VI Congresso do PCM: Teses sobre a emancipação da mulher

Por Partido Comunista de México, via El Machete, traduzido por Beatriz Contelli

Há uma relação extremamente próxima​ ​e orgânica entre o envolvimento das mulheres​ ​na produção e como elas estão​ ​situadas na sociedade” – August Bebel]

I. Abordagem marxista sobre a opressão da mulher, sob o princípio da divisão da sociedade em classes

1 – O Partido Comunista do México luta pela derrubada do capitalismo para que, com o poder dos trabalhadores, a socialização dos meios de produção, o controle operário e o planejamento central, construamos uma nova sociedade, a do socialismo-comunismo, pondo um fim definitivo à exploração e à opressão.

2 – A questão da mulher, o objetivo da sua emancipação, foi abordada, primeiramente, pelo marxismo-leninismo, ainda nos tempos de Marx e Engels, que enfatizaram que o desenvolvimento da sociedade é medido, entre outros aspectos, pelo grau de participação das mulheres. É o materialismo histórico dialético que fornece os elementos para a compreensão do caráter da opressão, atrelado aos sucessivos modos de produção, bem como as condições para a libertação das mulheres no próprio contexto da emancipação da classe trabalhadora.

3 – O movimento operário internacional ergueu firmemente a bandeira da igualdade e colocou as mulheres proletárias na vanguarda da luta de classes, com papel de destaque na Revolução de 1848 e na Comuna de Paris em 1871. A Associação Internacional dos Trabalhadores e a Segunda Internacional – antes de seu processo de decomposição oportunista -, caracterizaram-se pela incursão militante das mulheres na política, na qual Clara Zetkin e Rosa Luxemburgo emergiram com força destacada por sua contribuição e prestígio, o que energizou a luta das mulheres trabalhadoras por seus direitos trabalhistas, sindicais, sociais e políticos. O oportunismo dominante na Segunda Internacional vetou e interrompeu as iniciativas de emancipação das mulheres, da mesma forma que revisou o marxismo, traiu os interesses da classe trabalhadora e apoiou a guerra imperialista. A defesa do marxismo pela corrente revolucionária em que os bolcheviques lideravam a vanguarda, reposicionou os interesses da classe trabalhadora, o internacionalismo proletário e a emancipação das mulheres, e foi fortalecida exponencialmente com a Grande Revolução Socialista de Outubro e a construção socialista na URSS. Na Internacional Comunista, com Clara Zetkin, Inessa Armand, Alexandra Kollontai, Nadezhda Krupskaya, a questão das mulheres foi retomada como elemento indispensável e inseparável da mesma luta da classe trabalhadora por sua emancipação.

4 – O fortalecimento das mulheres da classe trabalhadora na luta política, desencadeada pela ideologia marxista e pelas ações dos partidos comunistas, resultou em conquistas não apenas para as mulheres da classe trabalhadora, mas para todas as mulheres: o direito ao trabalho, à maternidade, à creche; direitos sociais, como o divórcio, e direitos políticos, como poder escolher e ser eleita. Essas conquistas da luta das mulheres trabalhadoras, com vínculo orgânico à luta pelo socialismo, pretendem ser negadas e usurpadas pelo feminismo burguês. Tal deformação chega, por exemplo, à comemoração do 8 de março, data emblemática por ser um dia de luta da mulher trabalhadora, e que busca despojá-la de seu conteúdo de classe para transformá-la em uma reivindicação da amarga luta entre os gêneros (ignorando a questão de classe), na tentativa de descolorir o vermelho insubordinado e classista para transformá-lo em um rosa agradável ao sistema de exploração e dominação.

5 – É imprescindível, portanto, expor, segundo a concepção materialista da história, a razão da desigualdade e da opressão das mulheres, e o caminho para que elas conquistem sua emancipação.

6 – É totalmente errado quando as classes dominantes assumem uma ideologia que dissemina – ideologia reacionária e conservadora, por mais verniz liberal que queiram dar – que a diferença entre mulheres e homens é determinada pela particularidade do sexo, e que as mulheres sempre tiveram um papel subordinado, que foi o caso no passado e será o caso no futuro.

7 – A situação da mulher na sociedade está indissoluvelmente ligada à estrutura e organização do modo de produção, em toda e qualquer fase do desenvolvimento social. A privação de direitos, a dependência e a falta de igualdade das mulheres não são explicadas por nenhuma característica natural ou congênita específica, mas pela natureza do trabalho que lhes é atribuído em um determinado modo de produção.

8 – Nem sempre houve desigualdade entre homens e mulheres. Durante o modo de produção da comunidade primitiva – o primeiro modo de produção da história humana que se estendeu por milhares de anos -, as mulheres eram consideradas totalmente iguais aos homens, e entre mulheres e homens não havia outras diferenças além daquelas derivadas do exercício da maternidade. No comunismo primitivo, as mulheres tiveram, inclusive, um papel de protagonismo devido a uma série de descobertas úteis para toda a humanidade: a domesticação do fogo, a construção de casas, a remoção da terra, a semeadura e colheita de grãos e frutas, a fiação, a tecelagem, a cerâmica, a fitoterapia como primeira prática medicinal, as primeiras tentativas artísticas, ocorreram com o protagonismo das mulheres.

9 – Com o tempo e o desenvolvimento da técnica, e de acordo com as condições do clima e da geografia, as comunidades que viviam da caça e da coleta fizeram a transição para a agricultura e a pastagem, com os primeiros surtos de trabalho produtivo e economia doméstica. Ao mesmo tempo em que essas novas formas de economia emergem novas formas de comunidade social, com ela também emergem diferenças entre homens e mulheres. 

10 – Enquanto a economia da comunidade primitiva se baseava no cultivo como atividade primária e na caça como atividade complementar, o grupo social se organizava em torno da divisão natural do trabalho – divisão do trabalho segundo sexo e idade, entre homens e mulheres, e entre adultos, crianças e idosos -; a parcela sedentária, portanto mulheres, assumia a agricultura, enquanto os homens continuavam a ir à caça e à guerra ou ao saque das tribos vizinhas. Consequentemente, o papel de principal produtor na economia deu às mulheres um papel de liderança na vida social.

11 – O papel econômico das mulheres nas tribos pastorais era complementar, pois elas realizavam o trabalho secundário de cuidar do gado, enquanto os homens eram considerados os primeiros produtores porque não apenas caçavam animais, mas podiam captura-los vivos para aumentar o rebanho.

12 – Como explica o materialismo histórico, após a divisão natural do trabalho veio a divisão social do trabalho. Um primeiro passo foi a separação das tribos pastorais/pecuárias da massa geral, e um segundo passo a separação do artesanato do gado, até finalmente chegar à separação do trabalho manual do intelectual; assim surgiu a propriedade privada, que iniciou a crescente desigualdade econômica e a divisão entre livres e escravos, a divisão da sociedade em classes. 

13 – A dominação das mulheres, o direito da mãe, foi estabelecido enquanto a comunidade estava ligada por interesses comuns e as mulheres atuavam naquela comunidade como a principal produtora. O direito do pai, o patriarcado, foi imposto com a implantação da propriedade privada e os conflitos de interesses a ela ligados entre os diferentes membros do grupo social. O grupo tinha que ser impedido de se espalhar, mas não como antes com base na coesão instintiva, unidos em um grupo comum no qual a mãe comum governava, mas com base na autoridade do mais forte.

14 – A situação de desigualdade e opressão das mulheres precedeu o surgimento da propriedade privada. A propriedade privada consolidou a opressão das mulheres, uma vez que possibilitou a economia familiar e contribuiu para escravizá-las por meio do trabalho doméstico improdutivo e limitado, mas apenas quando, devido à divisão do trabalho, sua importância na produção já havia diminuído. Kollontai afirma: “A opressão das mulheres está relacionada com uma divisão do trabalho entre os sexos em que o trabalho produtivo era a missão dos homens, enquanto as mulheres assumiam tarefas secundárias. Quanto mais perfeita essa divisão era, mais dependente a mulher se tornava, até que finalmente sua servidão se tornou um fato consumado. Formalmente, a introdução da propriedade privada foi o ponto de inflexão de um processo no qual as mulheres foram eliminadas do trabalho produtivo”. 

15 – Na escravidão, no feudalismo e no capitalismo, a desigualdade das mulheres, a opressão das mulheres só se acentuou. Dado que tal desigualdade se inicia com seu deslocamento para tarefas produtivas secundárias e se consolida com a propriedade privada, destacamos que o desaparecimento da propriedade privada e a plena integração das mulheres no processo produtivo sem exploração são pilares da emancipação das mulheres.

16 – As ideias de que as mulheres não são iguais aos homens, que são inferiores, surgem da diminuição de sua preponderância no trabalho produtivo para o grupo social. Ou seja, são determinadas pela base econômica e pelas relações de produção, e não o contrário. As sociedades gentílicas representam a transição da comunidade primitiva para o modo de produção escravo, posto em movimento pelo surgimento da divisão social do trabalho. O patriarcado então emerge, moldando a desigualdade econômica entre mulheres e homens dentro dessas sociedades, para transferir a linha de herança e preponderância na família, de mulheres para homens. Em outras palavras, a ​raiz da opressão das mulheres não é o patriarcado, mas o modo determinado de produção do qual o patriarcado é uma ​característica. A desigualdade das mulheres continua no capitalismo, porque permite aumentar a taxa de exploração e a extração de mais-valia das mulheres proletárias. Fatores econômicos e sociais historicamente determinados transformaram o trabalho socialmente útil das mulheres em trabalho individual-familiar e, ao longo de milhares de anos, eles o transformaram de volta em trabalho socialmente útil. 

17 – Em todas as sociedades divididas em classes, a superestrutura atribuiu às mulheres um lugar secundário – como reflexo de seu papel na economia – relegando-as e condenando-as à escravidão doméstica. Por milênios, foi geralmente excluída da educação, da ciência, da técnica, da arte, da tomada de decisões políticas e civis, acorrentada ao lar. Em 170 anos, apenas dois séculos, que constituem um instante na história da humanidade, as mulheres progrediram em direitos sociais, civis e políticos; no entanto, sua emancipação está longe de ser uma igualdade completa. Esses passos qualitativos estão associados à ação revolucionária da classe trabalhadora desde que o Manifesto do Partido Comunista foi proclamado em 1848. A construção socialista desde que o proletariado conquistou o poder com a Grande Revolução Socialista de Outubro, mostrou que o socialismo-comunismo é o caminho para a emancipação das mulheres.

18 – O Partido Comunista do México considera a luta pela Revolução Socialista e a construção do socialismo-comunismo inseparáveis da luta pela emancipação das mulheres. Não considera que essa tarefa emancipatória deva ser adiada até o momento da conquista do poder, mas está associada a cada luta concreta contra o capitalismo; portanto, a organização das mulheres trabalhadoras, juntamente com a organização da classe trabalhadora e da juventude trabalhadora, é uma de suas tarefas essenciais.

II. Feminismo liberal: um falso caminho para a emancipação da mulher 

19 – Como afirma August Bebel, a Questão das Mulheres ​trata da posição que as mulheres devem ocupar no organismo social, a maneira pela qual elas podem desdobrar suas potencialidades e faculdades em múltiplas direções para se tornarem um membro pleno e ativo da maneira mais útil possível para a sociedade humana, desfrutando dos mesmos direitos que todos os outros; uma questão que necessariamente coincide com a forma que a sociedade humana deve adquirir para pôr fim à opressão, à exploração e às múltiplas formas de miséria. Consequentemente, para os comunistas, a Questão das Mulheres é inseparável da questão social geral, isto é, da luta para pôr fim à exploração capitalista.

20 – Como resultado da incorporação maciça das mulheres na produção durante o século XIX, surgiu o movimento das mulheres, que desde o seu nascimento foi claramente dividido entre o movimento das mulheres burguesas e o movimento dos trabalhadores. O capitalismo nascente tinha a necessidade de muita mão de obra e barata, por isso convocava as mulheres a participarem do trabalho produtivo e em condições de máxima precariedade, conforme bem descrito por Engels em sua obra “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” publicada em 1845; era natural que a mulher proletária tentasse lutar contra a piora de suas condições de trabalho e de vida. Embora o movimento das sufragistas durante a década de 1960 lutasse pela proteção da maternidade, pelos direitos das mães solteiras, pela separação de bens no casamento, pela nova legislação sobre divórcio e herança e participação no parlamento, o fez única e exclusivamente em benefício das mulheres burguesas; esses direitos foram negados às mulheres proletárias no início do século XX. A força da sociedade burguesa oprimindo as mulheres faz parte da grande contradição entre capital e trabalho. A contradição entre a participação das mulheres na produção, por um lado, e sua falta geral de direitos, por outro. Uma situação que as mulheres não vivenciaram, por exemplo, durante o comunismo primitivo onde tinham uma posição de liderança na economia da agricultura. A seguinte citação de Alexandra Kollontai resume a passagem das mulheres pelos diferentes modos de produção: Onde as mulheres eram as principais produtoras do sistema econômico, elas desfrutavam de valorização e direitos importantes. No entanto, se seu trabalho era de importância secundária, ele acabou caindo em uma situação de dependência e privação de direitos e se tornou uma serva e até mesmo uma escrava do homem. Atualmente, a mulher proletária ocupa papel fundamental na produção no sistema econômico capitalista, porém, não goza de direitos importantes e mais ainda permanece atrelada às tarefas de reprodução da força de trabalho. A participação das mulheres na produção deve ser a base de sua libertação em todos os campos sociais, no entanto, isso não será possível até que uma nova ordem econômica da sociedade seja real. Até que a nova sociedade reconheça plenamente as mulheres como uma força de trabalho útil que não só contribui para a prosperidade da família, mas para a da sociedade como um todo.

21 – A política das comunistas vem liberando a força das mulheres trabalhadoras para lutar por sua emancipação – inseparável da emancipação da classe trabalhadora -, no entanto, surgiram tendências que com o nome genérico de “feminismo” ​procuram levá-las por um caminho estéril. Do ​movimento sufragista às diversas expressões feministas contemporâneas, passando ​pelo movimento de libertação das mulheres predominante nas décadas de 60 e 70 do século XX, tais tendências tiveram a característica de iludir o caráter de classe que diferencia as mulheres burguesas das mulheres trabalhadoras, cujos interesses são antagônicos. Elas colocaram a ênfase na questão de gênero. Assim, colocam a questão do patriarcado como fundamental, sem apreciar que sua aparência concreta está associada à divisão social do trabalho, que também põe fim ao regime gentílico. O patriarcado foi a forma que a desigualdade econômica entre mulheres e homens assumiu dentro das sociedades gentílicas, o que mudou a linha de herança e preponderância na família de mulheres para homens. Não é um sistema de relações sociais, como defende o feminismo liberal ao negar a luta de classes, pois estabelece a dominação de um gênero e não de uma classe ao longo da história. O feminismo liberal propõe que vivamos em um sistema em que os homens dominam, quando a realidade é que o capital domina milhões de homens e mulheres.

22 – A lógica do feminismo liberal não leva à emancipação das mulheres, mas à conquista de uma posição melhor para as mulheres burguesas, sempre no marco da dominação capitalista; ou seja, reduz as condições de opressão sobre as mulheres da classe burguesa, mas mantém intactas as bases que sustentam a desigualdade das mulheres, especialmente das mulheres da classe trabalhadora.

23 – Despir a luta das mulheres pela igualdade de todo o conteúdo de classe é um caminho para novas formas de domesticação e para o prolongamento da opressão. O conteúdo e a forma de qualquer manifestação feminista é principalmente o liberalismo. Entre mulheres e homens da classe trabalhadora há um interesse comum, eles formam a mesma classe social, explorada, e esse interesse comum não existe entre mulheres trabalhadoras e mulheres burguesas, embora ambas tenham que enfrentar a opressão em suas diferentes expressões. Por exemplo, hoje está em voga o discurso liberal do empoderamento feminino​, que visa ter mais empresárias, mais gestoras, mais parlamentares, mais ministras: ou seja, reforçar a dominação da burguesia capitalista e do Estado dando-lhe um rosto feminino; por outro lado, as políticas estatais visam implementar em todos os lugares áreas apenas para as mulheres nos transportes e espaços públicos e outros espaços diferenciados sob o argumento de ​”grupos vulneráveis”,reforçando a desigualdade por meio da caridade e da assistência, ao mesmo tempo em que promovem a agudização de uma luta entre gêneros que enfraquece a solidariedade de classe e confunde a orientação política que a luta pela emancipação das mulheres trabalhadoras deve ter.

24 – Tendências regulatórias assumem o movimento feminista, colocando-o politicamente como auxiliar da exploração capitalista, para retocá-lo, maquiá-lo, embelezá-lo. Reformas, retoques, melhorias do sistema capitalista e suas leis, é até onde vão.

25 – O feminismo pequeno-burguês, com a “​sororidade​” concentra sua argumentação na questão de gênero, assim como todas as variantes chamadas anti patriarcais. Há uma questão subjacente, barreiras são levantadas para a unidade de classe de mulheres e homens proletários, uma unidade de classe vital para lutar contra o capitalismo pela emancipação social e pela emancipação das mulheres.

III. Apoios ideológico-culturais-religiosos da opressão das mulheres

26 – A partir da divisão social do trabalho e da divisão da sociedade em classes e ao longo do desenvolvimento histórico, a superioridade dos homens em relação às mulheres se instalou na mentalidade social.

27 – A superação de alguns anacronismos sociais e jurídicos que atualmente presenciamos, manifestados como novos direitos formais para as mulheres, estão em sincronia e são necessários com o influxo maciço de mulheres proletárias para o trabalho social, como aconteceu nos primórdios do capitalismo com os direitos do homem de legalizar que o trabalhador assistia livremente para vender sua força de trabalho.

28 – Apesar disso, alguns vestígios das tradições anacrônicas persistem nas sociedades capitalistas, tais como o machismo e os que têm a ver com a sexualidade das mulheres, por exemplo o elogio à virgindade e à castidade, o castigo às relações pré-matrimoniais e a infidelidade etc…

29 – Os direitos das mulheres sob as diversas formas de matrimônio dependem de sua situação dentro das relações sociais de produção e da classe social a que pertence a mulher, assim tem sido ao longo dos diferentes modos de produção e formas de organização social. Sobrevivem no campo e entre os povos indígenas os casamentos arranjados, o dote e até o casamento por rapto. Tais costumes reacionários são elevados a valores pela cultura do capitalismo que os reproduz nos meios de comunicação de massa dia após dia, proibindo aberrantes casos de abuso contra as mulheres (estupros etc.).

30 – As formas de opressão e discriminação comumente englobadas como “machismo” têm expressões violentas e não violentas, no entanto, é necessário destacar que o termo machismo é um termo reducionista e simplista, e de forma alguma constitui uma categoria com a qual analisar adequadamente a questão desde a perspectiva marxista. Ao fazê-lo a partir do materialismo histórico, os comunistas vão além do tecido cultural para explicar a violência contra a mulher e, em geral, a desigualdade entre o homem e a mulher. Esta explicação tem bases objetivas e não se coloca na esfera a superestrutura; não é uma questão da ideologia machista, mas uma questão da reprodução do capital.

31 – O assassinato violento de mulheres não somente expressa uma postura ideológica que considera a mulher como objeto, mas também está fortemente relacionado com formas de acumulação de dinheiro como a prostituição, o tráfico de pessoas, o tráfico de órgãos, a escravidão moderna, das quais é coparticipante e beneficiário o Estado burguês, e cujas vítimas provêm principalmente das classes proletárias.

32 – Nesta sociedade capitalista não se assume o cuidado da infância como uma responsabilidade social, pelo que a criação é considerada um assunto individual circunscrito ao âmbito familiar, no qual o maior peso acaba recaindo na mulher, amarrando-a, limitando sua capacidade produtiva, sua atividade, seu desenvolvimento pessoal e social. É só a mulher burguesa que consegue se desvencilhar destas tarefas, mas à custa de relegar as tarefas do cuidado e da criação a mulheres da classe operária. Graças ao trabalho das proletárias, só a mulher burguesa consegue “empoderar-se” e assim abrir caminho para se reafirmar como parte da classe dominante que oprime homens e mulheres da classe operária.

IV. Caráter da opressão da mulher no México capitalista

33 – No México contemporâneo, onde o capitalismo dos monopólios impera e o antagonismo capital/trabalho marca a luta de classes, coloca-se como relevante o papel da mulher trabalhadora e as tarefas para sua organização. A mulher e o homem proletários, que conformam a classe operária, são o sujeito revolucionário que haverá de realizar as mudanças necessárias, a tarefa essencial: a Revolução Socialista

34 – No capitalismo, apesar de uma relativa independência econômica e igualdade jurídica formal, persistem as diferenças na jornada de trabalho e no salário entre homem e mulher trabalhadores.

35 – Dentro do processo produtivo, a maioria das trabalhadoras são relegadas a tarefas secundárias, tais como o empacotamento, o comércio, os serviços de limpeza etc.

36 – A alta concentração da mulher trabalhadora no sistema de produção, as condições em que esse ramo da produção funciona (lugares afastados das zonas industriais tradicionais, turnos noturnos, nenhum direito) estão ligadas ao feminicídio.

37 – Relacionado à sua integração tardia ao processo produtivo no capitalismo, as mulheres recebem salários menores, atribuídos à sua disponibilidade laboral em horários reduzidos, maternidade, carência de especialização, baixa escolaridade.

38 – Como a questão da desvalorização do trabalho golpeia mais a mulher, dão-se retrocessos nas conquistas laborais e a mulher vê-se obrigada a trabalhar sob condições flexibilizadas, com direitos abaixo da legislação, provas de não gravidez, demissões por maternidade

39 – Frente ao alto desemprego, o trabalho informal e de serviços deixa a mulher, assim como o resto dos trabalhadores, sem nenhum tipo de direitos trabalhistas.

40 – Para as mulheres proletárias, o assédio sexual é imperante em todos os níveis e em todo tipo de centro de trabalho e estudo, inclusive proveniente de companheiros proletários.

41 – Além da sua participação no processo de produção, tanto as trabalhadoras assalariadas como as autônomas têm a seu cargo a reprodução da força de trabalho (trabalhos domésticos, criação e cuidados familiares).

42 – O Estado propõe e incentiva relações de trabalho flexíveis e temporárias, como trabalho autônomo/pequenas empresas, trabalho em casa, trabalho sem salário.

43 – Aparecem novas formas de desigualdade que se assumem em nome da igualdade, mas estão encaminhadas a aumentar os lucros, sem considerar a importância da proteção à maternidade para o grupo social, como: igualar as idades de aposentadoria, permitir o trabalho noturno industrial, estender o serviço militar às mulheres.

44 – No trabalho doméstico empregam-se principalmente mulheres migrantes, indígenas ou com baixa escolaridade que vivem uma situação de semiescravidão. A grande massa de mulheres que se empregam para o trabalho doméstico é uma contundente evidência do antagonismo de interesses entre a mulher burguesa e a mulher proletária, por mais que as campanhas midiáticas por um tratamento justo (reconhecer seus direitos trabalhistas, férias, seguro social etc.) busquem branquear a exploração.

45 – As condições técnicas e sociais diferentes entre as mulheres proletárias da cidade e do campo expressam graus maiores de opressão. Do campo provêm a maioria das mulheres migrantes, a maioria das mulheres que são alistadas ao trabalho doméstico, a maioria das mulheres que são forçadas a prostituir-se. No campo exprime-se com maior força e arraigo o jugo doméstico e familiar sobre a mulher.

46 – As condições materiais das mulheres proletárias na época atual, tais como a intensificação do trabalho, a insegurança, o emprego flexível, além do ônus da reprodução de sua própria força de trabalho e em muitas ocasiões a de sua família, impedem que a independência econômica das mulheres conduza a uma verdadeira emancipação social, e também marcam o exercício de sua maternidade. No entanto, observa-se a incidência de ideias pequeno-burguesas entre algumas jovens proletárias, que antes de vivenciar os problemas relacionados à maternidade e à família percebem a natureza classista dos problemas gerais, mas são influenciadas por experiências negativas na família e no trabalho.

47 – Paradoxalmente, já que a força de trabalho teve um incremento percentual significativo de mão de obra feminina e que em uma década alcançará já os 50%, a taxa de sindicalização entre a mulher é muito baixa, e mais baixa ainda é sua presença nas instâncias de direção do movimento sindical de nosso país.

V. A luta da mulher trabalhadora no México 

48 – A organização da mulher deu-se no seio da classe operária, devido à influência das ideias pela emancipação da mulher apresentadas pelo marxismo. Embora no período anterior à Revolução democrático-burguesa de 1910 já existissem incipientes reivindicações por direitos, não foi até 1919, com a criação da seção Mexicana da Internacional Comunista, que a luta pelos direitos e emancipação da mulher se posicionou e começou a adquirir relevância. Os direitos trabalhistas, sociais e políticos da mulher mexicana estão associados à luta da classe trabalhadora e à atividade dos comunistas.

49 – O papel do feminismo nacional esteve orientado a conquistar direitos para a mulher burguesa e foi rapidamente institucionalizado pelo Estado mexicano. Emergem organizações que pretendem ocultar a natureza da opressão da mulher e estabelecem outras causas para ela (contradição homem/mulher etc.), cuja matriz ideológica são os centros acadêmicos, as fundações ou ONGs, com um trabalho político e ideológico muito claro em favor do sistema.

50 – Os partidos burgueses, ao reconhecerem a desigualdade da mulher, mas propondo soluções que responsabilizam os indivíduos em particular e não o Estado, novamente caracterizam o assunto puramente como uma questão de superação de anacronismos, e cumprem o papel que é funcional à dominação capitalista: por exemplo, compartilhar a criação e trabalhos domésticos com os homens, reformar o sistema educativo, etc., mas nunca ir à raiz: as condições materiais que determinam a opressão.

VI. A luta da classe trabalhadora e a mulher trabalhadora, uma só

51 – É inseparável a luta pelo socialismo, da luta pela emancipação da mulher para se emancipar, o proletariado deve emancipar todos os explorados e oprimidos. Enquanto as revoluções anteriores colocavam no poder, em lugar de uma classe exploradora caduca, outra que aperfeiçoava a máquina exploradora, a revolução socialista põe no poder a classe operária, rompe a máquina estatal burguesa e instaura a ditadura do proletariado; enquanto as revoluções anteriores substituíram uma forma de propriedade privada por outra, a revolução socialista suprimiu a propriedade privada e a substituiu pela propriedade social; enquanto as revoluções anteriores substituíram uma forma de exploração por outra, a revolução socialista suprimiu todas as formas de exploração e opressão; a revolução socialista começa pela conquista do poder e o novo poder estatal cria a economia socialista, muda as relações sociais e realiza profundas e radicais mudanças em todas as esferas da vida social. Será o socialismo-comunismo que gerará as condições necessárias para a definitiva emancipação da mulher, da mesma maneira que sem a participação decisiva e massiva da mulher trabalhadora a revolução socialista tem poucas possibilidades de triunfar. São lutas inseparáveis e isso os comunistas devem ter claro. 

52 – Nossa polêmica fundamental com o feminismo é que por seus condicionantes de classe burguês e pequeno-burguês, seus objetivos e programa, seu conteúdo e forma, não aponta contra o capitalismo e, pelo contrário, considera possível sua reforma. A verdadeira emancipação da mulher é impossível em coexistência com qualquer forma de gestão do capital. No sistema capitalista, a mulher jamais poderá ser livre e equiparar-se ao homem, mesmo agora que se incrementa seu papel na produção, pois se transforma mais cedo ou mais tarde em uma escrava assalariada. No capitalismo, está despojada de direitos e mantém uma relação de interdependência desvantajosa na família, e isso só piora se, como outrora, a mulher não participa do campo da produção.

53 – O direito ao trabalho socialmente útil em uma sociedade sem exploração é uma condição prévia fundamental para a emancipação econômica da mulher. Sem independência econômica, a libertação social não é viável.

54 – O socialismo-comunismo garantirá a emancipação da mulher, e assim o constata a Grande Revolução Socialista de Outubro e a experiência da construção socialista: a mulher foi integrada massivamente ao processo produtivo, qualificando sua participação com a integração também em massa à educação. Em um breve lapso da história, milhões de mulheres se formaram como profissionais, se qualificaram como quadros científicos e técnicos, participando da indústria, inclusive as tarefas diretivas, em condições adversas, como as vividas durante a Segunda Guerra Mundial, na aeronáutica. Um exemplo importante que mostrou uma melhor posição da mulher na vida social foi o da cosmonauta Valentina Tereshkova.

55 – A construção socialista deu passos concretos para a emancipação da mulher também ao socializar as tarefas reprodutivas e da criação. Com grande força revolucionária, o poder operário soviético e seu partido comunista deram duros golpes aos grilhões da escravidão doméstica. Os trabalhos da criação foram assumidos coletivamente, como uma responsabilidade social: a licença laboral de maternidade, as creches, os internatos, que permitiam à mulher um espaço para aumentar seus conhecimentos e para a participação política. O contrato de casamento também foi alterado, o direito ao divórcio, maternidade voluntária e o aborto foram reconhecidos. É muito claro como a situação da mulher na URSS é uma forte evidência de que ali se construía um mundo novo.

56 – Na sua expressão contemporânea, a igualdade de gênero = igualdade formal em direitos não eliminará a posição desigual da mulher proletária numa sociedade exploradora, pelo que o socialismo-comunismo é uma urgência geral da classe operária, e uma urgência também da mulher para acabar com os milhares de anos de opressão e desigualdade.

VII. Tarefas para organizar a mulher trabalhadora no México

57 – Faz falta uma organização que, guiada pelos critérios classistas, alheia ao feminismo e em polêmica com ele, assuma a tarefa de organizar a mulher trabalhadora de nosso país. Essa decisão proposta pela I Conferência Para a Emancipação da Mulher foi assumida pela reunião de Trabalho das Mulheres Comunistas, que iniciou os trabalhos rumo ao Congresso da Organização de Mulheres Trabalhadoras, realizado em 8 de março de 2019. Trata-se de uma organização que enriquecerá qualitativamente a luta das mulheres ao ter uma posição clara e objetivos concretos para pôr fim à opressão.

58 – Tendo em conta que a maior participação social e política das mulheres se dá nas áreas urbanas, se concentrarão aí os esforços organizativos, sem demérito das áreas rurais e suburbanas.

59 – A experiência nos diz que, tratando-se de assuntos relacionados aos interesses de sua prole (crianças, creches, escolas), as mulheres assumem rapidamente a mobilização, embora haja um interesse menor pelos assuntos políticos gerais. É dever da OMT vincular o concreto ao político, politizar as lutas, trazer o elemento ideológico ao primeiro plano, organizando, educando, conectando as lutas pelas reivindicações com a luta profunda pela emancipação da mulher e pelo socialismo-comunismo.

60 – As comunistas, as militantes do PCM e da FJC, têm o papel principal nessa tarefa, que é dupla para elas: a organização da mulher por sua emancipação, e fazer confluir a mulher trabalhadora na torrente da Revolução Socialista. Levando em conta os objetivos que se propõe o VI Congresso do PCM, de se fortalecer como pré-condição da nova revolução, entende-se que se coloca como prioridade, junto à classe operária e à juventude trabalhadora, a participação ativa e massiva da mulher trabalhadora

61 – As e os comunistas devem intervir energicamente em toda frente de luta contra toda manifestação de opressão e de violência física contra a mulher, tanto entre suas fileiras como entre as massas operárias.

62 – Do mesmo modo que no entorno da experiência prática do trabalho operário-sindical se pode cair na concepção errônea de que os quadros e membros do Partido são as massas que engrossam e compõem essa frente, no caso das mulheres do partido, devem realizar o trabalho de organização das massas de mulheres trabalhadoras na OMT, sem ser o componente majoritário desta organização.

63 – A OMT corresponde à posição de princípios dos comunistas em relação à questão da mulher, mas deve assumir-se também como um dos pilares em que se assenta o processo revolucionário pelo socialismo-comunismo em nosso país. 

64 – O êxito das tarefas da OMT depende em grande medida do próprio papel do PCM na nova revolução, pelo que essa responsabilidade, assumida em primeiro lugar pelas mulheres comunistas, deve contar com o concurso militante de todo o PCM.

VIII. Deveres do PCM de promover uma maior participação das mulheres na militância e entre os quadros

65 – A desigualdade das mulheres, evidente nas baixas porcentagens de participação na vida social e política, nos sindicatos e nas organizações de massas, reflete-se também na composição do PCM. Portanto, devemos tomar medidas que não sejam nem cosméticas nem liberais – como a quota de gênero, já rejeitada pelo nosso Partido no seu Primeiro Congresso em 1996 – mas antes medidas profundas e de longo prazo para aumentar numericamente a presença de mulheres comunistas no partido.

66 – As mulheres, em geral, enfrentam maiores dificuldades devido à falta de tempo livre para estudar e militar. É que, além da carga de trabalho, as mulheres têm que enfrentar as tarefas de parentalidade e de escravidão doméstica. Portanto, o Partido tem de tomar medidas especificamente destinadas a garantir que as camaradas possam participar nas reuniões de células, reuniões de comissões, escolas de quadros, conferências e congressos. Não devemos tolerar decisões burocráticas que convoquem reuniões sem levar em conta horários e condições que possam eliminar obstáculos à participação das camaradas.

67 – Da mesma forma que a maternidade pode representar um obstáculo à aquisição de consciência de classe para as mulheres trabalhadoras em geral, pois absorve grande energia e recursos das mulheres e, em muitos casos, impede ou tende a reduzir a sua participação política, as jovens camaradas enfrentam dificuldades quando começam a constituir família, quando assumem a maternidade e com ela novas responsabilidades. Devemos fazer esforços ideológicos para esclarecer a necessidade da militância em qualquer circunstância, bem como buscar as condições para viabilizá-la.

68 – Nós, comunistas, devemos combater a ideia de que existem papéis rígidos para as mulheres e confrontá-los com consequências na vida partidária: por exemplo, as tarefas de limpeza ou alimentação devem ser assumidas igualmente por companheiros e companheiras. Devemos tomar consciência de que se queremos e necessitamos de uma maior participação das camaradas, todo o PCM e a juventude comunista devem envolver-se nisso, com múltiplas iniciativas, por exemplo: funcionamento de creches durante reuniões de células, comissões, quadros escolares, conferência, congresso ou mobilização.

69 – O PCM é uma organização que prefigura a nova sociedade, a sua vida interna deve ser uma antevisão da sociedade futura. Não podemos tolerar e devemos combater com trabalho ideológico qualquer manifestação de desigualdade e opressão nas nossas fileiras.

70 – Exigimos a participação ativa de todos os membros para facilitar a participação das mulheres na vida partidária e a sua formação como quadros.

71 – O trabalho da OMT não exime o Partido Comunista da sua responsabilidade pela emancipação das mulheres, que continuará o seu desenvolvimento a partir do mesmo Comité Central, na Comissão das Mulheres agora denominada Comissão para a Emancipação das Mulheres.

72 – A questão da emancipação da mulher será integrada na formação e educação dos quadros e militantes do PCM.

VI Congresso do PCM, março de 2020

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