Subjetividade, neoliberalismo e organização política : Desafios Revolucionários do Século XXI

Por Silas Ramos, graduando em Direito pela Universidade de São Paulo e militante da União da Juventude Comunista.

Introdução: O capitalismo, com o final da segunda guerra mundial adentra em uma nova etapa de seu desenvolvimento, o neoliberalismo, que é posto em prática sobretudo entras as décadas de 1970 e 1980. Paralelamente, as experiências de socialismo real, partidos e organizações entram em colapso com a queda da União Soviética. Analisamos aqui as consequências subjetivas e culturais desse processo nos sujeitos neoliberais com o objetivo de oferecer uma alternativa político-organizativa para esse desafio.


A questão neoliberal:

O século XX, sobretudo em sua primeira metade, é marcado por grandes exemplos de experiências que avançaram no processo de superação do modo de produção capitalista, destacando-se a Revolução Russa e a Revolução Chinesa. Estes processos históricos se construíram sob a orientação de um sujeito político, o Partido Comunista, lastreado pelos princípios organizativos do Leninismo, como a disciplina dos militantes e o centralismo-democrático.

A disciplina dos militantes residia em garantir a coesão teórica e prática dos militantes e da estrutura partidária conforme a orientação política definida. Segundo Vladimir Lênin, a organização da classe operária seria sua maior arma contra o poderio capitalista, o estado burguês e sua violência de classe organizada.

Nos dias de hoje, o capitalismo reafirma sua hegemonia global, demarcando também uma nova etapa, o neoliberalismo, que se estabelece não apenas por uma mudança no regime de acumulação, – que torna central para o capital os processos de financeirização – mas também por mudanças chamadas por Marx de “espirituais”, presentes na cultura e nas relações sociais cotidianas, em suma, naquilo que Marx entenderia por “Ideologia”.

Um ponto a nos atermos é que a lógica neoliberal fixou na produção cultural uma certa “melancolia” quanto à eventuais mudanças na sociedade, à eventuais rupturas na estrutura social, como demarca Mark Fisher, passa-se a considerar “mais fácil o fim do mundo do que o fim do capitalismo”.

No lugar da busca de um horizonte de superação do capitalismo, a sociedade é constituída como uma empresa à ser gerida, assim como as relações entre os sujeitos, que adquirem um caráter também empresarial, em que se busca o gozo como uma forma de lucro.

A melancolia generalizada se reverbera em uma “Impotência Reflexiva”[1] e imobilização política, em que, mesmo que haja por muitos o reconhecimento da crise capitalista, dos setores mais “eruditos” aos setores mais populares, difunde-se a noção de que não há horizonte de superação e capacidade de ação dos sujeitos.

Subverte-se por esse lado, que as lutas sociais, as formas coletivas de transformação do mundo que visam um novo horizonte aliado ao fim do capitalismo podem servir como uma alternativa à atual modelagem das relações sociais e servir como um alicerce para novas e ainda pouco exploradas relações interindividuais, amparadas na fraternidade, no entusiasmo e na disciplina.

Desafios do século XXI e o realismo capitalista:

Como postulou Marx, o capital como um sistema de dominação social, produz armas materiais mas também espirituais, ainda que os tempos atuais carregam consigo uma perspectiva angustiante, considerando há o aumento da pobreza, desemprego, da violência generalizada, das opressões raciais e de gênero, as armas ideológicas da burguesia e seus “Aparelhos Ideológicos”[2], operam no sentido de macular essas contradições, ou mesmo, quando as reconhecem, deixam de lado sua contradição fundamental bem observada por Marx, a luta de classes.

De certo não há, até este ponto, nenhuma novidade estrutural quanto ao funcionamento do sistema capitalista. Ocorre que, mesmo as forças sociais avançadas – partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, organizações de juventude etc.– encontram hoje uma grande dificuldade no convencimento das bases quanto à necessidade histórica que a organização e o engajamento político representam.

É dessa forma que cabe aqui falar no realismo capitalista, um princípio que trata com obviedade todos as contradições e problemas sociais, que sua resolução se daria no plano de mudanças individuais, comportamentais ou seguissem uma lógica de gestão empresarial[3].  Desse modo, relações sociais tornam-se dotadas de uma orientação mercantil, mercadas pelo individualismo e pela responsabilização individual[4], pela concorrência e a lógica do “empreendedorismo”[5].

A lógica do realismo capitalista conduz a um cenário de impotência quanto aos problemas. Assim, a angústia generalizada é tratada como um problema unicamente individual, por vezes, de uma forma perversa, que relaciona estes problemas à desequilíbrios químicos e neuronais, impossibilitando uma origem social para o mal-estar generalizado. Oculta-se que a depressão coletiva é resultado de um projeto de subordinação e que a saída desse estado não se trata de uma vontade de individual, mas a reconstrução de uma consciência coletiva, de classe, que não possuí soluções fáceis, pois demanda novas formas de envolvimento político e convivência coletiva.

O desafio de um revolucionário, de um político emancipatório consiste em destruir a aparência de “naturalidade” das estruturas sociais e apresentar que o impossível apareça não apenas como alcançável, mas como inevitável diante da crise capitalista. É nesse sentido que o realismo capitalista se apresenta como um obstáculo, como uma atmosfera neutralizante da luta ideológica e contra hegemônica.

Um breve exemplo desse desafio é o movimento estudantil brasileiro e internacional, se historicamente as lutas estudantis representaram uma faísca que gerou uma revolta generalizada contra o capitalismo, como as lutas de 1968 na França e no Brasil, além da participação das entidades estudantis na luta contra a ditadura, hoje, as entidades estudantis se transformaram em entidades burocráticas, corporativistas e os estudantes de hoje apresentam-se anestesiados quanto ao seu papel na construção de um novo mundo, estando anestesiados politicamente, quando não, psicologicamente adoecidos.[6]

A modelagem da vida social e individual como uma empresa, é a base de muitas patologias sociais modernas, pois não oferece saídas coletivas e emancipatórias para questões colocadas, a atmosfera fatalista que toda a sociedade e sobretudo a juventude se encontra só pode ser combatido, como Fisher deixa claro, pela emergência de um novo sujeito político coletivo.

Está posto que a fragmentação dos sujeitos em indivíduos isolados inerente ao realismo capitalista, além de um fenômeno social, realiza-se enquanto uma estratégia de poder, pois sujeitos fragmentados são incapazes de se constituir como uma maioria organizada que coloque em temeridade a hegemonia vigente.

Ocorre que a consciência coletiva não é uma massa desarticulada historicamente, a sociedade testemunhou, há apenas um século, explosões sociais que colocaram em ameaça a dominação capitalista sobre o mundo, esse sujeito político demandado pela história já tomou forma, e é sua construção que trataremos a seguir.

A necessidade de um novo sujeito político

Marta Harnecker, no início do século XXI produziu um balanço dos desafios da esquerda no século que se abria, reconhecendo que o sonho da construção de uma nova sociedade, livre do jugo do capital se reduzia à uma tímida expressão, identificou três formas de crise em que a esquerda latino-americana se encontrava, a crise teórica, programática e orgânica[7].

Constatou que diversos setores da esquerda se renderam à “arte do possível”[8], ao “realismo” que Fisher descrevia, o que as impossibilitava de construir uma política de combate ao capitalismo estabelecido, somado à isso, reconhecia um ceticismo generalizado das massas quanto à política e que a superação desse estado se construiria ao conceber um instrumento político adequado aos novos desafios.

O declínio dos sindicatos se insere nesse contexto e é um fenômeno global reconhecido por ambos os autores, isso se reverbera em termos objetivos, com a aplicação de uma legislação perversa aos trabalhadores, como a reforma trabalhista de 2017 no Brasil, acompanhada de uma expansão nos trabalhos precarizados, organizados por empresas de tecnologias, somadas à uma impossibilidade de agir coletivo, como no passado. Entra em cena, nesse contexto, soluções individualizantes, a automedicação e o suposto “autocuidado”[9].

Nesse sentido, trata-se de reconhecer os esforços de outras gerações, suas formas de organização e de ação política, seus erros e as formas pelos quais foram retificados, isso porque, a consciência coletiva não está, jamais, desarticulada de sua história, a consciência de classe carrega consigo os elementos do passado, suas contradições, bem como os instrumentos para sua superação, para que se entre em contradição com os problemas atualmente postos diante da sociedade[10].

Está posto que a demanda, é portanto, de um instrumento político-organizativo e uma nova infraestrutura política da vida social e psíquica, que seja capaz de superar a fragmentação individual e faça emergir novas formas de relação, dessa forma, cabendo aqui, as formulação acerca da “Camaradagem” como a forma correspondente à nova relação.

A forma que entendemos como correspondente é o resgate do partido comunista tal qual formulado por Lênin, mas adequado às estruturas objetivas e subjetivas da atual conformação histórica. O partido é a forma de associação política flexível, adaptável, expansiva e duradoura para a construção de um momento disruptivo, que ao contrário da ação isolada, propõe-se a introjetar um sujeito que existe para além de si mesmo no espaço público.

Conforme formulação de Jodi Dean, uma nova forma de relação é necessária ao trabalho político emancipador e revolucionário, pois gera um necessário pertencimento político em seus militantes, a identificação como “camarada”, identificação essa que rompe rótulos de sexo, raça e classe impostos pela sociedade capitalista e situa o sujeito em um lugar-comum daqueles que também se inserem no mesmo lado da luta política.

A forma pelas quais esse tipo de rel(ação) não apenas acolhe e confirma o sujeito, mas o transforma, torna possível uma nova orientação do ser, relação que corresponde, ao desmantelamento das instituições do capitalismo neoliberal, no lugar do isolacionismo e da melancolia, dá-se lugar à disciplina, coragem e entusiasmo.

Não se fala aqui numa solução imediata à problemas apontados, pelo contrário, o partido e sua camaradagem são apenas instrumentos, formas, pelas quais pode ocorrer o salto de consciência que permita a supressão do sujeito neoliberal e permita o desenvolvimento daquele sujeito que Fidel Castro ousou chamar de “novo homem e nova mulher”.

Bibliografia

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de janeiro: Graal, v. 2, 1985.

 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. Boitempo editorial, 2017.

FISHER, Mark. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo?. Autonomia Literária, 2020.

FRAGA, Diego José de Nogueira. Realismo capitalista e sofrimentos psíquicos na vida acadêmica. Lavra Palavra, 2021 << https://lavrapalavra.com/2022/01/14/realismo-capitalista-e-sofrimentos-psiquicos-na-vida-academica/>

HARNECKER, Marta. Os desafios da esquerda latino-americana. Expressão Popular, 2000.

IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

[1] Conceito utilizado por Mark Fisher em “Realismo Capitalista” para descrever a paralisia política presente na juventude, que, mesmo que diante das mazelas sociais, é incapaz de construir uma resposta política.

[2] Os Aparelhos Ideológicos são, para Louis Althusser, os instrumentos de reprodução do capitalismo nos planos cultural, religioso,  educacional, etc. São instrumentos materiais e imateriais pelos quais a luta de classe se realiza.

[3] DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. Boitempo editorial, p. 133, 2017.

[4] FISHER, Mark. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo?. Autonomia Literária, p. 113, 2020.

[5] DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. Boitempo editorial, p.326, 2017

[6] https://lavrapalavra.com/2022/01/14/realismo-capitalista-e-sofrimentos-psiquicos-na-vida-academica/

[7] HARNECKER, Marta. Os desafios da esquerda latino-americana. Expressão Popular, 2000.

[8] Ibdem p. 25

[9] Realismo Capitalista pg 141

[10] IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. São Paulo: Expressão Popular, p. 8, 2007.

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