O povo subiu a rampa com Lula – ele permanecerá?

Por João Marcelo

Nesse texto pretendo enxergar o potencial simbólico da posse de Lula, passando para a composição real de forças expressas no gabinete de Lula apontando suas contradições passando para no último trecho fazer uma breve digressão sobre o que considero que deve ser a posição dos comunistas sobre o governo, a expectativa da classe trabalhadora com relação a ele e sua disputa interna.


 Acompanhado de uma criança negra, uma catadora, um cacique e líder índigena histórico, um metalúrgico, um professor, dois participantes da vigília Lula Livre e um ativista anti capacitista. Foi assim que Lula subiu a rampa do palácio do planalto para tomar posse pela terceira vez como presidente da república. Nos dois discursos que deu no dia, no congresso e no parlatório, Lula falou, com a emoção de quem conhece a fome, da volta dessa chaga. Além de ter denunciado com toda a veemência a desigualdade de renda e oportunidades e os ataques que os povos indígenas têm sofrido nos 4 anos do governo fascista de Bolsonaro. O conteúdo per se dessa parte dos discursos não surpreende visto que a campanha do então candidato do PT já dava essa tônica. A atipicidade veio no trecho em que Lula prometeu a revogação do teto de gasto e da veemência na denúncia das desigualdades, colocando em destaque o contraste e tomando claro partido dos ‘de baixo’ – inclusive, fugindo do conteúdo da campanha.

 Em conteúdo, a cerimônia mostrou uma intenção de aproximação da classe trabalhadora, em todos os seus recortes, do executivo federal e colocá-las como prioridade do país a partir de agora. Fato que foi fortalecido pela cerimônia simbólica de passagem da faixa, que serviu para ilustrar essas intenções – como se o povo chegasse ao planalto junto com Lula. A cerimônia surpreendeu e reacendeu o ânimo de alguns que votaram em Lula para derrotar eleitoralmente o facismo, mas não se empolgavam com o programa claramente conciliatório e limitado da campanha que levou o petista ao terceiro mandato.

Quem de fato estará no Planalto?

 Obviamente, nem tudo são flores nos jardins do lulismo. Para além da cerimônia, as intenções do novo governo estão expressas em diversas outras movimentações, dentre elas o seu gabinete. Quando saímos da beleza da cerimônia e entramos na composição do ministério se percebe o puro suco do arco de alianças de Lula. O petista conseguiu unir Sonia Guajajara, liderança índigena, a Carlos Fávaro, político de um estados com maior conflito em terras indígenas e liderança do agronegócio. Apesar de ser talvez o mais gritante, esse não é o único par inusitado. Lula juntou Tebet à Haddad, Silvio Almeida à Márcio França e Anielle Franco à Geraldo Alckmin.

 As justificativas para o monstrengo ministerial, além das já conhecidas, justificam que é um momento atípico, visto o cenário facista – que supostamente requer uma ampliação dos já enormes arcos de aliança. Fazendo uma reedição, ainda mais rebaixada, da frente popular de Dimitrov.

 O frankenstein ministerial e o arco de alianças pela ‘governabilidade’ colocam em risco as promessas mais importantes, e sinceras, de Lula. Como enxergar um combate estrutural a fome não atacando o agro? Como acabar com a violência sem extinguir as policias militares?

 As demandas populares são claramente as prioridades pessoais e políticas de Lula. Mas elas encontram enormes obstáculos dentro do próprio planalto. Indígenas, negros, trabalhadores, sindicalistas e sem-terras estão no planalto – assim como burgueses, milicos e latifundiários. Alguns irão ganhar e outros irão perder. Os interesses são inconciliáveis e com o afloramento das contradições do capitalismo brasileiro, o conflito está mais latente do que em 2003 e tudo indica que as velhas táticas de conciliação do lulismo não terão os mesmo resultados da época. O Planalto está super habitado por inquilinos extremamente diversos e contraditórios. É difícil imaginar um cenário em que os moradores permaneçam os mesmos ao final de 2026 e os futuros despejos ou saídas se darão no conflito cotidiano institucional e na base –  em outras palavras, a velha luta de classes.

O que fazer?

 A conjuntura, embora apaziguada pela eleição de Lula, é assustadora. A economia em frangalhos, desindustrialização galopante e fome generalizada. Além de um movimento organizado facista, embora mais enfraquecido, ainda muito forte e com impressionante poder de mobilização. Erros nesse momento trarão consequências que podem durar anos e custar milhares de vidas.

Os comunistas, fatia mais avançada da classe trabalhadora, possuem um papel que pode, e deve, ser fundamental e diferencial nesse cenário. Só cumpriremos nosso papel histórico se estivermos presentes nas lutas e movimentos reais, não enclausurados em grupos de estudos e universidades. O socialismo não é privilégio de alguns iluminados. Nem o entusiasmo descabido petista nem um sectarismo ála fora todos eles[1], que na prática funcionará como linha auxiliar do facismo, pode ser a postura dos comunistas.

 Não creio que a palavra correta para descrever a nossa posição seja independência. Devemos, sim, ser caracterizados pela lealdade à classe trabalhadora e as suas pautas. Essa posição é a mais adequada visto que ela não reduz a política a sua faceta institucional e foca no movimento real e na luta de classes. Temos lado e é ele que deve definir nossa relação com o governo Lula e suas futuras medidas e, prováveis, desmandos.

 A classe trabalhadora foi a que conduziu Lula de volta ao Planalto. A fatia mais pauperizada (menos de 2 salários mínimos) foi o ponto fora da curva que garantiu a vitória do petista. Na cidade de São Paulo, nos bairros mais pobres, como Capão Redondo, Jardim Ângela e Perus,  Lula chegou a ter dois terços dos votos. É inegável a expectativa e o desejo que o povo coloca no novo governo. As pessoas têm muita esperança em Lula e, a partir dele, fazem algo muito difícil na indeterminação neo-liberal, imaginar e sonhar uma nova realidade. Esses sonhos promovem uma descarga de desejo na classe com relação ao governo que deve ser utilizada extensamente pelos comunistas para convertê-la em vontade de lutar por um novo futuro coletivo.

 Sem ilusão institucional e com o petismo, devemos mobilizar na rua e nos nossos locais de atuação as pautas da nossa classe para despejar na marra o Agro, as PM ‘s, a Burguesia, a Faria Lima – enfim, todos os vermes do Planalto.


Notas

[1] Campanha protagonizada pelo PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) na época do impeachment de Dilma em que se defendia o golpe em Dilma como uma forma de colocar a classe em ofensiva contra toda a classe política.

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