoje. Mesmo a partir de suas interpretações conflitantes, que podem ser tanto conservadoras quanto revolucionárias, é fato que a divisão social do trabalho capitalizou a vida dos trabalhadores europeus e influencia o modo de produção até os dias de hoje.

* Lucas Barroso Rego é bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e licenciando em História pela Universidade Candido Mendes (UCAM).

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8481113958603388.

Contato: lucas.barroso@ufrj.br

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